A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, fez uma forte defesa da liberdade de expressão durante o seminário “Comunicação e Mercado no Brasil”, realizado esta noite [terça, 29/4] no Ibmec, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Lembrando sua atuação durante as eleições de 2012, quando ocupou a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, foi direta:
“Falo de cátedra, como juíza. Sem imprensa livre não haveria eleição.”
Com mais de 500 mil candidatos, o pleito daquele ano só foi possível graças ao debate público realizado pelos veículos de comunicação. Acusações e defesas entre concorrentes aconteciam nas páginas dos jornais, sites noticiosos, rádio e TV, sem a influência do Estado.
“Liberdade é inegociável”
O presidente do Grupo Abril, Fábio Barbosa, manteve a mesma linha, ampliando a defesa da liberdade de expressão também para o setor publicitário. A propaganda, disse o executivo, é fundamental para que os consumidores decidam o que comprar, servindo como apoio para a imprensa. “A publicidade apoia a imprensa, que viabiliza a democracia. Esse tripé é fundamental”, afirmou Barbosa. “Não podemos ter uma democracia sem a imprensa livre. É a imprensa que deve vigiar o Estado, e não o contrário.”
Paulo Tonet Camargo, vice-presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo, lembrou o processo de redemocratização, que devolveu aos cidadãos direitos fundamentais. Segundo o executivo, a sociedade deve compreender a liberdade como valor, mas, muitas vezes, não é isso que acontece. “A liberdade é um valor que só percebemos quando dela sentimos falta”, afirmou Camargo. “Na ditadura, o Estado achava que sabia o que era bom para o cidadão. A Constituinte foi uma conquista, mas o Estado sempre cai na tentação de conspirar contra nós: no Congresso tramitam 28 mil projetos de lei. São tutelas do Estado na vida do cidadão.”
O professor Eugênio Bucci, da Universidade de São Paulo, ressaltou o cuidado que devemos ter com o discurso sobre a relativização da liberdade: “Ela não é negociável.” É comum o debate sobre restrições à liberdade em prol da privacidade individual ou dos direitos humanos, o que, para o professor, é um contrassenso. “Não há oposição entre liberdades e direitos humanos. Poderia haver direitos para sujeitos que não podem ser livres?”, questionou Bucci.
A ministra Cármen Lúcia corroborou as palavras do professor, mas destacou a diferença entre o conceito de liberdade e o direito à liberdade. Nas palavras da ministra, “a liberdade é uma conquista permanente, e o direito à liberdade é a consolidação dessas conquistas”. O Estado, disse, não deve nem pode legislar sobre a liberdade, pois ela é conceitual, “quase um sentimento”, mas deve garantir o seu exercício. “O ditado de que o direito de um vale até onde começa o do outro é uma falácia. O que ocorre é que os direitos se entrelaçam. Eu exerço o meu direito à liberdade, e o meu vizinho também (o faz). Esse é o desafio do Estado.”
Marcel Leonardi, diretor de Políticas Públicas do Google Brasil, contou na conferência uma conversa que teve com um iraniano há alguns anos, que ilustra o risco da perda da liberdade: “Nós estávamos comentando sobre os pedidos de retirada de conteúdo do ar, quando ele disse: ‘No Irã não se retira o conteúdo, se retira a pessoa’.”
O seminário também marcou o lançamento da Cátedra Ibmec Palavra Aberta de Liberdade de Expressão, centro de pesquisas com foco em estudos voltados para a democracia e a promoção da liberdade de expressão no país. “É preciso defender a liberdade de expressão? Sempre”, resumiu Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta.
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Sérgio Matsuura, do Globo