João Paulo II, nome escolhido quando foi eleito papa o cardeal polonês Karol Jósef Wojtyla, então arcebispo de Cracóvia, teve intensa presença na mídia, com a qual sabia lidar às mil maravilhas. Foi uma personalidade polêmica, como todos aqueles estadistas que precisam tomar decisões cruciais, nem sempre entendidas por todos e às vezes contrárias à maioria.
Voltou à mídia por obra de um quesito recuperado em seu modo de fazer a administração estratégica da Igreja, que consistiu em revalorizar seu patrimônio espiritual, mas à luz do contexto do mundo em que lhe coube viver e exercer seus poderes, imensos depois de ter sido escolhido papa – por obra do acaso, para os ateus, e por desígnios divinos cuja compreensão é indevassável à inteligência humana, pelos que creem.
Liberal, conservador
O acaso ou o desígnio que veio do Alto deu-se em 1978, com a sucessão de Paulo VI, um papa que aprofundara os avanços do Concílio Vaticano II, deflagrado por João XXIII no começo da década de 1960.
No conclave, assim chamado porque a escolha é feita a portas fechadas, cum clave (com chave), os cardeais – a Igreja só faz eleição indireta desde o século I – escolheram para sucessor de Paulo VI um italiano chamado Albino Luciani, que tomou o nome de João Paulo I. Era mais um papa italiano, tradição que não se quebrava desde 1522, quando tinha sido eleito o holandês Adriano VI. Nenhuma surpresa, portanto.
A surpresa viria 33 dias depois, quando João Paulo I morreu em circunstâncias até hoje não esclarecidas, cujas complexas sutilezas levaram a versões diversas, algumas delas lendárias e que serviram até mesmo às tramas do filme O poderoso chefão 3, de Francis Ford Coppola, baseado em romance de Mário Puzo, cujo tema solar são as transformações pelas quais passara outra instância de poder nada desprezível, principalmente nos EUA. Na terceira continuação do filme, a máfia se aproxima do Vaticano para negociar.
Aquela sucessão foi um Deus-nos-acuda. A disputa concentrou-se em dois cardeais: Giuseppe Siri, arcebispo de Gênova, de perfil mais conservador, e Giovanni Benelli, arcebispo de Florença, mais liberal. Conservador e liberal já eram àquela altura adjetivos que qualificavam pouco, mas ainda definiam ideias e comportamentos mais do que hoje, quando perderam muito do que antes significavam. E de todo modo era assim que os dois cardeais eram vistos pela mídia.
Ato raro
Então, veio a segunda surpresa daquele pesado segundo semestre de 1978 para a Igreja. Paulo VI morrera no dia 6 de agosto. João Paulo I, eleito vinte dias depois e entronizado em 3 de setembro, morreu no dia 28 daquele mês. João Paulo II, eleito em 16 de outubro, assumiu seis dias depois. Tinha 58 anos, era polonês e governaria até morrer, como sempre aconteceu com os papas, salvo algumas exceções.
Suas mexidas no mundo não pararam com o seu passamento. Ainda nos funerais, a multidão reunida na Praça de São Pedro, em Roma, começou a saudar como santo um papa que por pouco não morreu diante das câmeras da televisão de todo o mundo.
E é disso que agora se trata. Depois de ter canonizado 483 pessoas e beatificado outras 1.340, João Paulo II também foi beatificado no domingo, dia 1º de maio. E, coisa rara na Igreja, beatificado por seu sucessor.
Haverá desdobramentos, pois o caminho agora cumprirá etapas que a mídia poderá acompanhar com olhar ainda mais atento.
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Escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor e pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro), autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)