Politicamente, a classe média, desde o seu nascedouro, sempre teve um comportamento pendular, ora aliando-se à direita, ora à esquerda. Igualmente, sabe-se que ela nem sempre foi ciosa na defesa de valores progressistas e democráticos. Nicos Poulantzas fez um importante estudo no livro Fascismo e Ditadura sobre a aliança do fascismo de Mussolini com as classes emergentes média e trabalhadora italiana em troca de benesses. A bem da verdade, não seria necessário ir até a velha Europa para desvelar este “segredo de Polichinelo”. Aqui no Brasil, a classe média, na história recente do país, já demonstrou o quanto é ideologicamente instável ao aceitar passivamente o golpe de Estado contra Jango e conviver sem nenhum conflito ético-político maior com o regime ditatorial que lhe oferecia ascensão e mobilidade social até o colapso vindo com o fim do “milagre brasileiro” devido ao choque do preço do petróleo de 1973.
Relembrar estes episódios sobre o comportamento aparentemente errático da classe média parece levar a algo que, como diria Mino Carta, até o mundo mineral sabe. No entanto, passado pouco tempo, talvez o suficiente para se adquirir o chamado distanciamento brechtiano, do ápice da animosidade que levou à manifestação ruidosa da classe média contra a corrupção no governo de Dilma Rousseff “nos idos de março”, começaram a surgir artigos atentando para o fato de que seria impróprio e, suponho, inadequado acusar esta classe como de direita. Em especial, faço referência ao artigo “Gigante que Acordou ou Marcha Gourmet“, de Rosana Pinheiro Machado, publicado na Zero Hora em 21 de março de 2015, que considera reducionista e estereotipada qualquer iniciativa feita no sentido de rotular a classe média como de direita.
Discurso fácil
Ao apontar esta impropriedade do uso indiscriminado do uso da classificação de direita para toda a classe média não se retira, portanto, a veracidade de que esta foi capturada pelo discurso hegemônico de direita, como bem apontou Bernardo Kucinski, jornalista e escritor, autor do livro As Cartas Ácidas da Campanha de Lula de 98 (ver aqui), em entrevista no programa Espaço Público, da TV Brasil. Neste particular, a julgar o dito na sequência do referido artigo, a própria Rosana Pinheiro Machado concorda com Bernardo Kucinski ao condenar a adesão dos insatisfeitos de todas as extrações sociais à “narrativa simples de impeachment e anticomunismo e, por outro, a pauta vazia anticorrupção”. Diz mais: “As pessoas vestem o nacionalismo verde-amarelo e reproduzem as mesmas frases que antecederam o golpe de 1964. Protegem-se de um golpe comunista que não existe e mandam todo mundo para Cuba. Esse tipo de atitude é, sem dúvida, vulgar e mal-intencionado politicamente. O seu poder reside simplesmente no fato de ser uma narrativa fácil, que se baseia em argumentos simplistas. São instrumentos manipulativos que fornecem explicações totalizantes para fatos políticos que são complexos e, principalmente, incompreensíveis.” Sua discordância é pontual. Ela acha que o conjunto dos manifestantes também inclui pessoas de classe média insatisfeitas com a política nacional que precisam ser respeitadas e que não podem, portanto, por uma avaliação ideológica fácil, ser rotuladas de direita mesmo quando, por ingenuidade política ou agudo senso de adaptação e de sobrevivência, repetem slogans criados pela hegemonia de direita.
No meu entender, o mais importante e preocupante desta discussão é o fato de pessoas que provavelmente não são de direita se engajarem no discurso fácil criado por qualquer hegemonia. No caso atual, pela hegemonia de direita. A história ensina que, infelizmente, esta é a vocação da classe média, de direita ou não.
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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor