Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A explicitação do ódio

Qualquer análise holística sobre a nossa contemporaneidade não pode deixar de mencionar a internet, principalmente as redes sociais. Não é exagero algum comparar o advento da web a outros grandes momentos da humanidade, como a descoberta do fogo, no período paleolítico, e a invenção da imprensa, no século 15. Por meio da tecnologia conseguimos vencer entraves espaciais e temporais. Entretanto, como todos os âmbitos de nossa existência, o meio virtual também pode apresentar aspectos negativos. Isoladamente, seja por receio de repúdio social ou autocensura, um sujeito não expõe determinadas ideias preconceituosas, guardando-as para si mesmo.

Todavia, a partir do momento em que acessa a rede mundial de computadores e entra em contato com outros indivíduos com posições tão equivocadas quanto as suas, ele se fortalece e passa a não mais temer a hipótese de revelar aspectos obscuros de sua personalidade. Sob o anonimato de um perfil fake, muitos internautas acreditam que podem disseminar sua intolerância sem sofrer qualquer tipo de sanção. Sendo assim, as redes sociais estão sendo cada vez mais infestadas de opiniões racistas, xenófobas, homofóbicas, sexistas e classicistas.

Vejamos alguns exemplos. Quando o governo federal lançou o programa Mais Médicos, a jornalista Micheline Borges afirmou em seu perfil virtual que “as médicas cubanas [negras, em sua maioria] têm cara de empregada doméstica e não apresentam a postura adequada para exercer a profissão”. No início do ano passado, os adeptos do “rolezinho” foram qualificados por muitos membros da elite como sendo baderneiros, bandidos, vândalos e favelados, entre outros adjetivos que geralmente são atribuídos aos pobres em nosso país. Já a Miss Brasil, Melissa Gurgel, sofreu vários xingamentos por causa do seu sotaque nordestino. Nos fóruns de discussão política, pelo menos desde a última campanha eleitoral, petistas e tucanos preferem trocar insultos pessoais ao invés de apresentar argumentos e ideias convincentes.

Onde pode chegar a ignorância

Não obstante, a cena de um beijo entre duas mulheres exibida pela telenovela global Babilônia ensejou os mais diversos tipos de comentários lesbiofóbicos. Internautas apontaram que a Rede Globo é “santuário do diabo” e passou dos limites, pois “incentiva” comportamentos imorais e vergonhosos, que contribuem para a “destruição da família”. Em sua página, o deputado e pastor Marco Feliciano, citou a Bíblia e comparou a novela à antiga Babilônia, “morada de demônios e covil de todo espírito imundo”.

Porém, não é somente a violência simbólica que pode ser explicitada pela web. O grupo radical Estado Islâmico, por exemplo, recruta boa parte de seus jovens militantes via meio virtual. É a nova face do terrorismo na Era Cibernética. Na deep web, conhecida como o “submundo da internet”, existem várias redes ligadas à pedofilia, prostituição internacional e ao tráfico de seres humanos. Evidentemente, somos contra qualquer tipo de censura digital, mas devemos ficar atentos ao que se lê e compartilha nas redes sociais. É importante que não se confunda liberdade de expressão com discurso de incentivo ao ódio ou ao crime. Parafraseando uma clássica citação da ciência política: “Dê um mouse e um teclado para um sujeito intolerante e verá até onde pode chegar a ignorância humana.”

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG