Ao iniciar a ocupação do prédio da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) (em 3/5, às 17h30), os estudantes-ocupantes organizaram-se em comissões: Alimentação, Comunicação, Limpeza e Segurança. Uma das primeiras a se constituir foi a de Comunicação, formada para o atendimento à imprensa no local.
No domingo, podemos fazer uma primeira análise da cobertura da imprensa. Avaliamos o material publicado, especialmente na grande mídia, e acompanhamos, em campo, o trabalho de repórteres e fotógrafos.
Início
Quando a imprensa chegou ao local, a comissão de comunicação recebeu repórteres e fotógrafos, explicando o desencadear dos fatos, da mesma forma como foi divulgado em release para imprensa paulista. Seu teor:
‘Cerca de 350 estudantes da USP ocuparam às 17h do dia 3 de maio o gabinete da reitoria da universidade, reivindicando a revogação dos decretos 51.460, 51.461, 51.471, 51.636 e 51.660 do governador José Serra, que interferem na autonomia das universidades públicas. Entre as reivindicações estão: contratação de professores, melhoria da infra-estrutura da universidade e ampliação das vagas na moradia estudantil (este documento traz a íntegra das reivindicações).
Os estudantes haviam convidado a reitora Suely Vilela para discutir os decretos e a autonomia em audiência pública, abertamente. No entanto, ela avisou que não compareceria e a reitoria confirmou presença de um representante. Na data marcada (16h do dia 3) ele não compareceu.
Os estudantes decidiram caminhar à reitoria para apresentar ao vice-reitor sua pauta de reivindicações. A segurança do prédio tentou impedir a entrada dos estudantes, que decidiram ocupar o prédio para se fazer ouvir após meses de tentativa.’
Fotógrafos da Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo registraram imagens do interior do prédio ocupado. Alguns profissionais, entretanto, acharam desnecessária uma visita ao local, limitando-se a conversar com ‘fontes oficiais’, como a assessoria de imprensa da Reitoria.
Matéria do site Folha Online, publicada às 21h36 do dia 3, intitulada ‘Estudantes invadem reitoria da USP; móveis e portas foram destruídos‘, é resultado deste comportamento. A reportagem da Folha publicou apenas informações da assessoria de imprensa, apesar de não creditar todas as observações que faz ao órgão, parecendo observações da repórter. A matéria afirma que ‘os estudantes quebraram portas, móveis e expulsaram todos os funcionários do prédio, que tem cerca de mil servidores’, e na seqüência informa que ‘representantes dos alunos negam danos e afirmam que os móveis do local foram desmontados’.
Se repórter e fotógrafo tiveram oportunidades de verificar pessoalmente se houve ou não quebra do mobiliário da reitoria, torna-se infundado o desencontro das declarações. Da mesma forma, o jornal deixaria de incorrer em novo erro se a repórter tivesse se dado ao trabalho de verificar que a ocupação foi realizada no final de expediente, quando o prédio já estava esvaziado. A pequena parcela de funcionários que ainda se encontrava presente saiu sem que houvesse qualquer tipo de pressão por parte dos estudantes. Em português claro, significa que os manifestantes não ‘expulsaram mil funcionários do prédio’.
Jornalismo em tempo real
Os portais Universo Online (UOL) e Folha Online destacaram na noite de quinta-feira (3) uma única foto da ocupação, apesar das muitas fotos tiradas por Marlene Bergamo, fotógrafa do jornal. A imagem escolhida foi a da fachada do prédio, acompanhada da seguinte legenda: ‘Reitoria da USP é ocupada e depredada durante protesto‘.
Aceitando que o valor-notícia de uma porta arrombada com os escombros do teto espalhados pelo chão é maior do que uma imagem de muitos estudantes sentados em roda discutindo a pauta de reivindicações do movimento, ressalta-se que a contextualização da imagem não foi feita devidamente.
