Elementar, nuclear, primal – a corrupção é o problema dos problemas, ponto de partida de todos os nossos vícios e malefícios. É a disfunção genética do Estado brasileiro que desvirtua, avilta, deteriora e perverte as melhores leis, instituições, costumes e intenções.
Os entraves que impedem o nosso progresso em todos os campos estão diretamente relacionados com a corrupção e a impunidade. Todos. Da indústria das emendas orçamentárias oriundas do Legislativo à indecente troca de cargos por votos, das nomeações de notórios incompetentes aos conflitos de interesses enquistados nos desvãos do poder público, do abuso do álcool ao volante (responsável pelas 50 mil mortes no ano passado) ao crescimento exponencial do narcotráfico e das milícias, das falhas da Defesa Civil às agressões ao meio-ambiente, da inoperância dos sistemas de fiscalização de serviços públicos às trapaças das licitações para concessões, tudo tem a mesma matriz e o mesmo DNA – a complacência com a imoralidade. A prevaricação é tamanha que chega a deturpar o próprio sentido das palavras e dos valores que representam.
Duas legiões
Lutar contra a imoralidade tornou-se opção arcaica, burguesa, reacionária, oposta à noção de modernidade e eficácia. E isso a tal ponto que dos 28 partidos políticos registrados até 27 de setembro último nenhum ousou desfraldar de forma ostensiva, inequívoca, a bandeira da luta contra a corrupção.
A 29ª agremiação legalizada, o Partido Social Democrático (PSD), engendrado pelo prefeito paulistanoGilberto Kassab, ofereceu como prova de sua universalidade – ou inapetência para compromissos – a promessa de que não será de esquerda, de direita ou de centro, porém não se manifestou a respeito da maior aspiração da sociedade brasileira: o império da decência.
Nem poderia, porque o próprio nome da sigla é uma tremenda fraude histórica, seu nome de batismo foi afanado, caso clássico de apropriação indébita. Sequestro clássico: a social-democracia – com ou sem hífen – ostenta um passado de conquistas sociais, humanas, políticas e éticas sem paralelo no mundo, sobretudo na Europa, com sólidas ramificações na América Latina, Oriente Médio, Ásia e Oceania.
Deturpar o passado, desvirtuar significados e assumir ostensivamente um comportamento enganoso, mesmo no plano imaterial, é indecoroso; a probidade deve valer em todas as esferas. Mesmo com o louvável intuito de confrontar esta excrescência política chamada PMDB, o logro recém lançado no mercado dos votos com o nome de PSD é injustificável. Só servirá para consagrar a promiscuidade e a galinhagem eleitoral cujo destino final é, sabidamente, a corrupção e sua dileta cria, a impunidade.
Os 20 mil indignados e idealistas brasilienses que na quarta-feira (12/10) esqueceram o feriado e manifestaram-se contra os corruptos e seus beneficiários não precisam ostentar propostas concretas ou programas definidos. Acreditam na primavera brasileira e isto é o bastante. Tal como os seus co-irmãos norte-americanos (principalmente novaiorquinos) que investem contra Wall Street, mas na realidade estão resistindo à anarquia do Tea Party. Acima e abaixo do Rio Grande, as duas legiões defendem o Estado decente, justo, isonômico.
As diferenças
Os grandes clamores populares que mudaram os rumos da humanidade nos últimos 500 anos não obedeciam a plataformas rígidas, arrumadas. Foram explosões de insatisfação que hoje podem ser canalizadas através das redes ditas “sociais” e da mídia tradicional. E se estas se mantêm acríticas, perplexas, aparvalhadas – como tem acontecido – convoque-se o magnata Warren Buffet que acaba de divulgar ruidosamente a sua declaração de rendimentos: pagou apenas 17,4 % de imposto, enquanto que, para seus empregados, a alíquota foi de 30%.
O magnata e social-democrata alemão Walter Rathenau, um dos pilares da falecida República de Weimar, também favorecia o imposto sobre fortunas. Foi assassinado pelos precursores do nazismo.
Está claro: o mundo clama pelo fim dos privilégios. A corrupção quer mantê-los.