Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A comunicação na Constituinte de 87/88

No debate contemporâneo sobre a relação entre história e memória, uma vertente teórica representada, dentre outros, pelo historiador americano Hayden White, argumenta que a história não só é construída pela ação de seres humanos em situações específicas como também por aqueles que escrevem sobre essas ações e dão significado a elas.


A referência vem a propósito do aniversário da Constituição de 1988, comemorado em 5 de outubro, e dos vários comentários e análises que, duas décadas depois, tentam ‘dar significado‘ ao processo constituinte, reconstruindo o que nele se passou, quais atores e interesses estavam em jogo e quais acabaram por prevalecer. O eventual leitor encontrará abaixo mais uma dessas tentativas. Só que escrita e originalmente publicada ainda em 1987.


Muitas das questões que ainda hoje se colocam como fundamentais para um Estado democrático e, portanto, para a formulação das políticas públicas de comunicações, são as mesmas que estavam presentes na Constituinte. Algumas foram consensuais e sobre elas não havia disputa. Por exemplo: a garantia da liberdade de expressão através do total banimento da censura de qualquer natureza. Outras, sobretudo aquelas com implicações diretas na democratização das comunicações, encontraram enorme resistência. Por exemplo: o uso de concessões de radiodifusão como moeda de barganha política; a criação de um órgão regulador autônomo com poderes para outorgar, renovar e cancelar concessões de emissoras de rádio e televisão; a regionalização da produção jornalística, cultural e artística; a concentração da propriedade e a ‘propriedade cruzada’ de diferentes veículos de comunicação; o equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal de comunicações.


Observador participante


Muitos dos deputados e senadores que jogaram um papel decisivo na versão final que o capítulo ‘Da Comunicação Social’ acabou tendo, infelizmente, já não se encontram mais entre nós. Outros, no entanto, continuam ativos participantes do cenário político. Lembro, por exemplo, o deputado federal Arolde de Oliveira (DEM-RJ) que presidiu a Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação e é o atual secretário municipal de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro. Foi na Subcomissão que emergiram e se consolidaram as posições divergentes sobre as comunicações que iriam perdurar até o final de todo o processo constituinte.


Ainda durante o processo constituinte – que tive o privilégio de acompanhar como assessor dos relatores Cristina Tavares, na Subcomissão, e Artur da Távola, na Comissão –, escrevi um minucioso relato crítico do que ocorreu na Subcomissão em relação aos temas diretamente ligados à comunicação, tentando contextualizar atores e interesse em jogo.


‘Comunicação na Constituinte de 1987/88: a defesa de velhos interesses’ foi originalmente publicado no Caderno Ceac/UnB – ‘Constituinte: Temas e Análises’, Ano 1, nº 1, organizado por Vânia L. Bastos e Tânia M. da Costa. Como o Caderno teve tiragem reduzida e circulou em agosto de 1987, decidimos por sua republicação, 21 anos depois. É uma das tentativas de ‘dar significado’ ao processo constituinte, construída no momento mesmo em que ele ocorria e escrita por um observador participante.


***


Comunicação na Constituinte de 1987/88


A defesa de velhos interesses


Venício A. de Lima


I


Uma das questões que mereceu maior atenção pública ao final do governo do general Figueiredo (1979-1985), chegando mesmo a ter conotação de escândalo, foi o número inusitado de outorgas de concessões de canais de rádio e televisão num período extremamente reduzido. Dados do Ministério das Comunicações divulgados à época revelavam que, enquanto em todo o ano de 1982 foram outorgados 134 (cento e trinta e quatro) novas concessões, em 1983, 80 (oitenta) e em 1984, 99 (noventa e nove), somente nos últimos dois meses e meio (74 dias) de seu ‘mandato’, o general Figueiredo assinou 91 decretos de concessões de canais de radiodifusão.


Entre os beneficiados com as novas concessões incluíam-se desde redes nacionais de radiodifusão – SBT e Bandeirantes – a figuras desconhecidas, cujas principais credenciais eram ser amigas do presidente da República ou até de sua esposa. Uma consulta à imprensa da época revelará algumas das relações pessoais e os jogos de interesse que determinaram várias dessas concessões. Mas, a grande maioria dos beneficiados era de políticos. Impedidos pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962) de exercerem as funções de diretor ou gerente de empresa concessionária enquanto no gozo de imunidade parlamentar, os políticos utilizavam-se dos mais variados artifícios e obtinham o controle de emissoras de rádio e televisão através de parentes e/ou ‘testas-de-ferro’, burlando normas, prazos e planos.


Dentre os vários casos, no entanto, nenhum se igualava à concessão de um canal de televisão na cidade de Cascavel, no Paraná, a um grupo ligado ao deputado federal José Carlos Martinez (PDS-PR). O ‘interesse’ do governo do general Figueiredo na outorga de mais uma emissora de TV ao deputado do PDS era superior até à disponibilidade de canais no Plano Básico de Distribuição preparado pelo Ministério das Comunicações. A concessão foi outorgada em 5 de dezembro de 1984 e somente dois meses depois, a 4 de fevereiro de 1985, o canal de televisão em Cascavel passou a estar disponível através de uma providencial alteração no Plano Básico.


Critérios de distribuição de canais


O assunto mereceu, como não poderia deixar de ser, a atenção da imprensa. Em matéria sob o título ‘Favoritismo foi decisivo na concessão de rádio e TV’, o Jornal do Brasil do dia 23 de março de 1985 informava:




‘A TV Carimã Ltda, empresa paranaense que ganhou em dezembro do ano passado as concessões para operar o canal 10 de Cascavel, oeste do Estado, e o Canal 7, de Curitiba, está vinculada ao deputado José Carlos Martinez (PDS), principal representante do malufismo no Paraná e amigo pessoal de George Gazale, empresário e anfitrião do ex-presidente Figueiredo no Rio de Janeiro. (…) A concessão do Canal 10 de Cascavel foi dada à Carimã no dia 5 de dezembro de 1984, conforme decreto publicado no Diário Oficial. E somente no dia 4 de fevereiro de 1985 o governo federal publicou no Diário Oficial a inclusão de Cascavel no Plano Básico da distribuição de canais de TV em VHS.’


A revista Veja de 27 de março de 1985, no artigo ‘Concessões em Exame’, destacava o acontecido no Paraná como ‘particularmente curioso’. Dizia a matéria:




‘No Paraná, duas emissoras de TV foram concedidas a um grupo estreitamente ligado ao deputado José Carlos Martinez, também do PDS, que já possui outros dois canais de televisão. Num dos casos, o canal 10 de Cascavel, o processo foi particularmente curioso. O decreto de outorga à empresa de televisão Carimã foi publicado no Diário Oficial da União em 5 de dezembro do ano passado e o resumo do contrato saiu na véspera do Natal, mas surgiu um problema – não havia canal disponível para Cascavel. Solução: no dia 4 de fevereiro – depois, portanto, da concessão – publicou-se uma portaria mexendo no Plano Básico de Distribuição para nele incluir a cidade paranaense.’


A questão das novas concessões de canais de radiodifusão não passou despercebida ao candidato e, posteriormente, presidente eleito, Tancredo Neves. Em audiência ao deputado Fernando Cunha, PMDB-GO, ex-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, o então candidato garantiu que, se eleito, estudaria detidamente os critérios da distribuição de canais de rádio e televisão ao final do governo do general Figueiredo.


Ligações suspeitas com a Globo


Já como presidente eleito, em sua primeira entrevista coletiva à imprensa, em 17 de janeiro de 1985, Tancredo Neves responde a uma pergunta do ex-deputado Audálio Dantas, então presidente da Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais e refere-se publicamente ao problema das concessões ao analisar a situação mais ampla da comunicação no país. Disse ele:




‘A pergunta diz respeito à democratização dos instrumentos de comunicação. Evidentemente, nesse setor, prevalece, com maior intensidade ainda, o espírito autoritário. Sabemos que as concessões de rádio e de televisão são distribuídas por critérios exclusivamente políticos, partidários e até personalistas. A primeira idéia que me ocorre, sem entrar no exame detalhado da matéria, através da consulta feita às entidades de classe nela interessadas, parece ser a criação de um Conselho Nacional de Comunicações que tenha participação direta não apenas na decisão da concessão de rádio e de televisão, mas, sobretudo, na fiscalização do seu funcionamento.’


O presidente eleito reconhecia, portanto, (1) a necessidade de se democratizar a comunicação no Brasil, de vez que prevalecia na área o ‘espírito autoritário’; (2) que os canais de rádio e televisão eram distribuídos por critérios ‘exclusivamente políticos, partidários e até personalistas’; e (3) a conveniência da criação de um Conselho Nacional de Comunicações que participaria diretamente das decisões de outorga e, sobretudo, fiscalizaria o funcionamento dos canais concedidos.


Havia, no entanto, indicações de que, na grande articulação que tornou possível sua chegada à Presidência da República, Tancredo Neves não teria conseguido evitar algum tipo de compromisso ou acordo com o status quo da comunicação no país. Já como presidente eleito, no mesmo dia de sua consagração pelo Colégio Eleitoral, ele almoçou em Brasília na casa do diretor regional da Rede Globo de Televisão em companhia do presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, e do senhor Antonio Carlos Magalhães, político controvertido e ex-PDS, posteriormente indicado para seu ministro das Comunicações. Ademais, foi mantido no cargo o senhor Rômulo Furtado, todo poderoso secretário-geral do Ministério das Comunicações por dois governos no período autoritário e figura sobre a qual circulam suspeitas de ligações com a Rede Globo e empresas do setor eletro-eletrônico.


Os mesmos ‘beneficiados’


Apesar disso, a imprensa noticiou com destaque que, apenas três dias após haver assumido o Ministério das Comunicações na ‘Nova República’, o ministro Antônio Carlos Magalhães assinou portaria mandando suspender as tramitações das 140 novas concessões de radiodifusão outorgadas pelo general Figueiredo, no período entre outubro de 1984 e 15 de março de 1985, e instituindo comissão (presidida pelo secretário-geral do Ministério) para reexaminar o assunto. Divulgava-se que, pela primeira vez, algo seria feito para impedir que as concessões de rádio e televisão continuassem a ser distribuídas por critérios ‘exclusivamente políticos, partidários e até personalistas’.


Decorridos pouco mais de dois anos, o que esses fatos e personagens têm a ver com o processo constituinte em andamento?


A resposta a essa pergunta será obtida com mais facilidade quando verificarmos que alguns dos personagens centrais do processo constituinte são os mesmos ‘beneficiados’ do final do governo do general Figueiredo, que não se alteraram os critérios do Ministério das Comunicações e do governo para distribuição dos canais de rádio e televisão e que uma das questões mais polêmicas da nova Constituição é exatamente a definição da competência e dos critérios para concessão, renovação e cassação dos serviços de radiodifusão.


Antes, porém, de retornar a esses fatos e personagens vamos descrever, sumariamente, os principais pontos em questão nas diversas etapas do processo constituinte até o final do trabalho das Comissões Temáticas.


II


O primeiro anteprojeto


O primeiro anteprojeto apresentado para discussão e recebimento de Emendas ao Plenário da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação pela relatora, deputada Cristina Tavares, PMDB-PE, em 13 de maio, contempla, na área da Comunicação, os seguintes pontos básicos:


1. Estabelece o direito à informação;


2. Define que os meios de comunicação devem estar a serviço do desenvolvimento integral da nação, da eliminação das desigualdades e injustiças da independência econômica, política e cultural do povo brasileiro e do pluralismo ideológico;


3. Estende o monopólio do Estado à exploração dos serviços públicos de telecomunicações e transmissão de dados;


4. Institui o Conselho Nacional de Comunicações (CNC), composto por quinze membros, três representantes das entidades empresariais, três de entidades profissionais da área de comunicação, um representante do Ministério da Cultura, um representante do Ministério das Comunicações, dois representantes da Comissão de Comunicação do Senado Federal, dois representantes da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados, um representante da Comunidade científica, um representante de instituição universitária e um representante da área de criação cultura, cabendo ao Congresso Nacional designar as entidades representadas no Conselho que elegerão seus respectivos representantes para um mandato de dois anos, vedadas as reeleições.


Ao Conselho Nacional de Comunicação compete: (a) Outorgar e renovar, ad referendum do Congresso Nacional, autorizações e concessões para exploração de serviços de radiodifusão e transmissão de voz, imagem e dados; (b) Promover licitações públicas para concessão de freqüência de canais, divulgando suas disponibilidades ao menos uma vez por ano; (c) Decidir e fixar as tarifas cobradas aos concessionários de serviços de radiodifusão e transmissões de dados, imagem e som; (d) Promover a introdução de novas tecnologias de comunicação conforme a necessidade da sociedade e buscando capacitação tecnológica nacional; (e) Dispor sobre a organização e transparência das empresas concessionárias da radiodifusão, da qualidade técnica das transmissões, da programação regional, da programação em rede e da garantia de mercado para os programas das produtoras independentes.


Conselhos editoriais


Seria também atribuição do Conselho Nacional de Comunicação estabelecer, supervisionar e fiscalizar políticas nacionais de comunicação nas áreas de rádio e televisão atendidos os seguintes princípios: (i) Promoção da cultura nacional em suas distintas manifestações assegurada a regionalização da produção cultural nos meios de comunicação e na publicidade; (ii) Garantia da pluralidade e descentralização vedada a concentração da propriedade dos meios de comunicação; (iii) Prioridade a entidades educativas, comunitárias, sindicais, culturais e outras sem fins lucrativos na concessão de canais e exploração de serviços;


5. Estabelece que as concessões ou autorizações de serviços de radiodifusão não serão superiores a 10 (dez) anos, e só poderão ser suspensas ou cassadas por sentença fundada em infração definida em lei, que também regulará o direito à renovação;


6. Garante a liberdade de pensamento, criação e expressão sem qualquer restrição pelo Estado. No caso das diversões e espetáculos públicos, o Estado limitar-se-á à informação ao público sobre a sua natureza, conteúdo e as faixas etárias, horários e locais em que a sua apresentação se mostre inadequada;


7. Assegura o direito de reposta aos cidadãos e às entidades;


8. Garante aos partidos políticos, às organizações sindicais, profissionais e populares o direito de utilização gratuita do rádio e da televisão (direito de antena);


9. Prevê a criação de mecanismos de proteção do cidadão de agressões sofridas pelos meios de comunicação; e


10. Cria os Conselhos Editoriais, compostos por representantes das empresas e dos profissionais, em toda empresa pública ou privada que detenha o controle de veículo jornalístico.


Suspensão, só por sentença do Judiciário


Recebidas as Emendas e feitas intensas negociações políticas, a Relatora consolidou um novo texto de Anteprojeto para ser submetido à votação na subcomissão (21 e 22 de maio). Em relação ao primeiro Anteprojeto, o novo texto incorpora as seguintes alterações principais:


1. Permite a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão (a) a brasileiros naturalizados há mais de 10 (dez) anos; e (b) a sociedades nacionais através de ações sem direito a voto e não conversíveis até 30% do capital social;


2. A composição do Conselho Nacional de Comunicação, ainda de 15 (quinze) membros, não está mais especificada no texto. Define-se apenas que os membros serão representantes do Pode Executivo, do Poder Legislativo, entidades empresariais, profissionais da área de comunicação e representantes das comunidades científica universitária e cultural, na forma da lei. Além disso, o Conselho Nacional de Comunicação, na nova versão, teria atribuição de propor ao Congresso Nacional políticas nacionais de comunicação e não mais de estabelecê-las autonomamente.


