Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Grande mídia, redes sociais e movimentação golpista

Um espectro ronda o Brasil: trata-se do terceiro turno, a tentativa desesperada dos setores conservadores de nossa sociedade em influenciar (mesmo por vias não democráticas) nas principais decisões da nação. No atual léxico do pensamento político, a palavra “impeachment” virou eufemismo para “golpe de Estado”. Segundo a grande imprensa, um panelaço produzido por alguns membros das classes sociais mais abastadas contra Dilma Rousseff representa a opinião pública nacional. Já nas redes sociais, a nova moda dos “revoltados online” é gravar e compartilhar vídeos insultando a presidenta com palavras de baixo calão e atribuindo a ela todos os males do país. Em suma, parece que muitos brasileiros perderam totalmente o senso do que é viver em sociedade e aceitar as diferenças.

Ao contrário do que pensam muitos apedeutas (os famosos “comentaristas de internet”), denunciar a perseguição midiática sofrida pelos governos petistas não é relativizar casos de corrupção ou tampouco defender incondicionalmente o Partido dos Trabalhadores (diga-se de passagem: para esse mister, existe a “imprensa pelega”). O que devemos colocar em pauta é a seletividade do conteúdo dos principais noticiários do país. Casos de condutas moralmente condenáveis por parte de políticos da oposição são propositalmente negligenciados. Não é difícil entender os motivos para tanto ódio da imprensa hegemônica e das classes sociais mais abastadas em relação ao PT, pois, afinal de contas, o governo Lula ampliou de 499 para 8.094 o número de veículos que recebem publicidade estatal, diminuindo assim os lucros dos grandes empresários da mídia. Ademais, a ascensão social promovida na última década, apesar de não ter bases sólidas, fez com que indivíduos das classes baixas pudessem frequentar lugares que anteriormente estavam destinados somente às parcelas mais favorecidas da população. Essa “invasão” de pobres em aeroportos, restaurantes e shopping centers temcausado calafrios nas elites. Simbolicamente, para as classes dominantes, acostumadas a ver seus pares ocuparem os cargos máximos da nação, deve ter sido muito difícil ter que conviver durante oito anos com um governo liderado por um ex-retirante nordestino, oriundo da classe baixa e sem formação secundária.

Por outro lado, Dilma Rousseff parece ser um alvo mais fácil de ser atacado. No dia 8 de março, durante o discurso da presidenta em cadeia nacional, moradores de bairros nobres das principais capitais brasileiras protagonizaram um panelaço em protesto contra o governo. Como não poderia deixar de ser, a mídia hegemônica reverberou tais acontecimentos, colocando-os como sendo a posição da maioria da população. “Enquanto a presidente pede paciência em pronunciamento, população reage”, destacou o jornal O Globo em sua edição de segunda-feira (9/3). Por sua vez, a Folha de S.Paulo estrategicamente comparou o panelaço burguês ao clima que precedeu o impeachment de Fernando Collor há duas décadas. Ora, o velho Marx, ao dissertar sobre o conceito de ideologia, já dizia que um dos mais poderosos mecanismos de dominação de uma determinada classe é difundir e naturalizar as suas ideias como se fossem inerentes a toda a sociedade.

O partido político das forças conservadoras

Entretanto, o momento mais aguardado dos movimentos antigoverno seria a mobilização nacional marcada para 15 de março. Grande parte da mídia deixava transparecer seu apoio incondicional já nos dias que antecederam os protestos. A Folha de S.Paulo publicou uma agenda com horários e locais das manifestações, em uma tácita intenção de atrair potenciais manifestantes. O Estação, periódico distribuído gratuitamente nas estações do metrô paulistano, estampou em uma capa o cartaz do grupo Movimento Brasil Livre, um dos mentores aos atos contra Dilma. “Povo brasileiro, chegou o momento das manifestações legítimas e de exigirmos a saída dessa mulher que se chama Dilma Rousseff e que atrasou o país em mais de 50 anos”, escreveu o articulista da Rede Globo Arnaldo Jabor. Ao fazer uma análise sobre a atual onde de protestos urbanos, Reinado Azevedo, da revista Veja, asseverou que as manifestações em repúdio ao impeachment e a favor da Petrobras foram marcadas para um dia de semana porque seus adeptos não trabalham e, em contrapartida, a mobilização contra a presidenta Dilma só poderia ocorrer durante o domingo, pois os “cidadãos de bem” labutam nos outros dias.

Já nas redes sociais, espaço onde não há limites para os delírios ideológicos, foram compartilhados artigos contento títulos sensacionalistas como “Militares aguardam apenas o pedido do Povo para agirem, dia 15 será o dia da libertação”; “Exército se posiciona em todo o Brasil, aguardando a ordem do Povo Brasileiro” e “Entenda o que é Intervenção Militar, e o que Você deve fazer para que Aconteça”.

Conforme era de esperar, os principais canais de televisão do país concederem amplo destaque para as manifestações de domingo. Desde as primeiras horas da manhã, a Rede Globo “convocava” os brasileiros a saírem às ruas desde. Cada aumento do número de manifestantes foi comemorado pelo canal da família Marinho como se fosse um gol da seleção brasileira em final de Copa do Mundo. Como bem apontou o jornal Brasil de Fato, a maior emissora do país mobilizou, como há muito tempo não se via, toda a sua estrutura com o objetivo de ampliar a visibilidade dos atos. Quase a totalidade dos seus jornalistas esteve de plantão, e durante as entradas nas cidades onde aconteciam mobilizações os microfones da emissora captaram gritos de guerra contra o atual governo e xingamentos contra a presidenta. Em seu site, a Folha de S.Paulo incentivou os leitores a enviar relatos, fotos ou vídeos das manifestações.

Um evento com milhões de pessoas nas ruas também é uma boa oportunidade para o desfile de “celebridades”. Entre os “famosos engajados”, o destaque foi Ronaldo Fenômeno que, em clima de campanha eleitoral, utilizou uma camiseta com os dizeres “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”. Por sua vez, manifestantes mais exaltados empunhavam cartazes contendo frases como “Fora ditadura gayzista”, “Libertem o Brasil, ou o mundo sangrará” e “Lula anticristo”.

Evidentemente não se pretende aqui apoiar qualquer atitude para impedir as pessoas de se manifestarem. Em uma sociedade que se pretende minimamente democrática, o direito à liberdade de expressão deve estar relacionado, sobretudo, ao respeito em se ouvir opiniões contrárias. Todavia, é importante questionar o papel da mídia hegemônica nas coberturas das manifestações de sexta-feira (13) e domingo (15). Enquanto a primeira – em defesa da Petrobras e em repúdio aos pedidos de impeachment – teve uma visibilidade modesta e distorcida, a segunda – contrária ao governo – foi retratada como o ato cívico mais importante da Nova República.

Segundo o pensamento do filósofo italiano Antonio Gramsci, em épocas como a atual, marcada pela crise eleitoral das tradicionais organizações partidárias de direita, a grande imprensa assume a função de principal partido político das forças conservadoras. Nada mais condizente à atual conjuntura brasileira.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG