Uma das maneiras de diminuir a criminalização das favelas no noticiário policial é a diversificação as fontes. Ouvir moradores com mais frequência ajudaria a quebrar o estigma de que favelas são apenas territórios de medo e conivência controlados por facções criminosas. Por isso a popularização das redes sociais na periferia criou uma expectativa de mudança da representação das favelas e bairros pobres na cobertura jornalística do cotidiano.
No Rio, por exemplo, milhares de moradores – em anonimato ou “botando a cara” – se fazem ouvir diariamente narrando, analisando e contextualizando o que acontece nas favelas. Está claro que jornalistas da grande mídia ouvem as vozes online. Mas a criminalização das favelas e vitimização dos moradores continua. Como vimos na primeira semana de outubro, não adianta ter acesso à mais fontes se não há disposição ou interesse para criar novas narrativas.
No momento em que o governador Luiz Fernando Pezão afirmava em debate (ver aqui) que seu governo tinha libertado mais de 450 mil moradores com as UPPs, tiroteios intensos aconteciam em favelas “pacificadas” do Complexo do Alemão, Mangueira e em áreas ocupadas por militares na Maré. A pauta estava pronta: o discurso oficial não se reflete na realidade. Prato cheio para a imprensa colocar o governo contra a parede. Só que não.
Nas matérias e notas publicadas online entre 1/10 e 3/10 pelos jornais O Globo e Extra, a voz do morador só aparece para ilustrar o drama da violência dos confrontos. “Nas redes sociais, várias pessoas relataram terem escutado disparos na comunidade. ‘A troca de tiros é intensa em diversas áreas do Complexo do Alemão. Trabalhadores acordando assustados com o barulho de tiros’”, descreve o Globo (ver aqui). No jornal O Dia, no mesmo período, não há indício de que redes sociais tenham sido usadas para ouvir moradores.
Qual a desculpa hoje?
Tanto em O Globo/Extra quanto em O Dia, as fontes principais são policiais militares e a cúpula da segurança pública do estado. Como sempre. E como sempre fica a sensação de que moradores são uma plateia apavorada e silenciada que só usa as redes sociais para descrever o terror que sofre em tempos de conflito. Mas não é bem assim. Há alguns anos, vários moradores de favelas usam as redes sociais não só para avisar outros moradores de conflitos e denunciar casos de violência, mas também para fazer análises e abrir discussões críticas sobre a relação dos governos com a população de favelas e da periferia.
Páginas como Maré Vive, Ocupa Alemão, O Cidadão da Maré, Favela Fiscal e tantas outras mostram o quanto a paz está distante do cotidiano das áreas “pacificadas”. Nessas páginas, moradores questionam e confrontam a versão oficial do Estado diariamente. E talvez por também questionarem as próprias narrativas da imprensa corporativa, elas não apareçam como fontes em matérias sobre a violência nas favelas e na periferia do Rio de Janeiro. O que é uma pena. Pois se mais vozes críticas e menos descritivas das favelas fossem ouvidas, talvez tivéssemos um jornalismo que fizesse mais diferença na sociedade.
Do jeito que a cobertura policial é feita hoje, o jornalismo corporativo só usa vozes de moradores para dramatizar sem criticar ou questionar o que o governo diz. O que dá margem para as tantas acusações de cumplicidade entre o governo e as empresas jornalísticas.
Em um estudo publicado em 2007 (ver aqui), jornalistas admitiram que a cobertura jornalística contribuía para a criminalização e a criação de estereótipos das favelas e periferias. Uma das razões era a dificuldade de jornalistas terem contato direto e a confiança de moradores. Hoje, as redes sociais facilitam esse diálogo, mas as narrativas continuam as mesmas. Qual seria a desculpa dos jornalistas hoje, sete anos depois do estudo, para continuar reforçando a criminalização e estigmatização das favelas, periferias e seus moradores?
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Leonardo Custódio é mestre em Ciências Sociais e doutorando em Comunicação