Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa vigiada com mão de ferro

O jornalista Carlos Ochoa acaba de cumprir seis meses como o titular da mais nova Superintendência da Informação e Comunicação, criada para executar a Lei da Comunicação. Este jornalista foi eleito em outubro passado para uma terna proposto pelo presidente Rafael Correa e deixou os estúdios de televisão para se converter em um juiz dos meios de comunicação e de seus colegas. Sua designação foi polêmica por seu apego ao Governo pois ele estava dirigindo o noticiário em um dos canais de televisão apreendidos pelo Estado e antes esteve no canal público.

Sua rejeição aos meios de comunicação privada era notória, nas colunas de opinião que escrevia para o diário próximo ao Governo PP El Verdadero, Ochoa se referia à imprensa privada com qualificativos como: dependentes do poder, representantes ou defensores de um sistema excludente e gerador de miséria, divulgadores do desastre e miseráveis.

Aquela parcialidade ficou em evidência durante o pouco tempo que leva em frente à Superintendência da Informação e Comunicação. As multas que impôs, e que se tornaram públicas graças aos demandados, afetaram somente os jornalistas dos meios privados e as primeiras multas recaíram nos diários El Universo e Extra, condenados a pagar 10% de seu faturamento trimestral. O primeiro foi sancionado por não ter dado informação verídica e contrastada em uma caricatura, e o segundo por se negar a retificar alguns títulos tachados de mórbidos.

O último caso que passou pelo tribunal de Ochoa foi a encomenda de sancionar o jornalista veterano Diego Oquendo (açoitado constantemente pelo presidente Rafael Correa), por supostamente ter instigado o linchamento midiático de novo a uma ex-ministra da Educação, que foi desprestigiada nos anos noventa por copiar sua tese de doutorado. No fim, este caso não foi para frente, mas analistas da comunicação como César Ricaurte, diretor da ONG Fundameios, opina foi que “uma chamada de atenção”.

Os meios de comunicação do Estado não receberam nenhuma multa, ou ao menos não se conheceu publicamente. A única queixa contra os meios do oficialismo que surgiu foi descartada em poucos dias. A denunciante foi a ativista política de centro-esquerda Martha Roldós que reclamou por ter sofrido linchamento midiático por parte do jornal público El Telégrafo e o consenso de meios governistas que durante dez dias replicaram como notícia sua iniciativa de buscar financiamento nos Estados Unidos para criar uma agência de notícias. “Fizeram uma interpretação novelesca de meus e-mails, que além disso foram hackeados, e iniciaram um linchamento midiático, não foi uma menção, foi o diário El Telégrafo, mais a Agência Andes, mais a rádio pública e até teve um especial de três partes nos canais apreendidos pelo Estado, em horário nobre, todos refletiam essa visão delirante e paranoica de que um pequeno projeto realizado por cidadãos equatorianos pretendia desestabilizar os governos progressistas da região e isso fez eco até nas sabatinas (prestação de contas semanal de Rafael Correa)”, conta Roldós.

Parâmetros éticos

A denúncia de Roldós foi arquivada com o único argumento de que não havia anexado a cópia do documento de identidade da demandante. “Isto é um tecnicismo, podiam ter me comunicado que faltava isto para completar a denúncia que apresentei pessoalmente, mas nada, nem sequer nos comunicaram do arquivo da queixa, eu me inteirei por uma jornalista, por isso digo que eu mesma comprovei que a Lei de Comunicação é inconstitucional e também discricional em sua aplicação”, diz a afetada.

A Superintendência da Informação e da Comunicação se negou a dar detalhes dos processos que conheceu nestes seis meses. Em seu site só publicou dados gerais sobre a quase centena de denúncias que recebeu até março passado. No boletim aponta que 36% das reclamações têm relação com encomendas de retificação de notícias difundidas pelos meios de comunicação e que a maioria das queixas envolve meios audiovisuais (42%), seguido em um menor percentual por meios impressos (33%), rádios (20%) e digitais (5%). Dessas denúncias, foram resolvidas 77; 14 contam com resolução sancionatória, três foram arquivadas e outras 60 não terminaram o trâmite por desistência de uma das partes, falta de documentação, entre outras razões.

Este jornal, particularmente, fez um pedido para entrevistar Carlos Ochoa em fevereiro e nesta semana recebeu um e-mail para dizer quais eram os temas que seriam tratados durante o encontro e a desculpa foi que o departamento de Coordenação Geral de Imagem e Comunicação da Superintendência está em processo de formação. A ONG Fundameios apelou à Lei de Transparência e Acesso à Informação Pública para obter mais detalhes dos processos, mas já recebeu duas negativas porque não foi explicado para que se usará essa informação. Para seu diretor, César Ricaurte, há “uma vontade deliberada de ocultar os processos de julgamento dos meios de comunicação, isso deveria ser público, não há nenhum artigo na Lei que diga que isso é informação particular”.

Ricaurte também fala da implementação da censura prévia. “A Lei se converteu em uma ferramenta para castigar linhas editoriais e para amedrontar os jornalistas críticos ao Governo”, assinala. “Se alguém acha que é um castigo contra o diário El Universo o que lhe dizem é que se você não forem censuradas as caricaturas, os conteúdos, inclusive de seus editorialistas, você pode ser castigado. Isso é censura prévia”.

A Fundameios tem informações de que já existem advogados trabalhando ombro a ombro com os jornalistas nas redações. “Os advogados revisam as páginas, as notas, para buscar uma situação de risco que poderia conduzir à abertura de um processo contra o veículo e a nota é descartada ou refeita, alguns meios adotaram esta prática e é natural, os meios não querem ser submetidos a processos que conduzam a multas milionárias”, diz Ricaurte

Vicente Ordoñez, presidente da União Nacional de Jornalistas, considera que com tantas restrições, ao final, quem perde é a sociedade. “Esta instituição (a Superintendência da Informação e da Comunicação) converteu-se em uma espécie de delegacia que vigia o trabalho de jornalistas e os meios de comunicação e se denota uma clara intenção de dar medo nos veículos e jornalistas e isso afeta a fluidez da informação”.

O caricaturista Xavier Bonilla (Bonil), que teve que retificar uma de suas caricaturas, pela qual o El Universo teve que pagar em torno de 90.000 dólares (201.000 reais), diz que teve suficientes indícios de que a Superintendência se faz “eco das ações de revanchismo do regime” e lhe preocupa que este organismo siga trabalhando à margem da demanda de inconstitucional que se propõe na contramão da Lei da Comunicação há sete meses na Corte Constitucional.

A legitimidade da Superintendência da Informação também está em dúvida porque sua criação não foi discutida na Assembleia Nacional. A criação deste organismo simplesmente apareceu da noite para o dia dentro desse conjunto de artigos da Lei de Comunicação que não foram debatidos pelos legisladores.

Para o pesquisador Christian Oquendo, que elaborou um relatório sobre o gerenciamento de Ochoa, é muito difícil para a Academia justificar as ações da Superintendência da Informação e da Comunicação tomando em conta parâmetros éticos, deontológicos ou inclusive teorias da comunicação. “Organizou-se uma sorte de variáveis que opera em nível institucional, judicial e midiático para calar e limitar as opiniões dos críticos e opositores ao Governo”, conclui, por escrito.

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Soraya Constante, do El País, em Quito