Para o pensador francês Michel Maffesoli, professor de Sociologia na Universidade Sorbonne, o atentado contra o Charlie Hebdo revela a atual incapacidade francesa de governar o retorno do religioso na sociedade. Na sua opinião, o choque provocado pela violência de hoje poderá tanto levar a uma maior radicalização como a uma busca pelo equilíbrio e pela pacificação.
Qual sua análise sobre o ataque?
Michel Maffesoli – O atentado visava aos países europeus. Hoje caiu sobre a França como foi contra a Inglaterra há alguns anos. Em relação à França, temos bastante dificuldade hoje em administrar o retorno do religioso. Não sabemos lidar com os religiosos porque os negamos. E quando negamos algo, a reação pode vir de forma perversa e sanguinária. Outra coisa é que temos a concepção da fórmula francesa da República única e indivisível. E é preciso aprender a gerir as tribos, que podem reagir de forma sangrenta. Seremos confrontados a isso cada vez mais. Esse atentado é apenas uma de suas expressões.
Esse atentado poderá favorecer a radicalização das oposições na sociedade francesa?
M.M. – Diante de tal choque, é difícil saber o que vai ocorrer. Pode haver uma reafirmação do radicalismo. Olhava hoje (ontem) as redes sociais e havia uma quantidade de mensagens no Twitter de jovens muçulmanos dos subúrbios que diziam coisas do tipo “Bem feito o que aconteceu com o Charlie Hebdo”. É uma forma de radicalização destes muçulmanos, que chegam a justificar essa carnificina. Esta é uma das possibilidades.
E a outra?
M.M. – Uma outra possibilidade, na qual se pode ter alguma esperança, é a de que os muçulmanos mais moderados – que não são negligenciáveis – participem de uma nova gestão da pluralidade. Há dois caminhos: o choque de civilizações, na luta de uma religião, o Islã, para se impor cada vez mais; ou uma ponderação, um equilíbrio, o que eu chamo de mosaico. Como não há um atentado desse porte na França desde 1995, pode-se cogitar que um choque dessa grandeza poderá provocar reflexão e mudar as mentalidades. É algo possível. Pode-se ir no sentido do equilíbrio. A antiga sabedoria francesa é a do equilíbrio, e esperemos que se opte pela aceitação do outro. Mas hoje somos incapazes de saber, é preciso mais tempo para termos sinais sobre qual o caminho que vai ser seguido daqui em diante.
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Fernando Eichenberg é correspondente do Globo em Paris