Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Questão de vida ou morte

A Artigo 19 lançou, recentemente, o portal ”Violações à Liberdade de Expressão“, por meio do qual quer reunir casos de violações à liberdade de expressão e compartilhar ferramentas para inibi-las. Dada a importância da iniciativa, o Intervozes convidou integrantes da organização para escreverem para este blog sobre o tema.

A existência da internet, de jornais de oposição e das cada vez mais frequentes manifestações de rua mostram que o direito à liberdade de expressão no Brasil passou a ser mais respeitado hoje se comparado a décadas atrás, quando da vigência da ditadura civil-militar e sua censura prévia. No entanto, para que este direito seja realmente efetivado no país há ainda um longo e sinuoso caminho a ser percorrido.

Seria isso o que diria, se estivesse viva, Fátima Benites, ex-membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bela Vista, no Mato Grosso do Sul. Por anos, Fátima se empenhou em denunciar e combater atividades ilegais extrativistas na região, até ser morta por um pistoleiro no dia 21 de março de 2013.

O mesmo fim trágico teve o pescador Luiz Telles João Penetra, de Magé, no Rio de Janeiro, e ex-membro da Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar). Notório ativista da pesca artesanal, Luiz se destacou pelas denúncias que fazia dos impactos ambientais, na Baía da Guanabara, causados pelo complexo petroquímico existente no local. No dia 23 de junho de 2012, ele e seu colega de associação, Almir Nogueira de Amorim, foram encontrados mortos com os pés e mãos amarrados, poucos dias depois de terem participado da Cúpula dos Povos, realizada paralelamente à Rio+20.

Já Ângelo Rigon, morador da paranaense Maringá, teve mais sorte. Ele escapou com vida de um atentado que alvejou sua casa com cinco tiros, no dia 11 de agosto de 2013. Blogueiro bastante reconhecido na cidade, Ângelo fez diversas denúncias, por meio de seu blog, sobre irregularidades envolvendo a gestão pública e o empresariado locais.

Os três casos citados são apenas a ponta do iceberg de violações contra a liberdade de expressão que jornalistas, blogueiros, radialistas, ambientalistas, lideranças comunitárias e ativistas de direitos humanos enfrentam diuturnamente, no Brasil, quando se incumbem da tarefa de fiscalizar o poder e denunciar injustiças. Essas violações variam de gravidade: são ameaças de morte, sequestros, agressões físicas, verbais, tentativas de assassinato e, nos casos mais extremos, homicídios.

Passo importante

Foi com a intenção de sistematizar esses casos e fornecer ferramentas para inibir-los que a Artigo 19 lançou no último fim de semana o portal Violações à Liberdade de Expressão.

Quem acessá-lo encontrará uma vasta gama de conteúdo relacionado às violações cometidas contra a liberdade de expressão de defensores de direitos humanos (ambientalistas, sindicalistas, entre outros) e comunicadores (jornalistas, blogueiros, fotógrafos, radialistas, entre outros).

O portal traz notícias, análises, gráficos e até um mapa com a localização geográfica de defensores e comunicadores, bem como detalhes de cada caso de violação registrado pelo monitoramento da Artigo 19. O objetivo, com isso, é o de gerar o máximo de informações possível e possibilitar uma melhor compreensão do fenômeno no país.

Já na perspectiva da prevenção e da autoproteção, estão disponibilizados guias, vídeos e dicas sobre como agir em diferentes contextos que possam gerar vulnerabilidade – de cobertura política, passando por processos judiciais a protestos de ruas, entre vários outros.

O portal também aponta legislações e mecanismos oficiais, a nível nacional e internacional, que determinam como o Estado deve agir para proteger o exercício da liberdade de expressão. Afinal de contas, é dever do Estado não só proteger os direitos humanos, mas também não violá-los ele próprio, além de punir aqueles que violam.

Outro recurso para o qual o usuário poderá usufruir é um fórum, estabelecido dentro de uma conexão segura, que visa a servir de espaço para a constituição de uma rede entre vítimas de violações e organizações da sociedade civil que atuam na área. A premissa é a de que a articulação entre esses atores pode contribuir para a autoproteção.

Para nós, da Artigo 19, o terreno fértil para as violações à liberdade de expressão que hoje é o Brasil só poderá ser enfrentado por meio de políticas públicas que ajam nas frentes de prevenção e do combate à impunidade. Por sua vez, para que essas políticas sejam eficazes, é necessário que se preencha três requisitos.

O primeiro deles é reconhecer que as violações contra a liberdade de expressão de comunicadores e defensores de direitos humanos possuem natureza própria e não são meros reflexos do contexto maior da violência no país, como ainda querem crer certos setores.

O segundo requisito é a identificação dos elementos comuns que se inserem no contexto em que ocorrem essas violações, de forma que sirvam de norte para os esforços em atacá-las.

Por fim, deve-se ainda obter das autoridades um compromisso público e efetivo em investigar e responsabilizar os perpetradores por trás das violações, de modo a combater seriamente a cultura de impunidade que serve de base para que elas se perpetuem indefinidamente.

A luta pela liberdade de expressão no Brasil e no mundo precisa avançar. Entender quais são as ameaças e quem estão por trás delas, nos diferentes cenários em que elas podem acontecer, pode ser um importante passo para o devido reconhecimento e enfrentamento que essa questão realmente necessita. O portal “Violações à Liberdade de Expressão” busca contribuir para isso.

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Thiago Firbida e Júlia Lima são os oficiais do Programa de Proteção da Liberdade de Expressão, da ARTIGO 19