A esperança é que, passado o efeito dos resultados, a imprensa fique atenta aos crimes de ódio que aumentaram muito durante as eleições. Segundo a ONG SaferNet Brasil, “houve um aumento de 324,03% nas denúncias de racismo e crimes semelhantes na internet no último domingo [26/10, dia da votação em segundo turno], na comparação com o primeiro turno. Neste domingo, as denúncias contra essa onda de ataques envolveram 305 novas páginas (sites, blogs, Twitter ou Facebook) enquanto no dia 5 de outubro, foram 69 ocorrências denunciadas” (Zero Hora, 27/10/2014).
A imprensa poderia fazer hoje, ou em quinze dias, uma varredura nas redes sociais para ver se as manifestações de ódio continuam ou foram apenas uma consequência do bombardeio diário a que foram submetidos os eleitores. E explicar esse fenômeno, com análises como a do historiador Leandro Karnal no artigo “O ódio nosso de cada dia”:
“Findo o pleito, uma ressaca nacional: o Brasil descobriu-se raivoso. Os brasileiros ficaram surpresos com a carga de ódio que fluiu pela rede. Os regionalismos raivosos (calabreses contra lombardos, bascos contra castelhanos etc.) sempre foram, antes de raivosos, regionalismos. Em outra palavras: é preciso constituir uma região antes de odiar outra. Mas ódios são circulares. Por fim, o ódio tem um traço do nosso narciso infantil. O mundo deve concordar conosco. Quando não concorda, está errado. Somos catequistas porque somos infantis. A democracia é boa sempre que consagra meu candidato e minha visão do mundo. A democracia é ruim, deformada ou manipulada quando diz o contrário. Todo instituto de pesquisa é comprado quando revela algo diferente do meu desejo. Não se trata de pensar a realidade, mas adaptá-la ao meu eu. As crianças contemporâneas (especialmente as que têm mais de 50 anos como eu) batem o pé, fazem beicinho, mandam mensagem no WhatsApp e argumentam. Mas, como toda criança, não ouvimos ninguém. Ou melhor, ouvimos, desde que o outro concorde comigo; então ele é sábio e equilibrado. Selecionamos os fatos que desejamos não pelo nosso espírito crítico, mas por uma decisão prévia e apriorística que tomamos internamente. Grosso modo, isso foi explicado em Uma Teoria da Dissonância Cognitiva, de Leon Festinger.” (O Estado de S.Paulo, 2/11/2014)
Segundo a Folha de S.Paulo…
“As discussões em redes sociais sobre as eleições fizeram aumentar em 84% o número de denúncias de crimes de ódio cometidos na web. As páginas incluem conteúdo relacionado a racismo, homofobia, xenofobia, neonazismo e intolerância religiosa. As denúncias foram feitas à Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, rede para denúncias anônimas de delitos contra os direitos humanos e dos animais” (“Crimes de ódio em redes sociais disparam no período eleitoral”, 10/10/2014).
Papel da imprensa
Se a imprensa ficar atenta e expuser os excessos dentro e fora da rede, talvez seja possível impedir que extremistas parem de ser ouvidos e suas mensagens – pela separação dos brasileiros, contra homossexuais, negros, incultos ou pela volta da ditadura militar – caiam de uma vez por todas no esquecimento.
Um movimento interessante ocorreu no Facebook na semana passada: uma corrente em que cada pessoa é obrigada a postar uma foto por dia e repassar para três amigos. Quem sabe em pouco tempo a rede fique ocupada por belas imagens, em vez de raiva e discriminação.
Enquanto os internautas postam fotos, em protesto contra a raiva, a imprensa pode e deve fazer a sua parte, começando por lembrar a história e esclarecendo aos mais jovens como começaram ditaduras. E os efeitos que elas tiveram na humanidade.
******
Ligia Martins de Almeida é jornalista