Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Je suis Ahmed. Eu sou Ahmed

A tevê israelense perguntou a um soldado do batalhão que invadia o Líbano se ele sabia qual era a sua missão. Sem titubear, ele respondeu: “Acabar com as katiushas” — os foguetes russos que choviam sobre o norte de Israel, em 1978, disparados pela OLP. A entrevista prosseguiu: “E onde estão as katiushas?”. A resposta, totalmente inesperada: “Em Moscou”.

Na tevê francesa, ontem, ouvi um diálogo parecido. Perguntado como acabar com o crescente terror jihadista na França, um especialista advertiu: “O que assistimos é só o começo; para que não mais se repita, será preciso pegar quem dá as ordens”. Um segundo silencioso de surpresa, ele arrematou: “E os chefes que dão as ordens estão no Oriente Médio e no Norte da África”.

A França está refém da jihad, ou guerra santa. Um dos irmãos que “vingaram” a “profanação” de Maomé, com 12 mortos no ataque à revista Charlie Hebdo, estava em duas listas dos serviços secretos dos EUA. Por uma delas, não podia embarcar em avião de nenhum aeroporto. Noutra, era um da seleção dos mais perigosos terroristas no momento. Os franceses tinham ambas as listas. Por que os deixaram em liberdade? No caso de um deles, por que o soltaram, depois de prendê-lo?

A França relaxou, permissiva, a ponto de ser paralisada por dois dias da trama que foi ao ápice com dois sequestros simultâneos – uma première em Paris. Foi tolerante ante ataques antissemitas. Não entrou em alerta com o êxodo de judeus franceses para Israel. Fechou os olhos para os extremos dos seus cinco a 10% de cidadãos muçulmanos. Agora, acorda para uma nova realidade. Liberdade, Igualdade e Fraternidade não são para quem aspira impor com violência seus valores ou sua religião a outros povos e credos, um choque de civilizações.

Não por acaso o escritor Michel Houellebeca acaba de lançar o já best-seller Soumission (Submissão) cujo enredo é a islamização da França, que então contagia todos os outros países da União Europeia. Aliás, ele é a capa da edição ensanguentada de Charlie Hebdo. Mas, atenção, nem todos os muçulmanos são jihadistas – ainda uma minoria. O policial muçulmano francês Ahmed Merabet foi morto protegendo exatamente aquilo que o fanatismo tentou destruir, a liberdade de expressão.

No mesmo dia do ataque ao Charlie Hebdo, uma afiliada da rede CBS, em Maryland, EUA, foi invadida por hackers. Nos monitores da redação surgiu a frase: “Infiéis, o novo ano lhes trará sofrimento”. Assinado: “Cybercalifado” — o grupo de apoio ao Estado Islâmico, Iraque e Síria. Mas não só: o sobrevivente dos irmãos que explodiram uma bomba na linha de chegada da maratona de Boston, em abril de 2014, deverá ser julgado na semana que vem.

Se não vamos a Maomé, Maomé vem a nós. O temor aos jihadistas cresce a cada cabeça degolada diante de uma câmera de tevê, ao vivo. O patrulhamento jihadista aumentou a paranoia nos aeroportos, profere sentenças de morte, ou fatwas, contra “profanadores”, mesmo quem só se arma com um lápis, e destampou da garrafa o gênio do mal que assombrou a França – e que promete mais. Quando aiatolá Khomeini saiu de seu exílio francês para assumir o Irã, um “vento” xiita soprou todo o Oriente Médio, contagiante. Mas arrefeceu com o tempo, limitado aos muçulmanos. Já os jihadistas do Estado Islâmico, no Iraque e na Síria, e também no Iêmen, são vulcões que irrompem sem aviso prévio, e em qualquer lugar em que haja infiéis para justiçar em nome de Alá.

Je suis Ahmed, Je suis Charlie.

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Moisés Rabinovici é jornalista