Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Escalada fascista

Ao comentar o massacre dos jornalistas do “Charlie Hebdo” quarta-feira, o deputado Daniel Cohn-Bendit afirmou que “há no movimento islâmico terrorista e radical um momento fascista” (Folha, 8/1).

Ressalvando que isso nada tem a ver com os muçulmanos em geral, Cohn-Bendit considera que “são (…) pequenos grupos fascistas”.

Por não ter condição de realizar avaliação própria, fio-me da opinião externada por um personagem cuja trajetória respeito para observar que esses “momentos fascistas” só tem feito crescer no século 21. Acima dos motivos específicos presentes nos conflitos que pipocam planeta afora, existe a tendência a se estabelecer neles uma dinâmica fascista, caracterizada pela ideia de que só o uso da força pode resolver os problemas. Embora envolvam facções antagônicas dispostas a se matarem mutuamente, os inimigos têm dois elementos que os irmanam: desprezo pela democracia e amor pela guerra. Por isso, se reforçam mutuamente.

Os atentados de 11 de setembro de 2001, aparentemente executados pela mesma organização que agora assassinou os cartunistas franceses, provocaram uma regressão autoritária nos EUA. Da suspensão de garantias individuais à injustificada invasão do Iraque, passando pela adoção da tortura como política de Estado, profusão de elementos fascistas vieram à tona numa das pátrias da democracia.

Energia política

Nem mesmo a vitória de Obama, em boa medida fruto da reação de parte da sociedade à ascensão do autoritarismo na era Bush, foi capaz de reverter a tendência geral de fascistização. A promessa enfática de desativar em curto prazo Guantánamo –símbolo da tortura– foi descumprida.

Na Europa, “o crescimento espetacular da extrema-direita”, segundo Michael Löwy (Folha, 15/6), “é um fenômeno sem precedente desde os anos 1930”. Não é difícil imaginar, nesse contexto, a quem irá favorecer o absurdo ataque ao jornal de Paris. Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional à Presidência da República francesa, já declarou que “o islamismo declarou guerra ao nosso país e devemos responder sem fraquejar” (Folha, 9/1). Ação e reação.

Em brilhante artigo de 20 anos atrás, a psicanalista britânica Hanna Segal previa que mecanismos profundos fariam o Ocidente encontrar, ou criar, novos inimigos para preencher o vácuo deixado pela Guerra Fria (“De Hiroshima à Guerra do Golfo e depois: expressões sociopolíticas de ambivalência”). O tempo lhe deu razão. Se os movimentos que acreditam na democracia não tiverem engenho e energia política suficiente para desativar as fontes que alimentam o fascismo, a covardia assassina deste 7 de janeiro ficará como preliminar de dias bem piores.

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André Singer é jornalista e professor, colunista da Folha de S.Paulo