Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

História mal contada

Sou presidente da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e, por força do cargo, até o momento não me havia manifestado publicamente sobre o que ocorreu na reunião da sexta-feira (25/7), que provocou o movimento de contestação à diretoria da entidade. Mas, diante da nota que a Associação Brasileira de Imprensa acaba de publicar em seu site (ver aqui), não posso continuar em silêncio.

Na última sexta-feira [1/8] a Comissão ouviu a diretoria do Sindicato sobre o ocorrido. Hoje [segunda, 4/8], se reunirá para divulgar uma posição oficial sobre o caso. [Nota do OI: a reunião foi adiada para quinta-feira (7/8) devido ao falecimento da jornalista Rozane Macedo.] Portanto, o que escrevo aqui não antecipa essa decisão: não falo em nome da Comissão, mas em meu nome próprio. E se me apresso é porque há urgência: nesta noite haverá uma plenária no Sindicato, o clima é de tensão e deter a disseminação de informações falsas é uma questão de responsabilidade da qual eu não posso me furtar. 

Falo com a segurança de quem apurou os fatos. Por isso posso dizer que o primeiro parágrafo da nota reúne uma sucessão de mentiras escandalosas.

É verdade que fatos intoleráveis ocorreram naquela reunião. Mas é absolutamente falso dizer que “não se ouviu uma palavra em defesa dos associados vilipendiados e criminalizados quando apenas cumpriam o seu dever”. Pelo contrário, a presidente do Sindicato, que mediou o encontro, interveio em todas as vezes em que os presentes criticaram os jornalistas ou tentavam impedi-los de falar. 

Tampouco “os repórteres, fotógrafos e cinegrafistas viram-se obrigados a abandonar o Sindicato”. Não foram expulsos, como, aliás, indevidamente se noticiou em parte da imprensa e se propagou amplamente por aqui. Saíram quando entenderam que seu trabalho estava concluído. É verdade que ficaram indignados com o que ocorreu, que se sentiram ofendidos e confrontados, o que de si já é suficientemente grave. Mas reconhecer isto é totalmente diferente de dizer que foram constrangidos ou, pior ainda, obrigados a se retirar. 

Se os signatários do texto tivessem feito o trabalho elementar de todo jornalista, que é apurar os fatos, teriam evitado escrever essa enxurrada de mentiras.

Digo isto com absoluta tranquilidade porque apurei a história com quem cobriu a reunião. O que relato aqui é a expressão das informações que obtive.

Para piorar, os autores da nota misturam (propositalmente? com que objetivo?) manifestações ocorridas em contextos distintos para carregar nas tintas e pintar um quadro infinitamente pior do que o verdadeiro. Ninguém, naquela reunião, chamou os jornalistas de “carniceiros”. Esta ofensa foi proferida por uma das ativistas apontadas como líder dos protestos, meses atrás, quando reagiu agressivamente à presença da imprensa no momento em que ia buscar informações sobre os responsáveis pelo acionamento do morteiro que matou o cinegrafista Santiago Andrade, e que tinham acabado de ser presos. Esta mesma ativista foi uma das presas em decorrência do recente inquérito policial que investiga a ação violenta de manifestantes. Beneficiada por habeas corpus na véspera da reunião no Sindicato, compareceu ao encontro, manifestou-se agressivamente em vários momentos, mas não consta que tenha chamado ninguém de “carniceiro”. Não ali.

Misturar contextos seguramente não faz parte da boa prática jornalística. 

Resta saber o que se pretende com a divulgação de uma sucessão de falsidades horas antes da plenária convocada para hoje [4/8] à noite, na sede do Sindicato. Questões sérias e graves como as levantadas ao longo desta semana precisam ser discutidas com serenidade e com base em informações fidedignas. Não em deturpações ou ilações. 

A não ser que a intenção seja acirrar o clima de tensão. Com que objetivo? 

A ABI está sabidamente mergulhada numa crise há cerca de dois anos. Faria melhor se cuidasse de seus problemas, antes de sair por aí disseminando inverdades, como se tivesse o prestígio de outros tempos.

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Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)