Quem abre o dicionário Aurélio procurando o significado da palavra manifestação verá tratar-se de uma “demonstração pública de sentimentos e ideias de uma coletividade”. Mais à frente, a palavra “popular” tem seu significado descrito como sendo “relativo, pertencente e do agrado do povo”. Ainda neste mesmo verbete, uma descrição por demais importante: “democrático”.
O termo “democrático” é inerente ao que é popular e, portanto, nos é possível dizer que a aglomeração de centenas ou milhares de pessoas nas ruas com intencionalidade em transmitir uma ou mais ideias associadas à intervenção militar (leia-se golpe), diminuição de direitos, ataques às minorias e desrespeito ao pleito eleitoral, não dá à essa manifestação a chancela de “popular”. O que aconteceu neste dia 15 de março foi, infelizmente, uma surreal manifestação impopular.
Aqueles que participaram ou, de alguma forma, simpatizaram com tal “festa da democracia” (de acordo com Fausto Silva, ainda na tarde de domingo, 15/3) estiveram lado a lado daquilo que é mais retrógrado, fazendo uma demonstração pública de que muitas das suas ideias passam longe do democrático. E, o mais grave, não há como desassociar a participação e a simpatia de grande parte da mídia jornalística que, se há muito tempo vem se mostrando cada vez menos imparcial e mais intencionalmente ideológica, adotou para si a posição de principal divulgadora e incentivadora dessa convulsão popular.
E aqui ressalto a palavra convulsão: uma atividade anormal do cérebro, que pode produzir uma alteração ou perda de consciência acompanhada de “espasmos musculares involuntários” (ou, “manifestação do dia 15 de março”).
Discurso intencional
Isso não é novidade e há muito já foi descrito e problematizado aqui mesmo no Observatório de Imprensa. Vão desde as escolhas por manchetes milimetricamente desenhadas para transmitir uma ideia que não está necessariamente acompanhada pelo próprio conteúdo aproveitando-se da capacidade generalizada do ser humano de tirar conclusões ou formar opiniões com cerca de cento e quarenta caracteres ou menos, a transgressão da razoabilidade de inúmeros articuladores que vociferam absurdos sob a proteção do “este artigo não necessariamente representa a opinião deste jornal”, mas que ao mesmo tempo são destacados como estrelas do seu casting e, como não lembrar, do subterfúgio até da mais pura invencionice midiática (Veja faz escola).
Foi com o apoio estratégico de gigantes como a Globo, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Veja e afins, contido em seu discurso intencional diariamente construído, que tantas pessoas deixariam as panelas cheias em casa para bater cabeça no domingo. Mas que ao menos fique mais evidente, após a manifestação de domingo, para “quem” estes jornais escrevem e o “que” estimulam.
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Alexandre Marini é sociólogo