“Indivíduos com claros papéis na sociedade (por exemplo, CEOs, líderes religiosos, estrelas do esporte, artistas do cinema): os pedidos de eliminação de dados feitos por tais pessoas são menos justificáveis, já que o público terá geralmente um interesse predominante em encontrar informação sobre elas por meio de uma busca de seu nome.” E alguns parágrafos depois: “É preciso prestar atenção especial ao conteúdo dos pedidos de exclusão, já que os dados do sujeito podem estar circunscritos a seu papel público. Por exemplo: poderia haver um interesse em ter informação sobre nepotismo familiar na hora de contratar”.
O direito de sair do Google não pode ser universal. Essa é a conclusão do relatório O Conselho Consultivo do Google para o Direito de ser Esquecido, publicado na sexta-feira. Sylvie Kauffman, diretora editorial do Le Monde; Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, ministra alemã da Justiça e Proteção ao Consumidor de 2009 a 2013; e Luciano Floridi, professor de Filosofia e Ética de Oxford, são parte de um conselho que o Google montou como órgão consultivo para assumir sua obrigação de providenciar a exclusão de links de informação pessoal em seu serviço de buscas. Esse dever resultou de um mandato do Tribunal de Justiça da União Europeia em 13 de maio de 2014, em resposta a uma ação de Mario Costeja contra o buscador. Esse advogado espanhol pediu que o Google não inserisse um artigo do La Vanguardia, de 1998, sobre um leilão de imóveis relacionado com uma penhora por dívidas à Previdência Social. Desde maio, o Google recebeu 212.673 petições de exclusão, que correspondem a 769.858 URL.
As 44 páginas que esse órgão consultivo apresenta agora dividem as pessoas em três categorias, segundo sua relevância social. Se são figuras públicas, recomenda a exigência máxima para excluir links. Se não têm “um papel discernível na vida pública”, consideram que esses pedidos já estão por si só “mais que justificados” para se efetuar a eliminação. E, por fim, estabelece uma terceira categoria, a daquelas pessoas com um “papel público em um contexto específico e limitado”, no qual se encontrariam diretores de escolas, funcionários públicos ou qualquer pessoa com um papel social em sua profissão em uma determinada comunidade. Nesse terceiro caso o conselho considera que não há um fator predominante nem para admitir a exclusão nem para negá-la, por isso a decisão dependeria da informação especifica que a pessoa afetada solicitar.
Esse relatório trata também do tão citado direito de ser esquecido. E conclui que não existe tal coisa, por mais midiática que a frase se tenha tornado: “De concreto, o mandato [da UE] não estabelece um direito de ser esquecido. O que faz é requerer ao Google a exclusão de links resultantes de uma busca baseada no nome de um indivíduo quando esses resultados forem ‘inadequados, irrelevantes ou não relevantes ou excessivos’”. Este conselho lembra também que o cidadão sempre poderá apelar à Justiça se considera que o Google não se ateve aos critérios do mandato europeu no que ser refere à sua solicitação.
E se a projeção social da pessoa desempenha um papel nesse direito a ter dados removidos, esse também é o caso da informação da qual se solicita a exclusão. Como exemplo, no que se refere ao lado pessoal, os links sobre a vida sexual sempre penderão mais para o requerente do que para o interesse público. Quanto aos temas de interesse jornalístico, são blindados pelo relatório: nenhuma declaração de um político ou líder religioso; nenhuma espécie de artigo de opinião sobre uma controvérsia relevante; nenhuma informação sobre saúde ou consumo; nenhuma informação factual ou verídica que não ponha ninguém em risco e nenhum conteúdo relativo à memória histórica deverão ser excluídos. No entanto, se se tratar de informação sensível de governos, empresas ou particulares, como senhas, documentos de identificação ou endereços pessoais, deve ser atendido o pedido de exclusão. E também quando for falsa a informação publicada na rede sobre a pessoa que requer a exclusão. Acima de todos esses critérios a serem estabelecidos, o conselho insta o Google a ser totalmente transparente. “Do nosso ponto de vista, é importante que o Google torne públicas suas linhas mestras sobre quais pedidos têm boa probabilidade de ser aceitos e, até onde for possível, proporcionar informação estatística sobre as decisões adotadas, para que a pessoa possa avaliar as vantagens de encaminhar uma solicitação.”
Por ora, o Google não dá pistas sobre quando poderia pôr em prática esses conselhos. Na realidade, apesar de ter organizado esse conselho consultivo por sua conta (embora sem pagar nada mais do que a alimentação e o deslocamento de seus membros, segundo especifica o relatório), o gigante digital afirma que a opinião desse órgão não é a única que levará em conta: “Está sendo muito útil escutar múltiplos pontos de vista nos últimos meses na Europa e consideraremos esse relatório como mais um deles. Nós também acompanhamos bem de perto as orientações que as Agências de Proteção de Dados Europeiasnos estão dando, da mesma maneira que trabalhamos para cumprir a determinação do Tribunal de Justiça Europeu”, declarou David Drummond, vice-presidente sênior do Google. A gravação de todas as reuniões realizadas pelo conselho consultivo está disponível em vídeo em sua página na Internet.
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Privacidade ou informação?
Ter acesso à informação ou conceder primazia ao direito do indivíduo de proteger sua vida privada. Essa é a encruzilhada que o Google enfrenta com a obrigação de cumprir o mandato da União Europeia. Esse relatório divide o tipo de informação para sugerir à empresa que nem todas têm o mesmo peso na hora de excluir dados.
Recomendam excluir
>> Links sobre a vida íntima ou sexual.
>> Informação como números de telefone, documentação, senhas, endereços.
>> Informação falsa sobre uma pessoa.
Recomendam manter
>> Links com declarações públicas de políticos.
>> Informação geral sobre a situação financeira de um indivíduo.
>> Informação sensível —origem racial, opiniões políticas, religião— de pessoas públicas quando se relacione com seu papel social.
>> Informação sobre saúde, consumo, arte ou ciência.
>> Conteúdos relacionados com uma controvérsia de interesse público.
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Ángel Luis Sucasas, do El País