Diante do quadro de depressão generalizada da economia mundial, cabe-nos, como cidadãos antenados com o nosso mundo e nosso tempo, perguntar qual o papel ou papéis anteriores e atuais da mídia nacional e internacional sobre o tema, afim de nos mantermos corretamente informados sobre as causas e conseqüências desse evento.
Além do já sabido e amplamente divulgado assunto pelos meios de comunicação de dentro e fora do país, fica a impressão de que alguns meses que antecederam a crise tudo corria bem, mas realmente não era esse o caso. Talvez essa impressão esteja diretamente ligada à falta de informação e atenção dispensadas.
No ano anterior ao desenvolvimento da quebra dos bancos americanos já haviam sinais de que a coisa não caminhava bem. Mas o maior problema é que, tradicionalmente, a imprensa sempre dá um ‘jeitinho’ para deixar o cidadão muito confiante. Ela age dessa forma para aumentar a credibilidade dos setores que a alimentam. Não dá para falar mal das grandes empresas e da forma como elas e os governos corruptos e descomprometidos com a população encaminham a economia (sim, porque são as grandes corporações que ditam as regras) se são eles também que sustentam a mídia dependente mundial.
O vazio existencial
Se pararmos para pensar em como a economia ditada na época (quase totalmente infectada pelo neoliberalismo) e ainda hoje defendida por grande parte dos economistas, notaremos os absurdos contidos nos discursos do crescimento infinito das empresas e produtos e, conseqüentemente, do consumo irracional. Essa visão, além de ser notadamente ilógica, realça ainda mais a falta de uma política global da economia, acrescida de valores mais sólidos como bem-estar social e felicidade, baseados em projetos futuros mais humanos e inteligentes e que direcionem essa mesma economia mundial para caminhos mais ecológicos.
Esse é hoje, inclusive, a base dos discursos de Nicolas Sarkozy. O presidente francês, embora esteja tentando alertar a Europa e os EUA sobre esse importante projeto conjunto, ainda não conseguiu que seu discurso fosse acolhido com a atenção que merece. Não defendo aqui a posição de nenhum político ou país, mas nesse caso o alerta de incertezas futuras mais uma vez está sendo negligenciado e a mídia por sua vez, ainda não se deu conta de que o mundo como era antes só vai terminar se velhos dogmas e burrices forem passadas a limpo.
Uma das falhas mais óbvias da mentalidade neoliberal é aquela que determina que as empresas devem conseguir o maior lucro possível em um menor tempo possível. Para isso, as grandes corporações contam com estratégias muito bem planejadas que desembocam em verdadeiras campanhas ideológicas de aumento de consumo irracional. A moda é apenas uma das estratégias para fazer algo que ainda serve se transformar em coisa obsoleta. A moda hoje não desfila apenas sobre os ombros e as coxas das lindas modelos, mas está sorrateiramente embutida em praticamente todos os produtos que consumimos. Hoje não consumimos produtos, mas estilos de vida. As pessoas estão fascinadas não pelo automóvel como meio de transporte, mas por aquilo que ele pode representar como status dentro da sociedade. Não se compram nem se vendem mais automóveis, roupas, sapatos, bolsas, cadernos, relógios etc., mas desejos de preenchimento do vazio existencial que é o que se sente quando a vida é baseada no ‘ter’, e não no ‘ser’.
Uma medida paliativa
Voltando um pouco à discussão sobre o lucro em tempo recorde buscado pelas corporações e empresas, veremos ainda que essa busca é por si só causa de grandes males às sociedades. Se, por exemplo, todas as empresas pagam baixos salários aos seus funcionários, na ânsia por maiores lucros, jogando-os ao endividamento e ao stress, a bolha maligna irá aumentar continuamente até estourar. O estouro poderá vir em várias formas e o que estamos presenciando é uma forma de explosão cuja causa principal é a ausência de confiança e capitalização dos consumidores mundiais. Fica fácil, então, entender qual foi uma das causas da atual crise.
Se todas as empresas do mundo diminuem os salários de seus empregados, deixando apenas uma margem pequena para que as pessoas sobrevivam e, continuamente exercendo pressão para o consumo desenfreado (endividamento) através da propaganda e massificação, fica óbvio que em determinado momento não haverá o mesmo número de consumidores e com as mesmas condições de continuarem comprando. Num sistema globalizado de estratégia de lucro e economia, a bolha estoura e os pedaços caem praticamente sobre todas as partes do globo.
É esse um dos motivos de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apoiado pela mídia, conclamar as pessoas ao consumo. É esse o motivo também da redução do Imposto de Renda sobre a pessoa física no Brasil, é esse também o motivo pelo qual o governo chinês anda distribuindo dinheiro aos pobres e o novo presidente americano acena com diminuição de impostos. Mas apenas conclamar as pessoas ao consumo não vai adiantar porque o cidadão quer consumir, mas já não pode mais, devido ao endividamento endêmico da classe média e da classe pobre. Além disso, isso não passa de medida paliativa porque o que realmente precisaremos mudar são os valores das sociedades. Sociedades baseadas no lucro, ganância e consumo não terão futuro e se houver algum ele certamente será bem pior do que o nosso presente.
Os ícones das novas gerações
Caberia à mídia, nesse momento, alertar as pessoas sobre as verdadeiras causas da depressão econômica que já bate às nossas portas. Com o crescente nível de desemprego, mais e mais pessoas deixarão de consumir, levando mais empresas a caírem em desgraça, gerando mais desemprego, numa bola de neve que só poderá ter um fim quando novos paradigmas forem adotados. Isso acontecerá enquanto o sistema econômico baseado na ganância pilotar o barco do mundo. Novas soluções deverão ser adotadas para diminuir as diferenças sociais e novas medidas deverão ser tomadas para conter a ganância de alguns em detrimento da qualidade de vida da maioria. Quando digo qualidade de vida, não me refiro à vida baseada em consumo de porcarias desnecessárias, mas qualidade de vida baseada em paz, saúde, educação, respeito à natureza, ou seja, tudo que promove uma vida mais humanizada.
É a divulgação desses conceitos um dos principais deveres de uma mídia compromissada com o futuro sadio das sociedades, e não apenas com o capital gerado, na maioria das vezes, por políticas econômicas e sociais enganosas, onde o sujeito mais ‘esperto’, desonesto, ladrão e enganador é o herói que deu certo. É o cara que dirige uma Ferrari e se veste com um Armani e que deixou em seu rastro uma multidão de empobrecidos, um mundo deteriorado, tanto física quanto moralmente. São esses os heróis aclamados pela mídia e que servem de ícones para as novas gerações.
O papel da mídia, dos meios de comunicação, sempre foi e sempre será o de contribuir para o avanço intelectual e humano das sociedades, mas pelo que temos assistido, escutado e lido, a crise de valores da mídia pode ser ainda maior do que a crise econômica.
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Lighting designer, Campinas, SP