Um velho amigo, Tony Barber do “Financial Times”, despertou raiva quando classificou de “tola” a linha editorial do “Charlie Hebdo”. A coluna de Tony também me chocou, mas eu tive os mesmos pensamentos quando as primeiras notícias saíram. De fato, toda publicação que optou por não retratar o profeta Maomé deve ter pensado o mesmo. A imprensa faz decisões diárias que não se classificam como censura. Mesmo após o ataque, houve controversa sobre a republicação das charges do “Charlie Hebdo”.
Aqui está a passagem original de Tony: “Se a revista se aproximava do insulto aberto, ela não era a melhor defensora do princípio de liberdade de expressão. A França é a terra de Voltaire, mas com bastante frequência a tolice prevaleceu no ‘Charlie Hebdo’”. Na versão atual, atualizada no site do FT: “Isso não é nem um pouco para desculpar os assassinos, que devem ser pegos e punidos, ou sugerir que a liberdade de expressão não deve se estender a retratos satíricos da religião. Trata-se apenas de dizer que algum senso comum seria útil em publicações como ‘Charlie Hebdo’, e a da Dinamarca ‘Jyllands-Posten’, que se propõem dar golpes pela liberdade quando provocam muçulmanos”.
Mas isso não é tão simples assim. Discordo de Tony não porque a liberdade de expressão é absoluta ou eu porque reverencio as caricaturas de “Charlie Hebdo”, mas porque se concentrar no que supostamente provocou os psicopatas a realizarem estes ataques lhes dá um crédito que não merecem. Eles têm um ódio generalizado das políticas e dos valores ocidentais. A equipe do “Charlie Hebdo” chamou a atenção para si com desenhos que outras publicações não publicariam, mas se ela não tivesse, esses homens teriam encontrado outros alvos (a sinagoga, talvez, ou um quartel do exército, ou um bar). Quase três anos se passaram desde que “Charlie” publicou caricaturas do profeta Maomé e o ataque deve ter sido o presente.
Após eliminarmos causa e efeito, ainda há um debate sobre a liberdade de expressão e o julgamento das notícias, em termos de como publicações devem responder a partir de agora. Então, não, a liberdade de expressão não é absoluta. Quem é a favor da publicação de pornografia envolvendo crianças? Devemos proibir a blasfêmia pública? A França, os EUA e muitos outros países decidiram há algum tempo que insultar o Todo-poderoso não era uma exceção à livre expressão, ao contrário de pedofilia.
No entanto, muitos países ainda têm leis contra a blasfêmia ou o insulto religioso – e não apenas no Oriente Médio, mas em cerca de metade do Conselho Europeu, de 47 Estados-membros, incluindo a Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Itália e Holanda. Em 2008, o Conselho da Comissão de Veneza da Europa escreveu um relatório sobre por que essas leis devem ser abolidas. Seu raciocínio é convincente: “O propósito de qualquer restrição à liberdade de expressão deve ser o de proteger a crença e as opiniões específicas de indivíduos, em vez de proteger os sistemas de crenças das críticas.” A pornografia do pedófilo fere as crianças. A blasfêmia pode ofender as pessoas, mas não machucá-las.
Antes de ontem, não havia nenhuma razão para republicar charges do “Charlie Hebdo”. Hoje, no entanto, é responsabilidade de uma organização de notícias mostrar aos leitores o que é que estes jovens terroristas afirmam os ter estimulado a matar 12 pessoas, para que eles possam fazer seus próprios julgamentos.
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Marc Champion é editorialista de relações internacionais da Bloomberg