O escandaloso episódio do ataque aos perfis dos jornalistas Carlos Alberto Sardenberg e Míriam Leitão na Wikipédia enquadra-se no que o escritor mexicano Enrique Krauze definiu como “discurso do ódio”, em artigo para o jornal espanhol “El País”.
Parece evidente que o episódio se enquadra à perfeição nos métodos fascistoides das patrulhas petistas (há também as patrulhas antipetistas, igualmente fascistoides, mas não é lógico responsabilizar estas últimas pelo caso).
O que é grave neste ataque é que partiu dos computadores do Palácio do Planalto. Como seria muita burrice que algum funcionário graduado fizesse tal operação ou a ordenasse, o mais lógico é concluir que em uma ou mais salas do prédio do governo pratica-se o “discurso do ódio” de tal forma que estimula os subordinados a colocá-lo no ar (ou, no caso, na Wikipédia).
Mais grave ainda é constatar que esse tipo de discurso é imensamente disseminado na internet. Volto ao artigo de Krauze, ao trecho em que ele define como o mal funciona.
“O discurso do ódio não se assenta somente na má fé. Se fosse assim, seria mais simples combatê-lo. Assenta-se, às vezes, na simples fé, exacerbada ao extremo da intolerância pelos fanatismos da identidade, seja religiosa, racional, nacional, ideológica. E, se fosse pouco, associados, em ocasiões, a esses antigos fanatismos que ressurgiram em nossos dias estão os maus hábitos intelectuais.”
Prossegue Krauze: “Na rede, é verdade, encontram-se exemplos de crítica dura, implacável, irredutível, eventualmente injusta ou arbitrária, mas minimamente fundamentada, racional. Não obstante, o que prolifera, por desgraça, é a má crítica, filha da má fé.”
Avanço e retrocesso
É verdade que a descrição sobre críticas racionais ou de má fé se aplica também à mídia convencional, mas é óbvio que a internet elevou à enésima potência umas e outras.
É uma pena que seja assim, dado o tremendo potencial de expansão e democratização da informação que caracteriza a internet.
Como escreve Krauze, “as redes [sociais] podem convocar manifestações pacíficas, libertadoras”. Foi o que se viu, por exemplo, em junho de 2013 no Brasil. Mas, vale a ressalva, “também podem atiçar fogueiras”, o que aconteceu igualmente em 2013.
O “discurso do ódio” aparece com ainda maior nitidez em momentos de crise aguda. Vide o que está ocorrendo agora, em decorrência da guerra de Gaza. Raras são as mensagens racionais que frequentam a internet. Ou se destila ódio aos judeus ou aos palestinos, como se a imensa maioria dos internautas fosse incapaz de ao menos tentar enxergar os dois lados.
Embora não tenha o impacto de uma guerra, a batalha eleitoral brasileira (ou qualquer outra disputa eleitoral relevante) será ou já está sendo cenário de propagação do “discurso do ódio”, como se boa parte dos internautas se transformasse em “black blocs”, empenhados apenas em depredar uns aos outros, sem dar a mais leve contribuição ao debate público.
É o avanço tecnológico a serviço do retrocesso civilizacional.
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Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo