Na primeira página do Estado de S. Paulo de quinta-feira (13/6), a fotografia principal mostra o governador do estado, o prefeito da capital e o vice-presidente da República em um evento oficial em Paris.
Na primeira página da Folha de S. Paulo, a imagem principal é a de um policial ferido, dominando um manifestante bem mais jovem e apontando um revólver para a frente.
No interior da seção internacional, o Estado exibe fotografia de uma reunião na Turquia, onde o presidente Tayyip Erdogan se reuniu com líderes das manifestações que ocorrem em Ancara e Istambul.
Nas redes sociais, pode-se encontrar depoimentos de pessoas que foram agredidas por policiais pelo simples fato de serem jovens e estarem transitando na região das manifestações. Uma dessas vítimas, que esperava um amigo diante da Faculdade Casper Libero, acabou no hospital e teve seu smartphone expropriado por integrantes da tropa de choque.
Também há relatos de cidadãos que foram intimidados ou agredidos por manifestantes, e uma variedade enorme de episódios mostrando que os protestos contra o aumento das passagens de ônibus saíram do eixo e podem se transformar em qualquer coisa. Os jovens que se apresentam como líderes do Movimento Passe Livre em São Paulo admitem que perderam o controle das manifestações, mas mantiveram a agenda de novas passeatas.
Rebeldes que se julgam revolucionários não costumam medir o efeito de seus atos. Portanto, não é difícil antecipar o que pode acontecer na sequência. Não faltam grupos cujos interesses seriam beneficiados por um acirramento da violência – a começar dos consórcios que controlam o sistema de ônibus e vans na cidade. Para esses, quanto mais confrontos, menor a possibilidade de uma solução negociada para a questão, que poderia vir a prejudicar seus interesses.
Um veterano professor de Economia, que atua como consultor de planejamento urbano em muitas cidades pelo mundo afora, questionado por este observador, afirma que o problema não tem solução fácil: ele assegura que, pelas contas disponíveis, as empresas de ônibus não são uma fonte extraordinária de lucros e dependem de subsídios oficiais para manter os serviços em condições mínimas de operação.
Por outro lado, segundo a mesma fonte, o custo da tarifa já superou a capacidade de pagamento de boa parte dos usuários, embora muitos dos que têm emprego fixo contem com o vale-transporte.
No final, o aumento da tarifa vai bater também nos custos dos empregadores que garantem o benefício, o que pressiona a inflação.
Conta de padeiro
Trata-se, portanto, de uma equação difícil de articular, ainda mais levando-se em conta que as empresas de ônibus não são o que se poderia chamar de negócio transparente. A complexidade do problema exige uma análise do tipo que desafia a estrutura das redações, e o noticiário reflete um olhar errático, mas ao mesmo tempo denuncia um viés muito evidente: para os jornais, as autoridades diretamente ligadas à crise são irresponsáveis, pois permanecem em Paris enquanto a cidade pega fogo.
Por outro lado, o presidente da Turquia, que se notabiliza pela truculência de seu governo e pouco apreço pela democracia, é apresentado como um gentil negociador.
Além disso, observe-se que a imprensa registra com destaque os casos de policiais que foram encurralados e agredidos por manifestantes, mas omite o outro lado, em que agentes atacaram transeuntes.
O PM Wanderlei Vignoli, que aparece na capa da Folha, merece ser identificado porque, mesmo ferido e ameaçado de linchamento, não disparou sua arma. Mas não se pode afirmar que ele seja o modelo de comportamento da polícia: é apenas o exemplo escolhido pelos jornais para definir os papéis no roteiro maniqueísta de heróis e vilões que limita a linguagem da imprensa.
Os manifestantes prometem novas passeatas em São Paulo e no Rio para quinta-feira. No Rio, a situação se complica ainda mais porque é sabido que o serviço de vans é parcialmente controlado por milícias, que são protegidas por autoridades corruptas. Em São Paulo, a geografia urbana impossibilita o monitoramento das multidões em movimento.
Sem uma liderança que possa estabelecer alguma ordem, a perspectiva é o caos, com o risco real de episódios ainda mais graves. Por outro lado, o sistema precisa sofrer uma ruptura: no caso dos serviços públicos essenciais, as autoridades não podem simplesmente seguir a lógica perversa do custo versus benefício usando o raciocínio linear. Na “conta de padeiro” do transporte, se sobe o custo para a empresa, repassa-se o aumento para o usuário e engorda-se o subsídio público.
Acontece que o limite já chegou. É hora de uma solução criativa, e é melhor que venha já, antes que o sangue manche as ruas da cidade.
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