É uma sensação estranha, ser silenciado. Em 4 de julho soube que o jornal El Universal, fundado há cem anos na Venezuela e um dos mais antigos da América Latina, foi vendido a uma empresa espanhola anônima, registrada recentemente. Tendo como pano de fundo a queima de fogos no Lago Michigan, sentei-me diante do meu computador e comecei a transferir do website do jornal para meu Word todas as colunas de opinião que escrevi semanalmente para o jornal durante dois anos. Sabia que um dilúvio se armava – já tinha visto isso antes. Minha arca seria meu laptop.
E, de fato, na semana passada recebi por e-mail uma notificação: “Olá. Boa tarde. Esperamos que o senhor esteja bem. Lamentamos informar que, diante de uma reestruturação da página de Editoriais, houve uma série de ajustes e não mais poderemos publicar seus artigos. Muito obrigado”.
Redação perfeita. Meus artigos não seriam mais publicados, não em razão da sua qualidade ou algo relacionado ao seu conteúdo, mas por ser eu o autor deles. Aparentemente eu havia desafiado o governo – por administrar mal a rede elétrica, temerariamente tomar empréstimos da China, prender oponentes políticos – demasiadas vezes. Dezenas de colunistas do jornal receberam notificações similares recentemente. As contribuições de outros, incluindo o mais famoso cartunista do país, têm sido censuradas ou editadas sem aviso. Os que foram poupados se demitiram em sinal de protesto.
El Universal é o mais recente veículo importante a ser destroçado dessa maneira desde a morte de Hugo Chávez no ano passado. Entre outras vítimas estão o canal de TV Globovisión, favorável à oposição e a Cadena Capriles, o maior conglomerado jornalístico do país (que foi propriedade de parentes do líder da oposição Henrique Capriles). Apenas um dos três grandes jornais independentes, El Nacional, permanece. E por mais de um ano não temos nas emissoras de rádio e TV uma cobertura abertamente crítica do regime.
Política de Estado
A censura não é algo novo na Venezuela, mas agora está adquirindo um formato novo, mais oculto, sob o governo do substituto de Chávez, Nicolás Maduro. O presidente não tem avançado muito na solução dos problemas herdados do predecessor: a disparada da inflação, a escassez de produtos, a infraestrutura que se desintegra e a criminalidade. E sem o carisma de Chávez nem talento para ocultar a dura realidade com promessas populistas, ele tem pressionado duramente a mídia: a censura, antes esporádica, hoje é sistemática. E, como o demônio, tenta convencer o mundo de que não existe.
Em 2007, quando Chávez recusou-se a renovar a licença da Radio Caracas Televisión, que havia apoiado um efêmero golpe de Estado contra ele em 2002, a medida foi amplamente condenada e provocou protestos nas ruas de Caracas. A partir dessa reação violenta, o governo aprendeu as virtudes da sutileza. E descobriu que a melhor maneira de disfarçar a supressão da mídia pelo Estado era deixar a tarefa para o livre mercado. Deixando de lado a retórica socialista, o governo simplesmente tem contado com alguns líderes do setor privado – amigos que estão nadando em petrodólares – para comprar a imprensa independente.
O fechamento tende a ocorrer em três etapas. Em primeiro lugar, as agências de mídia são regulamentadas de modo a não serem economicamente competitivas: um jornal, por exemplo, não consegue obter uma taxa de câmbio favorável para importar papel-jornal; uma emissora pode sofrer multas ou ser acusada falsamente de difamação ou matérias ofensivas. Em segundo lugar, uma vez que a empresa inicia o processo de falência, uma companhia fictícia, às vezes de propriedade anônima, surge misteriosamente e faz oferta de compra, às vezes generosa. Em terceiro lugar, embora garanta inicialmente que a linha editorial não sofrerá mudanças, a nova direção começa em seguida a demitir jornalistas, mudar a cobertura até sua mensagem se tornar idêntica às posições do partido no poder.
Uma estratégia inteligente. Se o governo e seus partidários forem acusados de censura, podem argumentar que uma grande porcentagem da mídia venezuelana é independente e de propriedade privada. Mesmo que esses proprietários particularmente mostrem claramente não ter muita preocupação em preservar sua base de assinantes ou contabilizar algum lucro.
O resultado final é uma paisagem cada vez mais desolada no campo da mídia. Recentemente a Freedom House classificou a imprensa na Venezuela como uma das menos livres no mundo, ocupando o 171.º lugar numa lista de 197 países, abaixo de Cingapura, Mianmar e Zimbábue. (Em 2002 o país ocupada o 86.º lugar e em 1996 foi considerado um país “livre”.)
Em breve, poderemos não ter nenhum espaço de imprensa livre na Venezuela. Por mais de um século o jornal El Universal, de propriedade familiar, conseguiu se manter independente durante golpes militares, depressões econômicas, desastres naturais, e mesmo uma revolução socialista. Mas não sob o governo de Nicolás Maduro. Para Chávez, suprimir a mídia independente era uma questão pessoal: ele ficava obcecado com um grupo específico que o teria tratado com desprezo e o assediava como uma presa. Para Maduro a censura é uma política de Estado – desapaixonada, indiscriminada e implacável.
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Daniel Lansberg Rodríguez é ex-colunista do jornal El Universal e consultor na área de risco geopolítico em Chicago