Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Empresário leva 25 anos para provar inocência

Não existe caso de erro judicial no Brasil igual ao do empresário carioca José Germano Neto, de 65 anos, dono de uma revenda BMW no Rio de Janeiro. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de absolvê-lo de um crime nunca cometido.

Germano foi perseguido pela polícia como narcotraficante por 25 anos.
Ele enfrentou seis processos. Puxou cadeia aqui, nos Estados Unidos e na França.

O ponto de partida da perseguição foi uma denúncia fria feita por um alcaguete da polícia carioca, em 1989.

O homem queria revanche porque o empresário o acusara do roubo de um Chevette de segunda mão. Ele se vingou acusando Germano de chefiar o tráfico no Morro do Vintém.

Com base na denúncia fria Germano foi preso e fichado como chefão. Aí começou aquele conhecido desfile de delegados e promotores divulgando suspeitas como fatos, fofocas como verdades.

Tudo era reproduzido na imprensa, sem filtros. O linchamento de Germano não teve precedentes: o caso da Escola Base só aconteceria em 1994, cinco anos depois. Os jornais o moeram e jogaram na lama.

A ficha suja dele circulou entre policiais dos três países por mais de duas décadas. Só aqui o processo teve 40 volumes, 30 adendos e 6 mil páginas.

Perseguição sem fim

A fama de narco lhe rendeu três processos no Brasil (1989, 1996 e 2002), dois na França (1994 e 2000) e um nos EUA (1998).
Foram quatro anos de cadeia, um pouco em cada país. E um quarto de século de idas e vindas a tribunais.

Germano foi investigado sem sucesso pelas polícias Civil e Militar do Rio, pela Federal, DEA (agência antidrogas americana), Nacional Francesa e até pela CPI do Narcotráfico.
A sentença do STJ que o absolveu foi divulgada apenas nos meios forenses e em juridiquês.

O trânsito em julgado do processo aconteceu em junho – agora ele é inocente de uma vez por todas. Os bens apreendidos e o passaporte já podem ser devolvidos ao dono. José Germano Neto está limpo outra vez.

Enfrentando a BMW

A absolvição chegou aos 45 do segundo tempo: o empresário está com câncer e botando pontes de safena.
Se não morrer e se ganhar indenização de R$120 mi da multinacional BMW, talvez Germano ainda aproveite o limão que a vida lhe deu.

A indenização é muito possível. Germano processou a montadora na 5ª Vara Cível do Rio porque a empresa cassou a concessionária dele na Barra da Tijuca enquanto estava preso nos EUA, em 1998.

Para cassá-lo, a multi alegou que o nome sujo dele respingava na imagem da marca.
Os advogados da BMW, Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, ilustraram sete páginas da defesa dela com reportagens sobre Germano como bandido.

O Germano agora com nome limpo pede a concessionária de volta, mais lucros dos últimos 16 anos. O cálculo dos milhões foi feito por peritos legais. O caso está na 9ª Câmara Cível do Rio, a passos de cágado.

Minha aposta

Entrei no caso Germano quando era repórter do Estado de S.Paulo em Nova York, em 1998. O cônsul brasileiro me ligou avisando da prisão pela NYPD de “um carioca condenado na França por narcotráfico”.

Era ele. Foi preso na happy hour de uma convenção da BMW. Fui conferir. A polícia americana me disse que o prendeu para extraditá-lo à França, para cumprir 12 anos de cadeia, conforme mandado da Interpol. Lá, Germano fora condenado à revelia.

Ele passou semanas sendo interrogado pela DEA, no cadeião federal de Manhattan. Num ponto qualquer, os americanos se desinteressaram dele.

O Brasil abriu mão do direito de pedir primazia na extradição. Ele foi então para uma cadeia no Upstate NY aguardar transferência à França.

Meses depois, consegui autorização para entrevistá-lo na prisão. Ele não acreditava na nova acusação de narco, ainda mais na França. Parecia atordoado. Só repetia “sou inocente”.

Estávamos na área comum de visitas aos presos. Eu olhei para a turma em volta e disse, como nos filmes: “Claro, aqui dentro todos são inocentes”.

Me perguntou: “Você acha que se eu fosse um traficante condenado não saberia? Aí eu não viajaria para o Exterior. Viajei porque não sabia”.

Passei o trator nele: Você fumava? Cheirava? Comprava? Vendia? Germano negava tudo. Tentei ver a alma nos gestos, para a sentença de repórter: bandido ou mocinho?
Como bandido, ele já tinha a fama feita. No Rio, figurou nas páginas policiais até o esgotamento.

Como mocinho, ainda não dava para acreditar nele. No texto, fiquei em cima do muro.
Com a prisão nos Estados Unidos ele voltou às manchetes por alguns dias. Minha entrevista rendeu meia página no Estadão.

Em 2000, Germano desistiu de se defender nos EUA e pediu para ser extraditado à França. A DEA não viu nada importante nele e o deportou.

Sacanagem diplomática

Meses depois da entrevista no Upstate, reencontrei o cônsul num regabofe. Ele me puxou para um canto e soprou: “Sabe o Germano? Fizeram uma sacanagem com ele”.

O cônsul me explicou: “A Polícia Federal queria vê-lo na cadeia, mas não conseguia. Então, foi feita uma armação para entregá-lo aos americanos”.

Ele disse que a Interpol francesa expedira o mandado de prisão por canais sigilosos. Só a PF sabia. Aí, ela passou ao NYPD dia, horário, flight number e hotel dele, resultando numa prisão fácil pros tiras americanos.

O cônsul me sugeriu investigar outra vertente da sacanagem. Ele achava que o convite da BMW para a convenção fora só para tirá-lo do Rio e assim cassar a concessão dele (mais tarde, a multi negou envolvimento na trama).

A PF não informou Germano do mandado francês porque o queria na cadeia, não importando onde. Ela usou o artifício porque a Constituição proíbe a extradição de brasileiros.

A própria condenação na França derivou de uma informação errada dela, PF, aos franceses. Eles investigavam uma conexão Rio-Paris, em 1994. A PF mandou a ficha de Germano como sendo o chefão do Morro do Vintém. Vapt vupt, o empresário foi condenado, sem saber que era réu em Paris.

Bem mais tarde Germano processou a PF, mas ela foi absolvida da mancada, considerada ossos do ofício.

Germano teria tido uma chance de voltar dos EUA para o Brasil sem ser extraditado para a França, se o Itamaraty tivesse pedido a repatriação dele, coisa que não fez.

Consultei o cônsul: “Nós não pedimos porque o Governo não deixou. A gente não sabia o motivo. A PF dizia que ele era bandido. Só agora o pessoal do Itamaraty está dizendo que ele é inocente”.

Corri para o telefone. Liguei para meu chefe, Laerte Fernandes. Pedi para ele acionar nosso correspondente em Paris para checar o caso. A resposta foi gelada: “Não vamos atrás de cachorro morto”.

Liguei para a jornalista francesa Valerie di Chiappari, uma amiga de anos. Sem avisar o Estadão, ofereci 200 dólares para ela ir ao Tribunal de Paris descobrir alguma coisa.
Val não teve sorte. Informou apenas que Germano continuaria preso, aguardando julgamento. Pela lei local, quando um condenado à revelia aparece, anula-se o anterior e abre-se um novo processo.

Mandei uma nota para o Estadão. Tomei mais um balde frio: “Renan, esquece o caso”. Desta vez a ordem veio de um assistente do diretor Pimenta… perdi o reembolso dos 200 dólares.

Malandragem policial

Ainda fuçando, liguei dos Estados Unidos para a Corregedoria da Polícia Federal no Rio. Fiz uma longa entrevista com um delegado. Ele disse que a investigação de Germano tivera problemas e que, em consequência, o responsável pelo caso fora afastado.

Mandei uma matéria com o sinal de alerta bem grande: o empresário José Germano Neto pode ser inocente.

Surpresa: o delegado-fonte processou o Estadão dizendo que não tinha falado comigo. Não era uma dúvida sobre um ponto ou outro do texto. Era uma negativa total. Como seu eu tivesse pirado e inventado a conversa com ele. Aí, pediu grana de indenização.
Juntei o papo do cônsul e a ação do delegado para começar a suspeitar fortemente … da inocência de Germano.

Raciocinei: se um delegado PF faz uma pilantragem dessas, o bandido deve ser o mocinho da história.

Em 2001, fui posto pra rua do Estadão. Voltei pro Brasil e fui trabalhar na Gazeta do Povo, de Curitiba.

No final de 2002, recebo um telefonema no jornal. Uma voz rouca, grave, arfante: “Aqui é o José Germano”. Ele me contou que tinha sido absolvido e deportado da França. Estava no Rio. E, surpresa, prestes a ser preso de novo pela PF.

Por quê? “Por causa da primeira condenação na França.”

Com frieza, respondi que o caso dele não interessaria ao meu jornal. Ele me lembrou, com delicadeza: “Só liguei porque você pediu para te avisar quando saísse da cadeia”.

O primeiro delegado

Fast forward para o final de 2004. Saí da Gazeta. Ganhei uma passagem e 24 horas de hotel grátis no Rio, pra cerimônia do Prêmio Esso.

Do aeroporto, fui primeiro para o escritório dos advogados de Germano. Eles me vieram com o papo de polícia incompetente perseguindo seu cliente inocente, arruinando o negócio com a BMW. Queriam me mostrar uma sala cheia de documentos.

Desconfiei deles. Pedi para procurarem na papelada apenas o nome do primeiro delegado a prendê-lo, em 1989. “Foi o doutor Júlio Mulatinho, da Polícia Civil do Rio”, lembrou Germano, mesmo 15 anos depois.

Encerrei a reunião. Rápidos telefonemas, achei o doutor Mulatinho. Era o titular da delegacia de Maricá. Peguei um táxi e levei uns recortes de jornal para o papo com ele.

O homem mal viu a primeira foto, virou a cara e fez tsk tsk tsk: “Ah, este coitado (Germano). Não é bandido. Foi caguetado por um vagabundo”. Pedi uma prova: “Posso não ter provas da inocência, mas duvido que encontrem da culpa”.

O delegado me contou que o prendeu “por uma denúncia fria”. Para ele, Germano estava limpo. “Quando a PF assumiu o processo, eu tentei avisar o pessoal dela, mas ninguém se importou.”

Estaria o delegado no bolso de Germano? Como ele lembrava de tudo, 15 anos depois? “Deu tanta notícia na época que foi impossível esquecer.”

Perdas

Balanço do caso entre 1989 e 2004: Germano passou quatro anos na cadeia. A BMW lhe cassou o negócio. Prenderam a mulher dele, a leiloeira oficial Zalfa Nassar, acusada pela PF de cumplicidade. Ela perdeu o cargo e abortou na cadeia. Eles se mudaram de um apê de luxo na Barra para o subúrbio de Campo Grande – uma condenação dentro da condenação.

A perseguição já era do tipo ovo ou galinha: na França, acusado de ser traficante no Rio, no Rio, acusado de traficante na França. Mesmo que Germano quisesse retomar sua vida, ela continuaria parada na 8ª Vara Criminal do Rio de Janeiro por mais10 anos. Estava com seus bens congelados, sem passaporte, obrigado a viver no eixo casa-advogado-casa.

Polícia bandida

Em 2005, no Jornal Já, re-re-reinvestiguei o caso. Contratei um frila no Rio para ir à PF checar as acusações contra ele. Era o estudante Breno Costa, depois top repórter na Folha de S.Paulo.

Breno chega ao processo, mas é detido pelo delegado do caso. Ele ameaça mandar o repórter para um cadeião carioca.

Telefonemas frenéticos. Mobilizado o sindicato do Rio. O presidente Aziz Filho liga, me dá uma dura por mandar um estagiário, resgata Breno ileso.

O repórter ficou sem a matéria, mas eu reforcei minha dúvida: a PF não tinha nada para provar a acusação contra Germano. Quando policial tem, solta em off. Quando não tem, acusa: “Você é amigo do bandido?”

Neste estágio, boquirrotiei: contei para [o jornalista] Milton Coelho da Graça que estava preparando uma história sensacional.

Na toca do leão

Para escrevê-la, voei para o Rio, numa manhã de domingo. Fui de surpresa à casa de José Germano. Ele e Zalfa estavam na varanda. Liam jornais. Pareciam calmos e confortáveis na rotina morna do casamento sem filhos.

Saímos para almoçar numa churrascaria vagabunda. O papo rolou sobre colesterol e pontes de safena. Ele estava pesando 120 quilos. Eu idem, então tive intimidade suficiente para apelidá-lo de Gordo.

Passamos a tarde com Faustão e futebol. Ele roncou na poltrona. Zalfa remexia nas pilhas de volumes dos processos. Furunguei na papelada.

Aos poucos, a mulher começou a tagarelar. Contou dos dias presa em 1989: “Para me soltar, queriam que eu incriminasse o Zé.”

Zalfa perdeu o cargo de leiloeira, mas fez uma limonada: foi estudar. Deu tempo para formar-se em Direito e advogar para o marido.

Fingindo orgulho, ela mostra sua foto na capa do Extra sob o título “Linda, rica e procurada”. Dobra o papel amarelado e ironiza: “Já não me procuram, não sou mais rica e esta foto tem 15 anos”.

