Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Não devemos nos intimidar

O massacre na redação do semanário satírico francês Charlie Hebdo, em Paris, é um ataque direto e rasteiro aos alicerces de todas as sociedades democráticas. É muito bem-vinda e merecida a condenação imediata e universal que recebeu em todos os espectros políticos e religiosos, independentemente de filiação. Também requer a expressão pública firme e inequívoca de solidariedade à mídia de todo o mundo.

Essa solidariedade vai espraiar a clara mensagem de que as liberdades civis, particularmente as de expressão e de imprensa, não serão comprometidas, minadas ou intimidadas por atos ou ameaças de violência. Além disso, os cidadãos comuns e, particularmente, os nossos líderes, devem permanecer firmes e resolutos na defesa das liberdades civis sem sucumbir ao populismo político.

Do ponto de vista da segurança, a questão principal é saber se os autores deste crime bárbaro fazem parte de uma facção terrorista independente, de um grupo ligado a uma rede mais ampla ou se são vinculados direta ou indiretamente à milícia radical Estado Islâmico.

O atentado ao Charlie Hebdo foi um ataque profissional, envolvendo planejamento e execução detalhados. Por um tempo considerável, as autoridades francesas e os seus homólogos europeus têm alertado para a ameaça contínua de reverberação de conflitos na Síria e no Iraque. Essa ameaça emana especificamente de jihadistas europeus que regressam de zonas de conflitos e de lobos solitários simpatizantes da causa agindo violenta e individualmente.

Estima-se que o número de pessoas que se aventuram no Iraque e na Síria varia na casa das centenas. Diversas prisões, detenções e acusações formais já ocorreram. Embora muitos retornem de lá com missões nem um pouco nobres, outros voltam para casa desiludidos e rejeitando a violência. Estes últimos não devem ser negligenciados, mas, sim, efetivamente estimulados a ajudar a prevenir e a desencorajar outros recrutas em potencial.

Caminho lento

Devido às realidades geográficas, a Europa continua sendo muito mais vulnerável a essas ameaças que os EUA. A fronteira da Europa com a Turquia e o afluxo de milhares de pessoas em suas margens ao sul são um prato cheio para os radicais.

Embora as autoridades francesas afirmem que conseguiram prevenir cinco grandes ataques ao longo dos últimos dois anos, incidentes com lobos solitários persistem.

A onda de ataques no final de 2014 na França inclui dois casos de motoristas atropelando vários pedestres e um homem empunhando uma faca contra policiais. Em maio de 2014, um cidadão francês com passagem de um ano pela Síria matou três pessoas no Museu Judaico de Bruxelas, na Bélgica.

Em março de 2012, um cidadão francês com treinamento no Afeganistão e no Paquistão matou três soldados franceses, três crianças e um professor em uma escola judaica em Toulouse, no sul da França.

Um dos principais membros da coligação internacional contra a facção Estado Islâmico, a França continua sendo alvo de terroristas. O grupo prometeu publicamente vingança contra o Estado francês e outros membros da coalizão.

A luta contínua contra o radicalismo religioso violento deve permanecer global. O ataque contra a redação da publicação francesa não foi o primeiro nem será o último dessa espécie. O caminho que temos pela frente será marcado por outras tragédias, infelizmente.

Para o futuro próximo, a ameaça jihadista pode ser rebaixada e contida. Somente um esforço transnacional concertado e coletivo com foco em medidas imediatas de curto prazo e objetivos estratégicos de longo prazo podem efetivamente enfrentar essas ameaças violentas.

A vitória sobre o terror não será alcançada em um período específico ou em uma data precisa. Só chegaremos a ela gradualmente e por um período de tempo prolongado.

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Marco Vicenzino é graduado em direito pela Universidade Oxford e diretor da consultoria de risco político Global Strategy Project