Acusado de abusar de três crianças em um colégio de classe média alta de Barueri, na Grande São Paulo, um ex-auxiliar da escola está preso desde maio com base apenas nos relatos das meninas, todas de três anos de idade.
No processo, ao qual a Folha teve acesso, não há, por exemplo, imagens de câmeras da escola (apesar de terem sido analisadas), laudos médicos periciais (apesar de solicitados) nem a análise do computador do réu (apesar de ter sido apreendido). Consta apenas uma entrevista das crianças com uma psicóloga que “sugeriu a hipótese” de ter havido o crime.
Para a defesa do ex-auxiliar, que declara inocência, as crianças foram induzidas pelos pais a acreditar na história. “Há muitas semelhanças com a Escola Base. Houve precipitação do delegado ao aceitar as alegações dos pais”, disse a advogada Anabella Marcantonatos. Já para o advogado das famílias das meninas, João Carlos Bertini, há provas robustas. “O laudo psicológico é contundente, e as crianças reconheceram a pessoa pelos fatos, não pela fisionomia. E, no próprio interrogatório, o réu respondeu com frieza.”
Monitor do colégio por nove anos, Antônio Bosco de Assis, 44, é acusado pela Promotoria de “aproveitar-se de momentânea ausência de vigilância de outros auxiliares e professores” sobre os alunos para despir, tocar e introduzir o dedo na vagina e no ânus das meninas.
O crime, na denúncia do promotor Eduardo Querobim, ocorreu em 22 de abril, em uma sala de educação física. O delegado Alexandre Palermo, do 2° DP de Barueri, não tentou ouvir as pessoas que estavam com Antônio no momento do suposto crime. Ouviu apenas a professora de educação física, que declarou que, “em hipótese nenhuma” os alunos ficaram desacompanhados dela e da monitora.
Funcionários ouvidos pela Folha disseram que Antônio, escalado para outra área naquela data, não esteve no prédio da educação física. Segundo eles, se tivesse ido àquele prédio, as câmeras no trajeto o teriam flagrado. O colégio cedeu à polícia as imagens das câmeras, mas elas não fazem parte do processo. O teor é desconhecido.
O réu responde por estupro de vulnerável e pode pegar até 45 anos de prisão. Desde 2009, a legislação também considera estupro a manipulação dos genitais (e não só penetração). A sentença, nas mãos da juíza Cyntia Straforini, deve sair nesta semana.
Suspeita e demissão
As suspeitas contra Antônio surgiram em 23 de abril. Os pais da menina A (os nomes serão omitidos) disseram à direção da escola que a babá dela, em casa, notara uma vermelhidão na vagina da criança no dia anterior. Segundo o processo, A contou que aquilo fora feito pelo “tio Antônio” durante a aula de educação física e que as meninas B e C e o menino D também haviam sido tocados. A menina teria dito ainda que tudo havia sido assistido pela “tia Patrícia”, a monitora de educação física. O colégio demitiu três funcionários: Antônio de Assis, que está preso, outro monitor chamado Antônio – liberado da investigação – e Patrícia Braga, a “tia Patrícia”.
Uma semana depois, as famílias das meninas A, B e C foram juntas à polícia. Segundo os pais, as filhas apresentavam assaduras, dores e comportamento estranho. Uma delas é parente de um promotor de Justiça, que acompanhou de perto o caso. Dois pediatras particulares que atenderam as crianças foram chamados a depor. Disseram que constataram assaduras, mas que não poderiam assegurar ter havido abuso. O delegado pediu exame com médicos peritos de um hospital. O resultado, desconhecido, não consta do processo. A polícia não explicou por quê.
O menino D, que havia faltado à aula no dia do alegado crime, e a “tia Patrícia” foram excluídos da acusação. “Perguntaram se eu fiquei olhando [o abuso], e disse que isso nunca aconteceu”, afirmou à Folha a “tia Patrícia”, 37, que está desempregada e desenvolveu uma depressão. Antônio foi preso em 8 de maio, após ser reconhecido pelas meninas “como sendo o tio malvado”. A defesa diz que elas misturaram realidade e fantasia: Antônio interpretara um homem malvado em peça da escola dias antes.
Programas vespertinos de TV noticiaram a prisão de Antônio, a quem se referiram como “maníaco de Alphaville”. “O mais difícil foi vê-lo na televisão”, afirmou a mulher do réu, Katia Assis, 45, que disse que ele continua vivo na prisão “por um milagre”. “Quem se preocupa com as nossas [três] crianças?”
Polícia e promotoria não comentam caso
A Folha fez uma série de questionamentos à Polícia Civil, mas a corporação não quis comentar as investigações.
A reportagem perguntou por qual razão, na investigação, não há imagens das câmeras da escola, laudo de médico perito e depoimentos de funcionários do colégio que estavam com o acusado no momento do suposto abuso. “O processo criminal corre em segredo de Justiça, motivo pelo qual não é possível comentar informações sobre as investigações. É preciso lembrar que o pedido de prisão do acusado foi endossado pelo Ministério Público e acolhido pelo Judiciário”, afirmou a polícia, em nota encaminhada à reportagem.
A Folha enviou as mesmas questões à Promotoria.
“O trabalho do Ministério Público foi feito com argumentação direcionada ao convencimento do Juízo a respeito do que ocorreu e está provado nos autos”, respondeu o órgão, em nota.
Questionada sobre quais provas mantêm o réu preso há seis meses, a juíza Cyntia Straforini disse apenas que “o caso está em segredo de Justiça”.
Já o advogado de uma das famílias, João Carlos Bertini, disse que o réu não agiu sozinho. “A Patrícia [Braga, monitora das crianças] se safou, não conseguimos provas. Seria atípico [um abusador ter cúmplices], mas acho que ela faria isso por amor [ao réu].”
******
Reynaldo Turollo Jr., da Folha de S.Paulo