Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? E quem atirou primeiro, os traficantes ou a polícia? Parece estranho e mal colocado, mas diante de tudo o que tem acontecido no Rio de Janeiro não dá mais para confiar nas informações das autoridades estaduais de segurança e da mídia global. Sua versão dos fatos é sempre falaciosa e imbecilizante, como se estivem se dirigindo a um bando de idiotas.
Podemos até parecer, mas garanto que não tem nenhum idiota do lado de cá. As recentes manifestações de parte da população “assistida” pelas UPPs indicam que as desculpas esfarrapadas e sem nenhum sentido para explicar assassinatos, desaparecimentos e abusos de todas as espécies, coroadas de aplausos e “explicações técnicas” de parte da imprensa, apenas acirram os já exacerbados ânimos. Acusações de vandalismo não colam mais, senhores.
artigo publicado no jornal espanhol El País trouxe dados estatísticos estarrecedores da “pacificação” do Rio, abrangendo os últimos oito anos (2007-2014): “No estado de Rio, foram registados neste período 35.879 homicídios dolosos, 285 lesões corporais seguidas de morte, 1.169 roubos seguidos de morte, 5.677 mortes derivadas de intervenções policiais, 155 policiais militares e civis mortos em ato de serviço. Total: 43.165 falecidos. Ou seja, mais de 500 mortes por mês provocadas por uma violência desmedida. Esses números não levam em conta os mais de 38.000 desaparecidos nem as mais de 31.000 tentativas de homicídio.”
Operação desastrada
Operações policiais em áreas que, em tese, estão sob o controle do estado, não deveriam virar operações militares, a não ser que esse controle seja apenas “para inglês ver”, como se dizia antigamente. A UPP do Pavão-Pavãozinho, inaugurada em 23 de dezembro de 2009, já teve cinco anos para colocar na cadeia os traficantes remanescentes e agir apenas preventivamente.
Por sua vez, o governo do estado e a prefeitura carioca tiveram cinco anos para implantar saneamento básico, construir postos de saúde, urbanizar as ruas e vielas, normalizar o fornecimento de luz, água, gás e telefone, providenciar transporte público e, o mais importante, regularizar a posse dos terrenos e casas da região. Alguma coisa foi feita? Faz-me rir! Para as autoridades, a UPP se encerra quando o Bope entrega a comunidade para os policiais militares regulares, bate continência e dá meia-volta volver.
A morte (ou execução com tortura) do dançarino (Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG e que participava de um programa na TV Globo) é mais um entre tantos casos que tem aparecido apenas porque as comunidades não mais se calam diante da violência policial, do estado. O episódio bárbaro da auxiliar de serviços gerais Cláudia Silva Ferreira, baleada em uma operação desastrada numa favela da zona norte e arrastada por 250 metros por uma viatura da PM que deveria socorrê-la, parecia o fundo do poço.
Não foi. E fica bem evidente que esse pesadelo não tem fim.
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Carlos Emerson Junior é escritor e blogueiro