Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A censura a Arnaldo Jabor

Logo de início uma consideração: a questão de concordar ou discordar do colunista Arnaldo Jabor não faz parte do escopo deste texto. Este artigo não consiste em uma defesa do que foi dito por Jabor. Independente de concordar, ou não, com o que ele diz, trata-se de defender o direito de ele poder dizer – que é o direito de todos poderem dizer. Este artigo não trata de concordância ou de discordância, mas tão somente do princípio democrático que deve ser constitutivo de uma sociedade aberta.


Alguns certamente sabem, muitos talvez ainda desconheçam: no dia 12 de outubro, um ministro do TSE ordenou que a Rádio CBN retirasse de sua página na internet a coluna de Arnaldo Jabor datada de dois dias antes. Convém ressaltar uma passagem da sentença do juiz: ‘O comentário impugnado na petição inicial pode ter contrariado a legislação eleitoral. Como medida de natureza cautelar, determino liminarmente sua retirada da página da Representada na rede mundial de computadores e de todas as suas afiliadas’.


Assim, a partir do cumprimento da decisão judicial, pode-se entrar na página da rádio e encontrar outras colunas de Jabor de outros dias, mas não há nada no dia 10. Cabe assinalar o trecho – da coluna – que supostamente teria provocado a suspensão da coluna:




Amigos ouvintes, o debate de domingo serviu para vermos dois lados do Brasil. De um lado, a busca de um ‘choque de capitalismo’. De outro, um choque de socialismo deformado num populismo estadista, num getulismo tardio. De um lado, São Paulo e a complexa experiência de um estado industrializado, rico e privatista. De outro, a voz dos grotões, onde o Estado ainda é o provedor dos vassalos famintos. De um lado, a teimosa demanda do Alckmin pelo concreto da administração pública, e do outro, o Lula, apelando para pretextos utópicos, preferindo rolar na retórica de símbolo (…)’.


O silêncio de Arnaldo Jabor – imposto pelo ministro do TSE – é escandaloso. A coluna foi, liminarmente, censurada. Opinião foi censurada, aparentemente a pretexto de uma confusão entre opinião e propaganda. Várias colunas de vários colunistas emitiram opiniões. Essa coluna foi censurada – e liminarmente.


Caráter autoritário


Há outro silêncio, além do de Jabor. O juiz, ao considerar o comentário veiculado, não sabe dizer se ele próprio, juiz, acha que o texto infringiu ou não a legislação – ‘pode ter infringido’, diz. Além da legislação e do comentário em questão, o que mais precisa o juiz para conseguir fazer sua própria opinião legal ir além do ‘pode ter’? Por que a dúvida? E além disso: a decisão é explicada pela possibilidade de se ter infringido a lei, porém não apresenta a justificativa para essa possibilidade. Por que a decisão de suspender a coluna? Porque pode ter infringido a lei – eis a explicação. Mas por que pode ter infringido? Silêncio – não houve justificativa.


Sem sequer justificar por que o texto do colunista ‘pode ter infringido a legislação eleitoral’, não faltou transparência? Explicou a decisão (com um ‘pode ter’), mas não a justificou. Sem a justificativa da explicação, ‘pode ter’ havido arbítrio na decisão. O silêncio quanto à justificativa ‘pode ter’ sido eloqüente a respeito da medida e da índole. A suspensão foi liminar – em mais de um sentido.


Por sua vez, o silêncio de grande parte da imprensa a esse respeito é uma omissão escandalosa (exceção feita, convém ressaltar desde já, a Dora Kramer). Em muitos órgãos de imprensa o assunto simplesmente não foi tratado; porém, outras decisões tomadas pela Justiça com base na lei eleitoral já mereceram matérias e comentários de vários jornalistas. No Estado de S. Paulo não houve matéria jornalística sobre a suspensão: a informação foi passada aos seus leitores apenas através dos comentários de Dora Kramer, que, em sua coluna do dia 15 p.p., assinalou o caráter autoritário da decisão.