3. Exclui-se das organizações sindicais, profissionais e populares o direito de utilização gratuita do rádio e da televisão (direito de antena).


Votado o novo Anteprojeto da relatora, ele foi derrotado em praticamente todos os seus parágrafos e o Anteprojeto aprovado na Subcomissão para a área de Comunicação contempla os seguintes pontos principais:


– estabelece o direito à informação;


– assegura aos meios de comunicação o exercício do pluralismo ideológico e cultural;


– possibilita a concessão pelo Estado dos serviços de telecomunicações;


– permite a propriedade de empresas jornalísticas nos termos do 2º Anteprojeto da relatora;


– veda o monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação por parte de empresas privadas;


– estabelece como competência da União, ad referendum do Congresso Nacional, outorgar concessões, autorizações ou permissões de serviços de radiodifusão sonora ou de sons e imagens.


Além disso, as concessões, autorizações ou permissões serão por 15 (quinze) anos, e só poderão ser suspensas, não renovadas ou cassadas, por sentença fundada do Poder Judiciário.


Um novo substitutivo


Elimina-se, dessa forma, o Conselho Nacional de Comunicação e desaparecem as atribuições de estabelecer políticas segundo os princípios definidos nos anteprojetos da relatora.


As concessões têm seus prazos aumentados para 15 anos (o Código Nacional de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, em vigor, estabelece o prazo de 15 anos para televisão e 10 anos para rádio).


As cassações de concessões só poderão ser feitas pelo Poder Judiciário, embora não se preveja no texto aprovado a definição, pela Lei, das infrações que levariam a isso, o que equivale, na prática, a torná-las vitalícias.


Terminado o trabalho da Subcomissão, o tema Comunicação reaparece no Primeiro Substitutivo apresentado para discussão e apresentação de Emendas, no dia 8 de junho, pelo relator Arthur da Távola, PMDB-RJ, ao Plenário da Comissão Temática VIII – da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação.


O Substitutivo do relator recupera algumas idéias derrotadas na Subcomissão e apresenta os seguintes pontos principais:


1. Estabelece o direito à comunicação e o princípio de que a informação é um bem social;


2. Estende o monopólio do Estado á exploração dos serviços públicos de telecomunicações e transmissões de dados;


3. Impede o monopólio e/ou os oligopólios, tanto privados quanto do Estado, nos meios de comunicação;


4. Proíbe a existência de qualquer lei que restrinja a liberdade de imprensa;


5. Prevê o exercício da liberdade de expressão nas entidades e empresas de comunicação com a participação dos profissionais da área (Conselhos Editoriais);


6. Permite a propriedade de empresas jornalística e de radiodifusão (a) a brasileiros naturalizados há mais de 10 anos; e (b) a sociedades nacionais através de ações sem direito a voto e não conversíveis até 30% do capital social;


7. Assegura o direito de resposta a cidadãos e entidades;


8. Possibilita a proteção de cidadão de agressões sofridas pelos meios de comunicação;


9. Institui o Conselho Nacional de Comunicação (CNC), independente e com atribuição de formular políticas nacionais de comunicação dentro de quatro princípios: (a) Complementaridade dos sistemas público, estatal e privado nas concessões dos serviços de radiodifusão; (b) Prioridade a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; (c) Promoção da cultura nacional e regionalização da produção; e (d) Pluralidade e descentralização.


10. Remete à lei a definição sobre a instituição, competência, autonomia, vinculação administrativa e recursos necessários ao funcionamento do CNC.


