O venezuelano Pablo López Hurtado é jornalista e diretor do jornal semanal “La Razón”, integrante da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Da Venezuela, Hurtado conta ao Globo as dificuldades enfrentadas pela imprensa do país. Ele ressalta que “La Razón”, com circulação de 20 mil exemplares e que vai completar 20 anos em janeiro próximo, também sofre com a crise do papel. Além disso, o pai dele, Pablo López Ilacio, editor da publicação, é refugiado político na Costa Rica desde 2000.
O jornal está sofrendo com a falta de papel e tem pensado fechar como ocorreu com outros veículos?
Pablo López Hurtado – “La Razón” é distribuído nacionalmente. Como em todos os veículos independentes, a situação do papel nos afetou muito fortemente durante este ano. Tivemos que reduzir páginas para poder garantir a circulação. Através da Câmara Venezuelana de Jornais, conseguiu-se um acordo para que a Corporação Maneiro, do Estado, importe papel para os 83 jornais membros deste órgão. A situação tem se normalizado, mas as empresas que antes importavam papel, fecharam. Até agora, nunca pensamos em fechar. Mas, em um editorial que publicamos no momento mais forte da crise, deixamos nossa posição muito clara: “ainda que seja em um guardanapo, seguiremos circulando”.
Como a imprensa reage à censura?
P.L.H. – Fazer jornalismo independente na Venezuela é um milagre. Às pressões que normalmente o jornalismo enfrenta quando incomoda os grupos de poder, somam-se agora pressões econômicas e técnicas que fazem da imprensa independente um verdadeiro milagre. É um momento muito difícil. Há editores que têm optado por vender seus veículos a empresas em operações obscuras, sem transparência. Muitas linhas editoriais têm mudado. Muitos têm optado por fazer “não jornalismo” ou coberturas complacentes.
O que aconteceu para que seu pai deixasse o país?
P.L.H. – Desde o início do governo de Chávez, “La Razón” denunciou diferentes irregularidades do governo. Muitos casos de corrupção foram denunciados no jornal e isso deu início a uma perseguição brutal contra López Ulacio, que teve todos os seus direitos violados. Sem nenhum confiança no sistema de Justiça, ele preferiu se exilar no início da década passada. Ainda hoje, depois de tantos anos, não existem garantias mínimas de que receberá um julgamento justo, que é somente o que ele pede. O tempo demonstrou que as denúncias publicadas eram verdadeiras, como o caso Micabu ou o das emissoras que hoje formam o Circuito Radial Venezuela.
Quais são os tipos de problemas que a publicação sofre com o governo?
P.L.H. – Durante esses anos, a redação foi invadida, e a publicação tem sido assediada financeiramente. O Estado, principal anunciante nos meios de comunicação, não publica anúncios no “La Razón” há anos. Temos sido capazes de avançar com austeridade, levando o “La Razón” como uma família. Resistir e superar as adversidades já está em nosso DNA.
O que você pensa sobre o cerco à imprensa venezuelana?
P.L.H. – Muitos veículos têm optado pela autocensura. Todos os dias, os jornalistas denunciam isto. Há alguns dias, em uma operação policial, cinco pessoas foram assassinadas. Muitos veículos não publicaram nada para não incomodar o governo. Na TV, nenhum canal transmitiu nada, apesar de ter sido em pleno dia, no Centro de Caracas. Os jornais decidiram não cumprir com seu trabalho. Por isto, este é o momento dos jornalistas, das redes sociais, dos veículos alternativos, para superar o blecaute informativo.
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Carolina Jardim, do Globo