Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando o sangue e o espetáculo prevalecem

Não é segredo que o espetáculo esteja imbricado nos diversos segmentos da mídia, entre eles o jornalismo. Todos os dias as pessoas veem fatos se tornarem shows. Se uma celebridade vai à rua para fazer uma caminhada, diversos sites e programas de entretimento dão um destaque considerável para um ato tão corriqueiro, mas se feito por alguém que está no mundo da fama, logo ele ganha contornos incríveis. Até esse ponto, estamos acostumados com essa perspectiva da pouca ou quase nula vida privada do ator, cantor (a) ou outras celebridades, mas o que se quer discutir aqui chega a um tipo de discussão capaz de alcançar níveis sociológicos e de discutir a ética no campo jornalístico.

Certamente, você já ligou a sua TV e deparou com uma sequência de notícias que anunciam a barbárie, personificada em assassinatos, estupros, roubo e espancamentos. Isso não deixa de ser uma realidade, mas será que a forma como alguns desses programas procuram explorá-la tem realmente o fim de prestar um serviço para a sociedade?

Quando é comprada a ideia da “violência” pronta para ser um produto, com forte potencial para despertar um nível elevado de audiência, é preciso refletir sobre a onda de matérias que possuem o crime como enfoque principal. Antes de qualquer coisa, é necessário recorrer a um aspecto primordial do jornalismo: o de que ele cumpre um papel de voz para a sociedade. O que ele noticia e discute diariamente leva uma noção mais conscientizadora para as pessoas. Mesmo que a prática, em sua amplitude, reflita o prevalecimento da lógica de mercado, se quisermos um jornalismo mais são e socialmente contribuinte, deve seguir, ao menos, parte dessa vertente.

Fonte de espetáculo

Claro que o mercado, embasado na sede pelo lucro e guiado pela perspectiva capitalista, impõe uma maneira altamente sensacionalista, desprovida de uma preocupação com a busca de soluções para um problema que só cresce e assombra todo e qualquer cidadão de bem. Ao invés dessa sede de fazer da tragédia um espetáculo, poderiam fazer-se mais presentes no sentido de cobrar autoridades públicas. Essa, sim, seria uma forma de correr atrás de algo que beneficiasse a população. Por mais que o público se envolva com essa atmosfera – que faz de atos violentos uma forma valiosa de arrecadar ibopes –, ele acaba sendo o grande “perdedor” de toda essa história. Enquanto permanece embevecido por realidade espetacularizada, os programas, sites ou blogs que o promovem se convencem de que estão cada vez mais certos em investir nesse tipo de conteúdo.

Por mais que seja uma triste constatação, esses tipos de programas jornalísticos sintetizam a realidade de que mais vale espalhar o medo do que informar ancorado em um prisma mais social. Dessa maneira, a foto ou imagem de um indivíduo que foi brutalmente assassinado ganha status de “valiosa” em certas redações. Essa é a corrida pelo trágico; pela desgraça e o sangue. Qualquer princípio ético passa longe. Para que lembrar isso nessas horas? Dizem alguns que isso é um papo que fica na academia e que, na vida real, a história é outra. São pensamentos assim que omitem o jornalismo (salve suas exceções) de ser muito mais parceiro social. Toda a ânsia de explorar o sangue derramado, no fundo, só faz da cobertura da violência um canal de lucros. Perde-se a noção de debater o problema com a finalidade de se atingir um viés social e crítico para adentrar os meandros de uma frenética fonte de espetáculo.

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Geovanni Garcia Ferraz é jornalista