Nenhum texto aprovado


Recebidas as Emendas e feitas negociações dentro e fora da Comissão Temática e, sobretudo, dentro do próprio PMDB – partido do relator e majoritário na Comissão –, foi elaborado um Segundo Substitutivo para ser submetido à votação na Comissão (12 a 15 de junho). O Segundo Substitutivo do relator alterava o Primeiro no que se refere à Comunicação, nos seguintes pontos básicos:


1. Define como competência do Poder Executivo, ad referendum do Congresso Nacional e ouvido o Conselho Nacional de Comunicação, a outorga de concessões, permissões e autorizações de serviços de radiodifusão;


2. Explicita que os serviços de radiodifusão serão constituídos pelos sistemas público, privado e estatal; e


3. Amplia a definição das agressões dos meios de comunicações para as quais a lei criará mecanismos de proteção das pessoas, incluindo a violência, aspectos nocivos à saúde, à família, ao menor e à ética pública.


Apesar das modificações efetuadas no Segundo Substitutivo do relator, como um todo, tanto ele como o Primeiro foram derrotados na Comissão Temática VIII, que foi a única a não encaminhar à Comissão de Sistematização nenhum texto aprovado.


III


O grupo ‘carlista’


Retomemos agora os fatos e personagens anteriormente referidos, relativos ao final do governo do general Figueiredo e início da ‘Nova República’.


Tancredo Neves, sabemos todos, faleceu antes mesmo de assumir a Presidência da República e com ele desapareceram também os compromissos assumidos com a democratização da comunicação. Alguns desses compromissos, como a criação de um Conselho Nacional de Comunicação que participasse da decisão de outorga, renovação e cassação de concessões de radiodifusão, embora reavivados por entidades de classe e parlamentares, têm sido derrotados na Constituinte.


A comissão instituída pelo ministro das Comunicações da ‘Nova República’ para reexame das concessões outorgadas ao final do governo do general Figueiredo, presidida pelo próprio eterno secretário-geral do Ministério, ao que se sabe, concluiu que não havia qualquer irregularidade do ponto de vista legal e que, portanto, nada poderia ser feito.


O senhor Antonio Carlos Magalhães continua ministro das Comunicações e é atualmente objeto de três CPIs no Congresso Nacional para apurar seu alegado envolvimento na compra, pelo senhor Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo, do controle da NEC do Brasil (fabricante de equipamentos de comunicações) e na transferência da programação da Rede Globo, na Bahia, da TV Aratu para a TV Bahia, tendo essa como sócios um cunhado, um irmão e um filho do ministro.


Além da articulação que faz pela sua liderança política na Bahia e no PFL (o deputado Eraldo Tinoco, por exemplo, relator da Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso, pertence ao grupo ‘carlista’ na Constituinte) e das pressões que exerce por força das prerrogativas e do poder de seu cargo, o ministro das Comunicações está diretamente representado na Constituinte pela presença de seu irmão (deputado Ângelo Magalhães, PFL-BA), e de seu filho (deputado Luís Eduardo, PFL-BA), ambos da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação. Além disso, o ministro compareceu pessoalmente à Comissão Temática onde defendeu, dentre outros pontos de vista, a manutenção do atual sistema de concessões de canais de rádio e televisão, na forma estabelecida na Lei nº 4.117/62.


Aliança com ‘evangélicos’


O secretário-geral do Ministério das Comunicações, senhor Rômulo Furtado, agora no cargo há mais de 13 anos, também está diretamente envolvido na Constituinte. Durante a fase mais crítica da votação dos substitutivos do relator na Comissão Temática, ele acompanhou os trabalhos do Plenário, ao lado de sua esposa, deputada Rita Furtado, PFL-RO, principal articuladora do chamado ‘grupo das comunicações’.


Fazem parte desse grupo constituintes vinculados, direta ou indiretamente, e empresas concessionárias de emissoras de rádio e/ou televisão, como os deputados Arolde de Oliveira, PFL-RJ (TV-Rio), presidente da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, Arnoldo Fioravante, PDS-SP (Rede Capital de Comunicações); Fausto Rocha, PFL-SP; (Sistema Sílvio Santos); José Carlos Martinez, agora não mais no PDS-PR, mas no PMDB-PR (Organizações OEME, TV Carimã-PR); José Elias, PTB-MS (TV Mato Grosso); Mendes Ribeiro, PMDB-RS (RBS –Rede Brasil Sul de Comunicações); Paulo Marques, PFL-PE (TV Tropical-PE), além do irmão e do filho do ministro das Comunicações.


Foram esses constituintes que, com a ajuda de outros três parlamentares do PMDB (Onofre Corrêa, MA; Aluízio Vasconcelos, MG; e Roberto Vital, MG) e um do PDS (Francisco Diógenes, AC), derrotaram praticamente toda a parte sobre Comunicação do Relatório da deputada Cristina Tavares, PMDB-PE, na Subcomissão.


Foi também o ‘grupo das comunicações’, acrescido dos deputados Ervin Bonkoski, PMDB-PR (Emissoras de Rádio, PR) e Renato Johnson, PMDB-PR (interesses da indústria eletroeletrônica), em aliança com os defensores dos interesses da escola particular e com os ‘evangélicos’ (defensores da censura moral e de costumes nos meios de comunicação), que derrotou os dois substitutivos do relator Artur da Távola, PMDB-RJ, na Comissão Temática.


Radicalização de posições


Quanto ao deputado José Carlos Martinez, (canal 10 de Cascavel, PR), como já vimos, não é mais do PDS, mas do PMDB-PR, e como constituinte é membro da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação. Foi ele quem apresentou uma emenda ao Anteprojeto da relatora (Emenda 8B001-7 de 14/05) propondo a criação de uma Comissão Nacional de Comunicação, composta por 13 (treze) membros – 6 representantes do Poder Executivo, 6 do Poder Legislativo e 1 presidente indicado pelo presidente da República com competência para emitir parecer sobre os pedidos de concessão e renovação dos serviços de radiodifusão para decisão final do presidente da República.


Menos de uma semana depois, no entanto, o mesmo deputado apresentou outra emenda (Emenda 8b231 de 20/05) que dava competência à União para, ad referendum do Congresso Nacional, ‘outorgar concessões, autorizações ou permissões de serviços de radiodifusão’, estendendo o prazo de tais concessões, autorizações ou permissões para 15 (quinze) anos e tornando-as praticamente vitalícias, de vez que ‘só poderão ser suspensas, não renovadas ou cassadas, por sentença fundada do Poder Judiciário’.


Foi essa segunda Emenda (8b231) do deputado José Carlos Martinez, PMDB-PR, que deu origem à ‘questão de ordem’ levantada por aqueles que defendiam a criação do Conselho Nacional de Comunicação nos termos propostos pela relatora. Eles a consideravam substitutivo do artigo que definia a competência do CNC e não daquele que o criava. Aprovada a Emenda com a derrota da ‘questão de ordem’, oito membros titulares retiraram-se do Plenário da Subcomissão, desencadeando-se, então, o processo de radicalização de posições que, ampliado na Comissão Temática, gerou o impasse que levou à não votação de nenhum texto a ser encaminhado à Comissão de Sistematização.


Interesses pessoais


A retirada dos oito titulares em protesto pela votação da Emenda do deputado José Carlos Martinez, PMDB-PR, eliminando o Conselho Nacional de Comunicação, possibilitou ao presidente da subcomissão – deputado Arolde de Oliveira, PFL-RJ – indicar o próprio deputado José Carlos Martinez para substituir a relatora até o final da votação. Esse fato fez com que o presidente da Subcomissão e a Liderança do PFL na Constituinte tentasse destituir a deputada Cristina Tavares do cargo de relatora da Subcomissão e garantir, assim, mais um voto ao ‘grupo das comunicações’ na Comissão de Sistematização. A manobra, no entanto, não prosperou por decisão expressa da Mesa da Assembléia Nacional Constituinte.