Num momento de fraqueza ela confidencia sobre o aborto do bebê que os dois queriam, durante os interrogatórios da PF. Não houve violência física, ela acha que foi pelo estresse da coisa. Zalfa agora chora. Bem baixinho, para não acordar o Gordo.

Seguro a mão dela alguns segundos, num gesto de conforto. Ela recolhe a sua, seca os olhos com meu lenço: “Ele não gosta que eu fale mais nisso”, diz, apontando com a cabeça para o dorminhoco. “O Zé acha que faz mal pra gente lembrar coisas ruins.”

Anoitece. Mais TV, entramos no Fantástico. Eu já estava quadrado de tanto sofá. Tentava sacar a rotina da casa. Notei que os telefones não tocaram uma única vez.
Perguntei: “Ué, os comparsas de vocês não ligam mais? Cadê o resto da quadrilha? Quanto tempo vocês vão disfarçar?” Conclusão: “Não sabia que vida de traficante aposentado era tão calma”.

Eles receberam como piada, numa boa. Me convidaram para dormir na casa, porque era longe do meu hotel e “perigoso sair à noite”. No dia seguinte, tomamos café juntos e eles me largaram no aeroporto.

Mais alguns meses se passaram. Voltei ao Rio. Zalfa me liga querendo processar o governo francês na Corte Europeia de Direitos Humanos para pedir indenização pela cana puxada em Paris.

Pergunta minha opinião. Achei bobagem. Mas, foi aí que tive a ideia: se a investigação não andava no Brasil, poderia tentar via França.

Expedição parisiense

Fomos à agência de viagens deles. Comprei uma passagem para Paris. Eu paguei cash, preocupado com a possibilidade de a PF ainda estar na cola dele e me acusar de tomar dinheiro de “traficantes”.

Desci em Paris e fui direto para a sede da Policia Nacional Francesa.

Me encostei no balcão e pedi para falar com o chefe da narcóticos. Dois guardas me levaram à sala do capitão Marc Geny. Pelo papo, percebi que ele achava que eu vinha fazer alguma denúncia.

Mostrei uma reportagem antiga assinada no Estadão. Geny conferiu o nome com meu passaporte. Pareceu frustrado, depois relaxou. Jogou-se para trás na cadeira, dispensou os guardinhas e me ofereceu café.

Eu retruquei oferecendo off the record. O capitão disse que não trabalhou no processo, mas sabia dele: “Tudo o que eu posso dizer é que foi um caso kafkiano. Usamos uma informação da polícia brasileira para condená-lo, sem nunca ter apreendido drogas com ele”.

Repórter ou cúmplice?

Depois do papo, voltei de Paris com a certeza da inocência de Germano. Claro, aquele tipo de certeza de jornalista: sempre recheada de dúvidas. No fundo, eu procurava provar que ele era o bandido que diziam.

Eu já tinha tentando entrevistar o alcaguete que fez a primeira denúncia, sem sucesso. Era um ex-cabo da PM carioca. Só achei o nome e a caguetada nos autos do processo. Ele morreu em 1997.

Re-re-entrevistei o Gordo. Fizemos o balanço de quantas vezes ele foi investigado sobre o mesmo assunto. Não dava para lembrar. Só a PF continuava na cola dele, disposta a provar o improvável.

Seria ele tão esperto a ponto de conseguir enganar todo mundo o tempo todo? E eu teria cruzado a barreira de repórter a cúmplice de bandido?

Cansado, voltei as baterias contra Germano. Pedi para me confessar tudo. Ofereci a ele uma chance de redenção: garanti que não publicaria nada se ele me dissesse a verdade.
Para os registros: “Não quero comprometer minha carreira defendendo um bandido”.
Nada o demoveu de jurar que era inocente.

Caçado

Em 2007, eu andava frilando no moribundo Jornal do Brasil. Pude contar toda história de Germano até ali, desta vez já cravando a inocência dele. O editor Mário Marona caprichou na capa: “O homem que foi caçado por 18 anos”.

Despejei tudo em duas páginas internas. A repercussão foi zero. Mesmo assim, Germano tirou cópias e distribuiu para os amigos. Era sua declaração de inocência na imprensa que tanto o castigara.

Saí do JB e voltei para Porto Alegre. O tempo voou. Germano teve câncer. Tremeu nas bases. Começou a me ligar, depressivo. Queria processar tudo e todos para provar sua alegada inocência.

Ele bolou até um protesto: sentar na frente do Cristo Redentor com uma placa de “inocente” no pescoço. Seria o único jeito de contar sua história para o mundo. Ri da ideia: “Além de bandido, vão te chamar de louco”.

Não deu no Fantástico

Aí, para dar uma força ao doente, cometi uma ingenuidade indesculpável. Sugeri para ele contar seu caso kafkiano no Fantástico (o pessoal mais velho deve lembrar de quando este programa tinha Ibope).

Seriam 10 minutos de alívio na telinha, depois de 18 anos tomando chumbo. Ele ligou se oferecendo. Não quiseram.

Minha besteira foi deixar de ser pro e mandar um e-mail para o repórter Eduardo Faustini. Ele conhecia o caso. Eu só sugeri que desse uma nova olhada. Dei os telefones de Germano e dos advogados daquela sala cheia de documentos.

Faustini ficou com um pé atrás. Nunca procurou Germano. E começou a me interrogar. Só então percebi o óbvio: se algum jornalista me ligasse com essa história eu também pensaria como ele deve ter pensado: “Compraram este cara para limpar a barra de um traficante.”

Pior fez Germano: ele esperou horas por Larry Rother no escritório do New York Times. Não foi recebido. Deixou recortes de jornais e um patético pedido de ter sua história de injustiça brasileira contada mundo afora.

Virada

Em 2010, Germano foi absolvido pela 8ª Vara Criminal do Rio. Absolvido, sob o estrondoso silêncio da mídia. Nenhuma linha, nenhuma notinha, nada de nada.

O juiz se convenceu da inocência quando interrogou seu principal acusador, o delegado da Polícia Federal Luiz Dórea. Obteve dele a resposta que mudou o jogo, lançada nos autos: “Nunca (em 18 anos) houve qualquer depoimento, ou qualquer flagrante, ou qualquer apreensão de drogas que o implicasse com o tráfico”.

Aí o delegado PF Aldeir Gonçalves sepulta de vez a acusação. Explica ao juiz que para processar Germano em sua volta ao Brasil “tudo que (a polícia) tem contra (ele) é apenas a sentença francesa”.

Da absolvição na 8ª Vara o caso subiu para o TRF4 (Tribunal Regional Federal) por recurso do MPF, mas já sem muita margem para mudança.

No TRF foi confirmada a absolvição das acusações de tráfico e formação de quadrilha. Mas, o MPF ainda queria salvar a cara e insistia que os bens de Germano seriam fruto de enriquecimento ilícito. O MPF então recorreu ao STJ tentando esta condenação indireta como traficante.

Germano provou que tinha riqueza lícita de berço. O avô foi um industrial judeu pioneiro da metalurgia. Ele herdou do pai vários imóveis no subúrbio. A Receita Federal demoliu a acusação, anexando uma certidão nos autos. Só então o MPF capitulou, mandando um ofício ao STJ desistindo das acusações.

O caso caiu no buraco negro, à espera da sentença do STJ. Foram mais três anos parado, até outubro de 2013.

Germano ainda não podia comemorar porque um ministro poderia derrubar o pedido de desistência do MPF e ele mesmo mandar reinvestigar tudo. Aí a roda continuaria: STJ-MPF-TRF4- 8ª Vara-PF-Rio-Paris, tudo de novo. Em junho, o caso foi para os arquivos, desta vez para sempre.

Biografia manchada

Com o caso encerrado, liguei para o Gordo pela última vez.

– E aí Germano, como vão teus dois processos ?

– Perdi o da BMW em primeira instância, mas na segunda vou vencer.

Ele parecia empolgado com a derrota.

– E o do narcotráfico ?

– Ganhei (sua voz não tinha nenhuma emoção).

Pedi licença para publicar sua saga de 25 anos.

– Deixe pra lá, estarei sujo para sempre.

Ele parecia amargurado na vitória.

O motivo da amargura é a tecnicalidade da sentença. Ela não diz “absolvido”. O STJ o absolveu porque o MPF desistiu de persegui-lo.

Os promotores não disseram “inocente”. Ou “demos uma mancada”. Ele não levou sequer um pedido de desculpas.

Numa frase ? Foi inocentado porque não provaram que era bandido. Assim, o volumoso, complicado e demoradésimo processo União x José Germano Neto acabou com um suspiro.

Agora ele vai tocar sua vida, parada desde os 40 anos. Aos 65, não terá mais energia, nem tempo, para processar o governo por indenização. E a mancha nunca vai apagar: muita gente ainda vai achar que ele é um narcotraficante esperto que conseguiu enganar a todos o tempo todo.

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Renan Antunes de Oliveira é jornalista