Ao chegar ao prédio, público e acessível a qualquer pessoa, os estudantes se depararam com uma porta fechada. Tentativas frustradas de diálogo com a Reitoria se acumularam desde o início do ano, culminando em um inevitável desgaste e, conseqüentemente, numa atitude extrema. Para ocupar o prédio, a porta teve de ser aberta, o que implicou uso de força, visto a recusa dos seguranças do prédio em abrirem a porta. Os alunos, não obstante, tentaram minimizar os danos desta entrada. Além disso, a ocupação do prédio levou os alunos a zelar pela integridade do prédio.
De rabo preso com o leitor
A predisposição em desqualificar o movimento de ocupação também transparece na matéria ‘Estudantes ocupam reitoria da USP‘, veiculada pelo Último Segundo, do IG, às 19h49 do dia 3, que destaca em seu lide uma depredação jamais ocorrida: ‘Cerca de 300 estudantes ocuparam e depredaram a sede da reitoria da Universidade de São Paulo entre a tarde e a noite desta quinta-feira’.
A edição impressa de sexta-feira (4) da Folha explicita a mesma intenção na matéria
‘Estudantes invadem gabinete da reitoria da USP‘ ao dar atenção especial para um fato de relevância jornalística duvidosa, mas de grande significância: ‘Um dos estudantes que não queriam deixá-la entrar [a pró-reitora de pesquisa as USP, Mayana Zatz] estava de chinelo e bermuda’.
Não foi diferente o caráter que o portal G1 deu ao acontecimento: o desencontro de informações também se faz presente na cobertura do sítio noticioso das Organizações Globo. Na matéria ‘USP: ocupação segue até o fim de semana‘, publicada na sexta-feira (4), às 20h55, uma das reivindicações dos ocupantes, que aparece na declaração de uma estudante, é reproduzida de modo equivocado: ‘Um dos pontos principais que queremos é o repúdio aos decretos do governador José Serra’.
Mesmo antes da ocupação, a requisição do movimento estudantil sempre foi no sentido de exigir um posicionamento público da reitoria quanto aos decretos do governador José Serra, fosse ela favorável ou não a eles. No texto ‘Alunos criam sua própria `Virada Cultural´ durante ocupação na USP‘, publicado no mesmo portal, às 04h56 do dia seguinte, a fala da estudante aparece retificada: ‘Um dos pontos principais que queremos é uma posição da USP sobre os decretos do governador José Serra’.
Mas o portal voltou ao erro inicial com a notícia ‘Alunos e reitoria da USP marcam novo encontro para discutir ocupação‘, publicada às 15h00 do mesmo dia, na qual aparece novamente, logo no subtítulo, a reivindicação distorcida: ‘Alunos querem que a universidade se oponha a decretos do governo’.
Em virtude dos abundantes exemplos de mau uso do material jornalístico, os ocupantes o prédio decidiram vetar a entrada de jornalistas já na noite do dia 3. A intermediação com a imprensa é feita pela Comissão de Comunicação, que abrange uma equipe de voluntários que produz internamente todo o material a ser distribuído e faz a atualização online da ocupação pelo blogue do movimento. Já foram mais de dez mil acessos à página, que conta com informações sobre a ocupação, fotos e entrevistas. Há ainda uma emissora de rádio via internet (Rádio da Ocupação FM – 106.7 MHz).
Importante ressaltar que as pautas apresentadas em nossas ações midiáticas apontam para um cenário de mobilização bastante anterior à ocupação. Problemas de infra-estrutura física e docente na USP, por exemplo, são assuntos recorrentes e de fácil acesso à imprensa. Nessa perspectiva, os equívocos ou omissões na cobertura sobre as demandas de Universidade apresentados pela mídia são sintomáticos do desinteresse dos principais veículos de comunicação em pautar e acompanhar qualitativamente as condições da educação pública paulista.
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Estudante de Jornalismo da PUC-SP