Cabe ainda ao mesmo deputado José Carlos Martinez, PMDB-PR, um interessante argumento contrário à criação do Conselho Nacional de Comunicação publicado no Correio Braziliense, no dia 20 de junho. O ilustre deputado invoca, dentre outras, razões de ordem ética para justificar sua posição.


A matéria, sob o título ‘Martinez: Conselho é movido a propina’ informa:




‘O deputado José Carlos Martinez (PMDB-PR) teme pelo pior, caso o Conselho Nacional de Comunicação venha a se concretizar no andamento dos trabalhos constitucionais. A seu ver, os conselhos hoje existentes no país não estimulam a criação de outros organismos. ‘A maioria desses conselhos são movidos à corrupção, a propinas e a favores condicionais’, declara Martinez, que vê seus integrantes como os únicos beneficiados em tudo isso. ‘Imaginem um determinado cidadão que possui uma concessão de canal de rádio lá no interior de Mato Grosso do Sul, por exemplo. Pois bem, imaginem este cidadão ter que se deslocar do município onde vive até Brasília, para implorar aos donos do Conselho de Comunicação a renovação da licença de sua rádio. Além do indivíduo não ter dinheiro para vir a Brasília, isso é a cúmulo do absurdo.’


Infelizmente, num país de memória curta como o nosso, joga-se despudoradamente com o esquecimento público para escamotear os interesses pessoais envolvidos em questões que deveriam estar sendo tratadas, na Constituinte, pela perspectiva do interesse coletivo.


IV


Muito pouco para democratização


Encerradas as etapas das Subcomissões e das Comissões Temáticas, aqueles interessados na democratização da comunicação no país não possuem razões para otimismo.


As votações realizadas até agora revelaram, com nitidez, que as questões em jogo não estão sendo decididas partidariamente, mas sim, de acordo com posições e interesses pessoais e ideológicos: 5 (cinco) constituintes do PMDB votaram contra a relatora do PMDB na Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, aliando-se ao PFL, ao PDS e ao PTB; e 14 (quatorze) constituintes do PMDB também votaram contra o relator do PMDB na Comissão Temática, aliando-se ao PFL, ao PDS, ao PL e ao PDT e PTB divididos.


Para os constituintes eleitos pelo PMDB, a questão, no que se refere à Comunicação, torna-se ainda mais grave de vez que o programa do partido é explícito em afirmar, por exemplo, a necessidade de ‘uma profunda revisão do regulamento que disciplina a concessão e o funcionamento do rádio e da televisão’. Além disso, o I Congresso Nacional do PMDB, realizado em agosto de 1986, com o objetivo específico de tirar posições para orientar a ação do partido na Constituinte, aprovou a criação do Conselho Nacional de Comunicação com competência para emitir parecer conclusivo sobre concessões de canais de rádio e televisão para deliberação do Congresso Nacional.


A ação do chamado ‘grupo das comunicações’ em defesa de interesses pessoais provocou, tanto na Subcomissão quanto na Comissão, o recurso, em ‘questão de ordem’, ao Regimento da Câmara dos Deputados que, no parágrafo 4º de seu artigo 170, diz, expressamente, sobre o processo de votação:




‘Tratando-se de causas própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o deputado dar-se por impedido, fazendo comunicação nesse sentido à mesa. Para efeito de quorum, seu voto será considerado em branco.’


O recurso, no entanto, nos dois casos, foi em vão.


O resultado formal de todo o trabalho até aqui desenvolvido na área da Comunicação foi a inclusão na Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo, do item XIV do artigo 4º que estabelece caber ao Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República, dispor sobre ‘sistema nacional de radiodifusão, telecomunicação e comunicação de massa’ e, também, do item XIV do artigo 5º, que estabelece a competência exclusiva do Congresso Nacional para ‘conceder e renovar a concessão de emissoras de rádio e televisão’.


Ainda é muito pouco na direção da democratização de uma esfera tão vital na manutenção e reprodução dos sistemas de poder nas sociedades contemporâneas.


[Julho de 1987]

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)