Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um percurso da violência e a alfabetização informativa

No dia 9 de maio de 2014 o jornal Tribuna de Minas publicou uma reportagem assinada por Renata Brum e colaboração de Michele Meireles, sob o título “Superlotação e ociosidade em centro de adolescentes dificultam recuperação“. Segundo a reportagem, o Centro Socioeducativo de Juiz de Fora, localizado no Bairro Santa Lúcia (Zona Norte) possui capacidade para 62 jovens, mas atualmente abriga mais de 80 jovens em conflito com a lei, oriundos não só da cidade, mas da Zona da Mata e de comarcas do Sul de Minas. Apesar de estarem matriculados em escola regular, os adolescentes estão sem oficinas e atividades socioculturais e, sem camas, são obrigados a dormir em colchões no chão dos alojamentos, sendo que alguns dormem também na enfermaria, o que revela um claro desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Outra questão levantada pela reportagem diz respeito à defasagem do número de agentes socioeducativos, pois são 12 agentes a cada plantão, o que compromete a segurança de todos dentro da unidade, já que os profissionais não utilizam armas e nem tonfa, apenas algemas, em casos raros e justificáveis.

Além disso, existem várias outras questões que a reportagem enfatiza. Dessa maneira, fica claro que o objetivo é alertar para um problema que deveria ser uma preocupação de toda a sociedade, contudo, semelhante ao que ocorre com os linchamentos, é interessante ler os comentários dos leitores à matéria e perceber como, apesar de toda a discussão ocorrida na última semana, as pessoas ainda insistem em querer cada vez mais violência.

A um passo do linchamento

Vejamos alguns exemplos de comentários (mantidos na íntegra):

** Carlos Eduardo (09/05/2014 | 11:36) – desrespeito? serio mesmo? eu honestamente estou cansado de vivier num país em que menores que roubam, matam entre outras atroscidades, vivem com tanta regalia….renato russo ja perguntava “que pais é esse”, coitado morreu sem nunca ter a resposta….afff

** Boris Bornai (09/05/2014 | 11:11) – para esses vagabundos isso ai é colõnia de férias. muito melhor do que a casa deles. não tem trabalho nem obrigaçao, não apanham nem tem medo ou respeito pela justiça. só são incentivados pelo status de serem bandido. pra eles é motivo de orgulho. vagabundo deveria ter medo de cadeia, mas ao invés disso riem e zombam o tempo todo desse sistema falido.

** Roberto Carlos Junior (09/05/2014 | 11:06) – recuperaçao ? isso é algum tipo de piada? esses marginais mirins infelizmente ja eram. não tem recuperaçao. é voltar pra rua e cometer novos crimes, ser preso e ser solto até morrer em conflito com a policia. vamos acabar com essa hipocrisia nojenta. vagabundo preso tinha que trabalhar em pedreira, acorrentado como nos estados unidos.

Percebe-se assim, a violência da linguagem dos comentaristas, que tratam os adolescentes como “menores que roubam”, “vagabundos”, “bandidos”, “marginais mirins”, “não têm recuperação”, além de acharem que eles têm “regalias” e vivem numa “colônia de férias”, por isso, deveriam “trabalhar em pedreira, acorrentados, como nos Estados Unidos”. Ou seja, estamos a um passo de um linchamento destes jovens que foram para o Centro Socioeducativo para serem “recuperados” socialmente e, por isso, deveriam ter os seus direitos humanos reservados. Mas os comentaristas acham que não.

Projeto de identidade

É necessário, por conseguinte, que a sociedade assuma a responsabilidade no uso e na transmissão das informações disponíveis, pois, como diz Carlos Castilho neste Observatório, no artigo “Cascatas de rumores, um desafio para o jornalismo e usuários da web“, é urgente uma “alfabetização informativa”, porquanto necessitamos “nos educar em matéria de uso e disseminação de notícias, assumindo uma responsabilidade que até agora delegávamos à imprensa e organismos reguladores estatais ou privados. Esta tarefa passa a ser de cada um de nós e as consequências passam a recair também sobre as comunidades das quais participamos”.

Em virtude do aumento da criminalidade na cidade de Juiz de Fora, pois a violência é algo mais amplo e historicamente enraizado em nossa cultura, creio que o jornal Tribuna de Minas poderia exercer um papel mais importante nesta questão, pois a mera publicação de reportagens, que são comentadas pelos leitores de maneira a exacerbar os ânimos já agitados, é se negar a ser um ator influente na história da cidade. Dessa forma, creio que o jornal poderia ajudar a construir canais de diálogo entre os vários segmentos sociais, pois se deve ressaltar que toda intervenção policial e estatal deve ter como objetivo a mediação de conflitos de forma pacífica, como está previsto na Constituição Federal. Neste momento, seria interessante que a mídia exercesse o seu papel social ajudando na compreensão de que é fundamental que o Estado e a sociedade reflitam sobre seus erros para poder avançar, já que somente um diálogo franco e aberto poderá levar a uma solução para o problema da criminalidade, pois me parece que as discussões se tornaram infrutíferas e as soluções adequadas são postergadas. É preciso ponderar que as forças de segurança pública no Brasil não foram educadas para conviver com a legalidade democrática e que o caminho para que isto aconteça é longo. Por outro lado, o sistema penal brasileiro é anacrônico, com a possibilidade de muitos recursos, o que leva à falta de respostas para as demandas da sociedade. A polícia truculenta gera medo na população, ao invés de servir para garantir uma paz social dentro da legalidade.

Dessa forma, quer-se enfatizar como os discursos ético-políticos preenchem as condições comunicativas para um autoentendimento hermenêutico de coletividades, porquanto devem possibilitar uma autocompreensão autêntica e conduzir para a crítica de um projeto de identidade, em que é necessário o preenchimento de certas condições de uma comunicação não-deformada sistematicamente, que proteja os participantes contra repressões, sem arrancá-los de seus genuínos contextos de experiências e interesses.

******

Ramsés Albertoni é professor e pesquisador dos grupos de pesquisa Comunicação, Cidade, Memória e Cultura e Anime