Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um retorno cada vez mais difícil

Desde que deixou a Presidência da República francesa em maio de 2012, Nicolas Sarkozy não faz outra coisa a não ser alimentar os boatos de sua volta à política. A imprensa francesa parece perfeitamente dividida, como os eleitores: a mídia de direita trabalha na estratégia de comunicação do derrotado, que prometera deixar a política em caso de derrota em 2012. Já a mídia de esquerda, que nunca escondeu uma antipatia pelo lado exibicionista, vulgar e berlusconiano do ex-presidente, parece apostar quem vai descobrir novos escândalos, que em francês são chamados de casseroles (panelas). O ex-presidente arrasta uma coleção de panelas dignas de Silvio Berlusconi.

Na semana passada, ao noticiar os novos escândalos que entravam a possível volta de Sarkozy à política, o Libération destacava as semelhanças entre Berlusconi e o francês. O amor ao dinheiro é um dos traços em comum: o jornal lembrou que tão logo foi eleito, Sarkozy aumentou em 172% o salário de presidente da República, que passou de 7.084 euros a 19.331 euros. E não percebeu que cometia uma enorme gaffe ao comemorar sua vitória em 2007 num jantar no restaurante Fouquet’s, com os happy few do mundo das finanças e da indústria. O Fouquet’s virou, desde então, símbolo do poder arrogante e da aliança com a classe dominante.

A hipertrofia do ego, o ultraliberalismo, a vulgaridade e a vitimização nos processos de que são objeto são características que também aproximam Berlusconi e Sarkozy. Ao conceder uma entrevista na televisão, pela primeira vez depois de sua derrota, o ex-presidente não se defendeu com argumentos convincentes. Até porque ele não os tem. O que ele achou de melhor a fazer foi atacar a imparcialidade dos juízes, uma tática que utiliza desde sempre e que se mostra eficaz junto a seus fiéis seguidores.

“Novela desastrosa”

Mas a tática “de atacar o mensageiro para fazer com que esqueçam a mensagem”, como sublinhou o Le Monde, não parece convencer aos comentaristas políticos mais finos. E muito menos aos magistrados que divulgaram por intermédio do Sindicato da Magistratura um comunicado em que dizem que “tentar desqualificar a juíza, buscando sua incredibilidade, permite, sobretudo, contornar o conteúdo da acusação”.

“A volta do ex-presidente está seriamente comprometida”, intitulou o Le Monde, que não crê no argumento dos sarkozistas de que o presidente é vítima de processos com fins políticos. Mesmo os mais ferventes sarkozystas devem saber que as últimas acusações de “tráfico ativo de influência”, “corrupção ativa” e “receptação de segredo profissional” são comprovadas pelas escutas telefônicas autorizadas feitas nos celulares de Sarkozy e de seu advogado Thierry Herzog, mesmo que tenham tido o cuidado de utilizar telefones comprados em nomes de terceiros. Dois juízes são suspeitos de tráfico de influência, como informantes de Herzog. Tudo para que o ex-presidente pudesse estar a par do curso sigiloso que tomavam as investigações contra ele.

O Le Monde fez um infográfico sob o título “Em torno de Nicolas Sarkozy, uma galáxia de affaires”. Nesse caso, os affaires são processos judiciais em que ele é citado como suspeito de algum tipo de delito. Entre os casos, está sendo investigada a acusação de que sua campanha presidencial de 2007 foi financiada por Muammar Kadhafi.

O último capítulo da novela judiciária da qual o ex-presidente é o principal ator, no papel do vilão, é a investigação preliminar aberta pelo Ministério Público de Paris por “abuso de confiança”. O candidato derrotado deveria pagar de seu bolso a multa de 363.615 euros que o Conselho Constitucional lhe impusera ao invalidar suas contas da campanha presidencial de 2012. Ora, o esperto derrotado fez o partido pagar por uma multa aplicada ao candidato e não à UMP, o seu partido.

Em editorial de primeira página na edição de quinta-feira (3/7), Le Monde mostrava como Sarkozy estava no centro de uma “novela judiciária desastrosa”. O editorial termina de forma peremptória:

“A moral pública não se resume somente ao respeito elementar da legalidade. Sob pena de solapar gravemente a confiança dos cidadãos, ela implica que os responsáveis políticos estejam acima de qualquer suspeita. Evidentemente, não é o caso de Monsieur Sarkozy.”

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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris