Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para além da invasão à rádio Itatiaia

O jornalista Eduardo Costa realizava uma entrevista ao vivo nos estúdios da rádio Itatiaia, no último dia 9 de dezembro, por volta das 13h, quando policiais civis de Minas Gerais invadiram as instalações da emissora e interromperam a matéria na marra. Apesar dos apelos do repórter para que a truculência não fosse levada a cabo, os detetives sequer titubearam em utilizar a força. Encerraram a reportagem e, mesmo diante de um quadro notadamente sob controle, demonstraram o lado cruel do aparato policial no Brasil.

Aqui não pretendemos entrar no mérito dos crimes imputados ao entrevistado em questão (mais detalhes podem ser lidos neste link, inclusive o áudio do momento da invasão). O que propomos é compreender a violência diária exercida pelas forças policiais diante dos olhos complacentes do Estado brasileiro. Torna-se urgente ir além da invasão da Itatiaia, indiscutivelmente uma agressão imperdoável ao jornalista e a todos os profissionais de imprensa.

Embora no mesmo dia deste crime cometido pela Polícia Civil de Minas Gerais representantes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, e também do Sindicato dos Radialistas, tenham ido aos microfones da mesma rádio Itatiaia repudiar o ato corretamente, não se eximiram em tecer generosos elogios à polícia mineira (civil e militar). Argumentaram que o episódio constituía um ato isolado. Por ingenuidade ou complacência, desconhecem o rosto maligno da polícia brasileira. A violência praticada contra Eduardo Costa apenas reafirma o viés totalitário das corporações.

De acordo com o Anuário de Segurança Pública, pelo menos seis pessoas foram mortas por dia por policiais no Brasil em 2013. Os agentes assassinaram, num período de cinco anos, 11.197 compatriotas, levando em consideração somente os números oficiais. Para efeito de comparação, em trinta anos a polícia norte-americana não matou tanta gente. Tal herança repressiva dos anos de chumbo, que o Brasil viveu entre 1964 e 84, mostra que as mesmas forças que impuseram a ditadura militar ao país continuam atuando livremente.

Aparato intacto

O Estado brasileiro, cada vez mais, enxerga a sociedade como um corpo estranho, ficando alheio às concretas necessidades do povo. As academias e os quartéis, totalmente centralizados e burocratizados, buscam construir a imagem de independência. Contudo, detetives e soldados são doutrinados a oprimir a sociedade, refletindo aquela máxima militar de que os “de fora” são inimigos. E, encarnada com o espírito de hostilidade, a polícia ganha legitimidade para matar quase 12 mil pessoas em cinco anos e interromper uma entrevista ao vivo.

É urgente entender a força repressiva que existe no país e suas raízes históricas. Entidades de classe, que deveriam defender os interesses dos trabalhadores primordialmente, necessitam quebrar o ciclo vicioso de naturalizar a violência policial. A conjuntura pós-redemocratização, construída simbolicamente pela indústria cultural, sindicatos e outros aparelhos de reprodução da ideologia dominante, edificaram a imagem de que a polícia no Brasil é o único meio de amenizar as contradições sociais causadas por uma economia capitalista periférica e claudicante. Entendemos que quanto mais a democracia brasileira se desenvolver, mais o aparato policial será louvado e críticas continuarão ocorrendo na superfície, sem entrar no cerne do imbróglio.

A intimidação e a violência a que Eduardo Costa foi submetido em seu local de trabalho contribuem para contextualizar como a ferocidade praticada pelas polícias no Brasil acontece com os profissionais de imprensa. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteira, o país é o campeão de mortes de jornalistas nas Américas. Diz trecho de texto distribuído pela entidade:

“A dura repressão policial que ocorreu no Brasil em 2013 também atingiu os profissionais da informação. Essa primavera brasileira provoca um forte questionamento em relação ao modelo midiático dominante e coloca em evidência os sinistros hábitos mantidos pela polícia militar desde a ditadura.”

Lamentavelmente, contrariando as entidades que representam os jornalistas e radialistas em Minas, o crime cometido pela Polícia Civil no estúdio da rádio Itatiaia não é um ato isolado. É mais uma barbaridade efetuada pelo aparato policialesco que permanece intacto em sua ideologia desde a ditadura militar.

Ao companheiro Eduardo Costa, nossa solidariedade, carinho e disposição para lutar.

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Pedro Blank é jornalista e escritor