Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A cobertura tendenciosa do evento

O clamor por uma sociedade mais justa que vem das tendas parece conviver de mãos dadas com cenas de ilegalidade, consumo de drogas e exploração do trabalho infantil, entre outras mazelas distantes do propósito do evento, mas que se tornaram corriqueiras no cotidiano dele.’ [jornalista Josué Costa, de O Liberal, de Belém (PA), íntegra aqui].

De uma coisa, podemos estar certos: aqueles que defendem por convicção, por má-fé ou mercenarismo o atual sistema político e econômico, em que o capitalismo domina a tudo e a todos, mesmo já manifestando seus estertores finais, que podem durar um século, jamais considerariam um Fórum Social Mundial como algo simpático aos seus interesses, em função da oposição que encontra ali sua cartilha ideológica.

Ao observarmos bem, de doutrina econômica o capitalismo saltou para doutrina política e, posteriormente, para uma fé religiosa, alcançando a visão apocalíptica da Besta descrita pelo apóstolo João há quase dois mil anos atrás. Uma religião cujos templos mais visíveis são as bolsas de valores e os centros de compras (shoppings centers), mas está democraticamente disseminada em cultos domésticos via emissoras de TV e rádio, onde se prega o evangelho materialista e hedonista.

Um grande caldeirão

Em se tratando da grande mídia, também, o objetivo é obter lucro a qualquer custo! A pura e sacrossanta verdade não dá lucro suficiente para satisfazer a voracidade do animal capitalista (Delfim Netto). Para tanto, somente o sensacionalismo barato contribuirá com a venda de jornais ou audiência na radiodifusão, atendendo a um mercado composto por 74% de analfabetos e semi-analfabetos de todas as classes sociais, especialmente por uma quase totalidade de analfabetos políticos, na definição de Bertolt Brecht.

Quanto ao Fórum Social Mundial, há uma Carta de Princípios disponível aqui para quem deseja uma visão mais profunda sobre as bases em que se fundamenta este processo.

Dentro deste quadro, surge a matéria donde extraímos o texto em epígrafe, que representa tudo que tenho percebido aqui, mas o jornalista Josué Costa preferiu fazê-lo de forma desequilibrada em favor dos problemas, mesmo citando rapidamente que isto é parte do comportamento e não é o todo. Portanto, considero-a tendenciosa e manipuladora da verdade jornalística. Seguramente, é apenas um exemplo comum de como a grande mídia decidiu pautar o fórum, visando a maximizar e amplificar uma imagem negativa dos problemas que ali realmente acontecem.

O FSM representa a sociedade brasileira e planetária com suas mazelas e qualidades. É um grande caldeirão onde se cozinham idéias de todas as formas, mas o filtro é o objetivo de se construir um mundo melhor, menos repressivo, menos capitalista e mais solidário, humano, fraterno e pacífico.

O mundo que’eles’ querem

Asseguro aos meus ilustres e raros leitores que em momento algum, aqui, houve alguém defendendo a invasão Afeganistão, do Iraque e da Palestina pelo maior país terrorista da face da terra, os EUA, a serviço de Israel e vice-versa, cujo poder econômico e político dominam os maiores interesses materialistas do planeta.

Mesmo assim, não é objetivo do fórum proibir qualquer tipo de manifestação. Quem quisesse defender o terrorismo do império capitalista poderia até fazê-lo, mas encontraria ali absoluta oposição. Nem a organização do FSM teria condições de impor e fiscalizar tudo isto que é criticado na matéria de O Liberal, tradicional oponente ao governo do PT aqui, conforme fui informado. Organizar um evento desta proporção exige um esforço enorme e não dá para se concentrar em coisas como as condenadas aqui, que ocorrem em qualquer carnaval ou festa popular.

Se fosse uma matéria honesta e se o jornalista diplomado respeitasse a ética e a qualidade da informação que prega a Fenaj, como sendo uma garantia do diploma, ele, pelo menos, faria uma estimativa ou uma pesquisa breve de como um determinado número de participantes percebe esta dispersão. Porque ele não quantificou um percentual para dar uma idéia mais próxima do real para o leitor. Esta dispersão seria de 1%, 20%, 50% ou 90%?’De 20 participantes aleatoriamente pesquisados, obtivemos uma média de dispersão de tantos por cento.’

Sem isto, este profissional estará apenas documentando fatos isolados e praticando um tipo de jornalismo sensacionalista e tendencioso, sem ética e sem qualidade.

Será porque ele não ouviu a outra parte, como manda o bom jornalismo? Qual é o ponto de vista dos organizadores do FSM a respeito desta matéria? Fica a sugestão para que solicitem direito de resposta!…

Assim, publicações deste nível permitem pessoas ansiosas e precipitadas, como uma internauta da lista de discussão do Yahoo, intitulada Brasil-Política, emitir seu veredicto final:

‘Eu não estou inventando nada. Esta notícia está em O Liberal, jornal de Belém do Pará. Este é o mundo que `eles´ querem. Com certeza não é o que eu quero!’

Suicídio moral, ético e físico

Ela, certamente, foi incapaz de perceber aspecto positivo mínimo mencionado, de chofre, pelo jornalista a serviço da manipulação. De deturpação em deturpação, a matrix dos poderosos vai engolindo suas vítimas, ansiosas de qualquer informação que lhes alimente a fobia contra a construção de um mundo melhor para a maioria.

Não conheço o trabalho deste jornalista e nem deste jornal, além dessa matéria, mas seria de se esperar, caso eles sejam realmente dignos de utilizar estes nomes, que adotassem ênfase proporcional para condenar o genocídio de 1.300 palestinos em Gaza em menos de um mês. Bem como outros promovidos pelos EUA, em todo o mundo, nas últimas décadas (ver aqui)

Um outro jornalismo é possível!

Um jornalismo que dissesse apenas a verdade e nada mais que a verdade: o FSM é um evento sério, de qualidade e coerente com os princípios estabelecidos para sua existência, onde ocorrem alguns problemas que a grande maioria dos presentes gostaria que fossem evitados, mas que, em respeito à diversidade de interesses são respeitados. Como em qualquer outro evento desta natureza.

Ninguém defende ali um pensamento único e um comportamento estereotipado por alguns sabichões nazistas. Mas nada incomoda mais o sistema mercadológico e a massificação da economia que algo capaz de gerar as surpresas promovidas pela liberdade de pensamento, de escolha e de ação.

Então, nada mais se faz necessário que uma Conferência Nacional de Comunicação, onde temas como a manipulação da grande imprensa (Perseu Abramo) possam ser mais bem tratados, de uma forma democrática, justa e objetiva.

Somente assim, teremos, um dia, uma democracia de verdade neste país, apesar do Estado, do sistema de ensino, da grande mídia e dos jornalistas mercenários que o servem enganarem a população, afirmando que já estamos desfrutando deste momento, quando na realidade, vivemos sobre a mais cruel ditadura do poder econômico, levando a humanidade à beira do suicídio moral, ético e físico.

******

Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org) e articulista