Censura togada


Assim, mesmo o jornal que mantém tanto a coluna de Dora Kramer quanto a do comentador suspenso na página da rádio não tratou do assunto em matéria jornalística. Cabe assinalar ainda: o texto da coluna suspensa na página da rádio era – exceto pelo cumprimento inicial aos ouvintes – idêntico ao que tinha sido publicado pelo jornal no mesmo dia 12; o jornal pelo menos manteve, sem alarde, a coluna em sua própria página na internet, de maneira que os usuários podiam continuar acessando a coluna suspensa na outra página, a da rádio.


E, ainda, o silêncio, a respeito da suspensão de Jabor, por parte de muitos daqueles que se intitulam defensores da democracia – e que costumeiramente apontam o dedo com rapidez para censuras e tentativas tais – é escandalosamente significativo. Neste sentido, cabe comparar: há uns poucos anos, aproximadamente nesta mesma época do ano, um programa apresentado na televisão forjou uma falsa matéria contendo entrevista com supostos participantes de uma facção criminosa – na verdade, soube-se depois, tratava-se de atores contratados pelo programa para simularem a entrevista, que foi apresentada como verdadeira. Ao longo dos dias seguintes, a falsa reportagem foi tratada por vários órgãos de imprensa, e acabou-se por descobrir o embuste: até a descoberta da fraude, a falsa reportagem agrediu e chocou pela rudeza, sobretudo das ameaças, tomadas a sério, a várias pessoas públicas; após a descoberta, o caso agrediu pela grosseria de seus realizadores. [Ver os debates sobre o tema nas edições de setembro de 2003 do OI – Edições anteriores]


Cerca de duas semanas depois da exibição da matéria, o programa foi suspenso por uma juíza. Surgiu uma polêmica que adquiriu força: muitas pessoas se expressaram concordando com a suspensão do programa como uma punição adequada; entretanto, muitos comentadores avaliaram a suspensão como uma forma de censura – ‘censura togada’ foi a expressão usada na época por alguns destes comentadores. Ante a polêmica, chegou-se a apelar para o pretenso argumento de autoridade moral do tipo ‘eu sei que isso é censura porque eu vivi (sofri) a censura na época da ditadura militar’, procurando-se assim desqualificar liminarmente os argumentos racionalistas usados pelos que assinalavam a razoabilidade de se suspender o programa, enfim, por quem considerava que a decisão tomada pela juíza não tinha sido censura (mesmo porque a matéria não foi proibida de ir ao ar).


Que se expliquem


Uma promotora de Justiça do Estado de São Paulo – que defendeu a suspensão e argumentou racionalmente não se tratar de censura, mas de punição dentro da legalidade – foi duramente criticada por aqueles comentadores. Esses mesmos comentadores, que foram contra a suspensão do programa, defendiam que o canal de televisão que apresentava o programa fosse cassado: segundo esse raciocínio, suspender o programa por um dia, devido à falsa reportagem, deveria ser considerado censura, enquanto cassar o canal de maneira definitiva pelo mesmo motivo seria, pretensamente, democrático (a justificativa deles seria decorrente da interpretação que eles faziam da Constituição).


Onde estão esses comentadores para, agora, falarem da suspensão da coluna de Arnaldo Jabor na página da rádio? Não são mais os mesmos? Não interpretam mais a Constituição e a democracia da mesma maneira? Foram contundentes ao atacarem a suspensão de um programa que dolosamente forjou e veiculou uma falsa matéria jornalística (contendo ameaças de morte), mas agora não apresentam uma pequena parcela da mesma contundência para também tratarem da suspensão de quem trabalha fazendo comentários jornalísticos.


Se para acusarem a juíza de censora togada souberam ser estridentes, usando fogos de artifício verbais fortemente acusadores em relação à juíza e aos que discordavam deles, agora deveriam se pronunciar – se desta vez não mais para acusar a suspensão, então para defenderem a atitude do TSE e para explicarem por que desta vez acharam que não se trata de censura, esclarecendo, afinal, por que não são mais os mesmos que um dia foram.

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Historiador e doutor em Filosofia pela FFLCH-USP, Campinas, SP