Eram 17h30 da tarde (19h30 de Brasília) de quinta-feira passada quando três homens portando armas brancas irromperam na redação de um jornal do Estado de Guanajuato, no centro do México, para aplicar uma surra em uma das redatoras. Karla Janeth Silva, jornalista mexicana de 24 anos, teve a cara literalmente partida. Tal como mostra uma fotografia divulgada nas redes sociais, o sangue corria por seu rosto quando foi levada da redação do El Heraldo de León ao hospital. Estava sozinha nas instalações com uma secretária. Os agressores a advertiram que “baixasse o tom” de suas notícias, as quais, segundo conta o meio de comunicação, não agradavam o prefeito de Silao, um município de 173.000 habitantes, de produção agrícola e industrial, no qual ela trabalhava como correspondente do jornal.
O jornal denuncia agora que a repórter há meses era boicotada na busca por informação na prefeitura. “Ultimamente denunciou as carências dos serviços municipais e a insegurança vivida na cidade”, declarou esse sábado o vice-diretor editorial do El Heraldo, Carlos Vertti, para aorganização Article 19, que defende os direitos dos profissionais da informação. “O prefeito [Enrique Benjamín Solís Arzola, do PRI] não a concedia entrevistas e um dia lhe disse “ouça, não precisa me incomodar tanto” em um tom um tanto sério, mas não ameaçador, o que a fez não o pedir entrevistas por um bom tempo”, descreve Vertti.
Em um artigo publicado no dia seguinte à agressão, o diário informou que sua correspondente comentou reiteradamente seu temor de ser vítima de represálias. “Na quinta, após ser agredida, disse não ter dúvidas de que os agressores foram enviados por algum funcionário”.
Mortes, agressões
Entre janeiro de 2007 e setembro de 2014, 285 mulheres jornalistas foram agredidas por sua função profissional, segundo os casos documentados pelo Article 19. Em 127 deles a violência foi física, em 66 ocorreram ameaças, em 43 atos de intimidação, foram feitas 19 detenções arbitrárias e cinco pessoas foram assassinadas. A mesma organização revela que em 132 casos o agressor foi identificado como um funcionário público, em 23 como membro do crime organizado, 62 mulheres desconhecem quem as atingiu, 14 foram agredidas por algum membro de partido político e 24 por um particular.
Vários coletivos, entre eles a Rede Internacional de Jornalistas com Visão de Gênero (RIPVG, na sigla em espanhol), a Rede Nacional de Jornalistas (RNP, na sigla em espanhol), Comunicação e Informação da Mulher (CIMAC) e o Article 19 exigiram do governador de Guanajuato, Miguel Márquez Márquez, do direitista Partido Ação Nacional, ações urgentes de segurança para “salvaguardar a vida e o exercício jornalístico” de Silva. Um pedido que se repete cada vez que a violência atinge um trabalhador dos meios de comunicação, um fato tristemente habitual no México, onde somente no ano passado foram registradas 330 agressões. O mandatário do estado pediu publicamente que se investigue “até as últimas consequências e os responsáveis sejam punidos”. Da sua parte, em uma entrevista aos meios de comunicação locais, o prefeito de Silao negou ser responsável pelo ocorrido. “Quero colocar-me à disposição do trabalho coordenado com as autoridades para poder esclarecer o fato, pois é gravíssimo”, declarou.
Em 2014, três jornalistas foram assassinados no México. O repórter Gregorio Jiménez, em Veracruz, no mês de fevereiro; Jorge Torres Palacio, trabalhador de comunicação social em Acapulco, em 2 de junho; e o comunicador de Oaxaca Octavio Rojas Hernández em 11 de agosto. No total, desde o ano 2000, 50 repórteres perderam a vida no exercício de seu trabalho jornalístico no país. Para esta quarta-feira [10/9] às 11h da manhã (13h de Brasília) está prevista uma manifestação em Silao em repúdio da última ação violenta.
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A agressão à jornalista mexicana foi ordenada por um chefe de polícia (11/9/2014)
O responsável pela agressão à repórter mexicana Karla Silva, atacada por três homens em 4 de setembro, é o chefe de segurança do município onde ela trabalha. Segundo informou na quinta-feira o Procurador de Justiça da entidade, Carlos Zamarripa Aguirre, as provas e declarações de testemunhas circunstanciais apontam para a “provável participação do diretor da polícia preventiva do município de Silao [de 173.000 habitantes]”, que teria ordenado o ataque contra a correspondente do jornal El Heraldo de León. Nicasio Aguirre Guerrero está foragido.
Os resultados da investigação foram divulgados uma semana depois de Karla ser agredida na redação. Por volta das 17h30 (19h30 em Brasília), três homens munidos de armas brancas invadiram as instalações do jornal e desferiram golpes contra a cabeça e o corpo da jornalista, dizendo a ela para “baixar o tom de suas notícias”. A repórter, que no momento da agressão estava com uma colega de trabalho, fez a denúncia e foi levada imediatamente ao hospital, onde permaneceu quase 24 horas. Ela apresentava múltiplas contusões no rosto (coberto de sangue), nos braços e nas pernas. Os exames médicos realizados na segunda-feira revelaram que Karla sofreu um edema cerebral leve e teve a visão afetada, devendo, por isso, ficar em repouso absoluto. Na terça-feira a jornalista reiterava o desejo de voltar ao trabalho: “Devo dimensionar o que aconteceu. Foi complicado, mas não tenho por que deixar a cidade ou a profissão. Sou uma pessoa ativa e espero me recuperar logo. Como dizem, não há pior inimigo do homem do que o medo”.
Em entrevista por telefone, o vice-diretor editorial do Heraldo de León,Carlos Martínez Vertti, manifestou o desejo de que “se investigue a fundo”. Prefere ser cauteloso, mas observa que pode haver mais envolvidos no caso: “A repórter cobria muitas denúncias sobre a insegurança na cidade e as carências nos serviços municipais, de modo que o diretor de polícia não era o único incomodado por suas investigações”.
O jornal divulgou nos últimos dias que a repórter há meses vinha sofrendo um boicote na busca por informações junto à Prefeitura. “O prefeito [Enrique Benjamín Solís Arzola, do PRI] não concedia entrevistas e disse a ela certa vez: ‘Escute aqui, não se meta comigo’ em um tom um tanto sério, mas não ameaçador, por isso ela passou um bom tempo sem pedir entrevistas”, contou o vice-diretor a organizações sociais.
No mesmo sentido, Leopoldo Maldonado, oficial do programa jurídico doArticle 19, comentou que a investigação deve seguir a cadeia de comando até o mais alto responsável da Prefeitura, a quem Aguirre Guerrero devia prestar contas. Para a organização defensora da liberdade de expressão, o resultado inicial da investigação “não surpreende pelo contexto no qual se deu a agressão (diretamente no local de trabalho), pelos antecedentes de hostilidade da Prefeitura contra Karla; e porque a maior parte dos ataques registrados contra a imprensa vem de um funcionário público”.
Segundo o Article 19, entre janeiro de 2007 e setembro de 2014, 285 mulheres jornalistas foram atacadas no México e em 132 casos o agressor foi identificado como um funcionário público. “Acredita-se, em geral, que as agressões partam sobretudo das organizações criminosas, mas não é isso que acontece”, diz Maldonado. A violência contra comunicadores no país é uma constante: só no ano passado foram registradas 330 agressões contra profissionais da imprensa, em 2014 três jornalistas já foram assassinados.
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Jornalismo que se paga com a vida – Isabel Valdés Aragonés (Mapa dos 34 profissionais da informação assassinados desde 1º de janeiro)
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Paula Chouza, do El País, na Cidade do México