Ainda deverá demorar a chegar o momento em que a sociedade brasileira terá acesso às informações públicas contidas em documentos que hoje são considerados secretos. A discussão sobre o projeto de lei de acesso a informações públicas, está longe do fim. Na quarta-feira (31), os senadores Sérgio Souza (PMDB-PR) e Marcelo Crivella (PRTB-RJ), apresentaram na Comissão de Relações Exteriores 16 emendas ao PL 41/2010 (clique aqui para conhecer as emendas). A intenção é iniciar a análise do projeto e das emendas na próxima quinta-feira (8), depois do feriado de Sete de Setembro. Mas será apenas o começo da tramitação no Senado. Na avaliação do senador Sérgio Souza (PMDB-PR), autor de algumas das emendas, é possível que o projeto receba cerca de cem emendas até o final da sua análise, retrato de como a discussão é polêmica.
As divergências começam já a partir da posição do próprio presidente da Comissão de Relações Exteriores, o ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL). Na quarta-feira (31), Collor leu seu relatório com parecer favorável ao projeto, porém com uma série de alterações que, na verdade, visam preservar o sigilo de boa parte dos documentos. As mudanças apresentadas pelo senador vão na direção contrária da decisão das comissões em que o projeto já tramitou (Constituição e Justiça, Direitos Humanos e Ciência e Tecnologia), que aprovaram o texto enviado pela Câmara, que prevê uma ampla possibilidade das informações e dos documentos reservados.
No caso, a preocupação de Collor é com a publicidade de informações delicadas sobre decisões de governo. Algumas das emendas apresentadas já se preocupam com a preservação de decisões tomadas pelo próprio Congresso. É o caso das emendas apresentadas por Sérgio Souza. Ele acha que precisam ser preservadas as decisões tomadas com voto secreto na Câmara e no Senado. Ele propõe que, após a proclamação do resultado, as informações de voto secreto sejam apagadas (se a votação foi no painel eletrônico) ou as cédulas de votação incineradas (quando a votação for em urna).
Na linha do relatório apresentado por Collor, Sérgio Souza também propõe regras diferentes para a classificação de documentos estabelecendo a prorrogação ilimitada para os que forem classificados como “secreto” e “ultrassecreto”. “Há situações que devem ser analisadas para ver se é prudente dar conhecimento daquilo ou não em detrimento da soberania nacional. Não sabemos qual será o cenário mundial daqui a 50 anos”, afirmou.
WiliLeaks
Para o senador Fernando Collor, a aprovação do projeto de lei oficializaria uma “espécie de WikiLeaks, com todos os seus inconvenientes e perigos”. Collor também criticou o artigo que obriga a publicidade de todas as informações oficiais na internet. Ele mostrou-se preocupado com possíveis ataques de hackers, como os que ocorreram recentemente com sites oficiais, como o da Presidência da República. Para Collor, essa obrigatoriedade deveria ser apenas uma possibilidade. Além desses pontos, ele defendeu também a supressão dos artigos que obrigam a divulgação pró-ativa de informações de interesse público e a possibilidade de requerer informação sem necessidade de justificativa. Caso o PL 41/2010 seja modificado na Comissão de Relações Exteriores, ele retornará à Câmara dos Deputados para ser novamente votado.
Assim como Collor, outros parlamentares afirmaram estar receosos quanto à aprovação da lei. Em junho, o presidente do Senado, José Sarney
(PMDB-AP), também externou suas preocupações quanto à divulgação de algumas informações referentes a decisões de governo que envolveram determinadas questões diplomáticas. “A abertura total, não. Documentos históricos, que fazem parte da nossa história diplomática, que tenham articulações, como a que [o barão do] Rio Branco teve que fazer muitas vezes, não podemos revelá-los, senão vamos abrir feridas”, afirmou aos jornais em junho. O barão do Rio Branco foi o responsável pelas negociações com a Bolívia que levaram à anexação do Acre em 1867.
O Brasil não tem ameaças
No entanto, para o cientista político canadense Greg Michener, que pesquisa os processos de acesso a informações governamentais sigilosas na América Latina, o argumento de que a publicação de determinadas informações hoje sigilosas pode trazer problemas diplomáticos ou outras situações embaraçosas para o país não procede. “O Brasil não tem ameaças reais por parte de outros Estados. As fronteiras são seguras e o país tem boas relações diplomáticas. Essas ameaças são imaginárias”, avalia Michener.
No entanto, mesmo com apoio de setores importantes do governo, o Congresso ainda hesita em aprovar o PL 41/2010. Michener destaca que uma das possíveis causas para a postergação constante do projeto de lei no Congresso esteja ligada à Copa e às Olimpíadas. “O sigilo tem uma tradição muito grande no Brasil. Se a lei for aprovada este ano, já valerá para o ano que vem e muitos contratos para esses dois eventos ainda estarão sendo fechados, e outros tantos sendo executados. E essa lei poderá revelar muita coisa que se preferiria manter em segredo”, explica.
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Lei estabelecerá novos padrões de transparência
A lei de acesso à informação pública deverá estabelecer novos padrões de transparência no setor público. Órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o Ministério Público, todos no âmbito federal, estadual, municipal e distrital terão de se submeter à lei, mudando o caráter de confidencialidade de seus documentos. “A informação passa a ser a regra, e não o sigilo. Essa é a grande mudança de pensamento que deverá ocorrer para que a lei seja efetiva e abrangente”, defende o cientista político canadense, Greg Michener, estudioso do processo de acesso às informações governamentais sigilosas na América Latina.
Para se adequar às exigências, os órgãos deverão ter uma equipe específica para o atendimento à população. Nos Estados Unidos, o custo anual para manter o atendimento à população e o arquivamento das informações chega a quase meio bilhão de dólares gastos por ano.
“Parece um custo bastante elevado, mas na verdade não é. Ele volta na forma de um melhor gerenciamento dos gastos públicos e no investimento de empresas que buscam informações para se instalar em um determinado local”, explica Michener.
Para o cientista político, os benefícios econômicos que a aprovação da lei podem gerar são o grande ponto que os brasileiros ainda não compreenderam. Segundo ele, a falta de transparência de um país tira pontos na hora de os investidores onde colocarão seu dinheiro. “Se o Brasil quiser seguir sendo um competidor no cenário internacional ele deve se abrir para o mundo, no sentido de abrir suas informações mesmo. De ser mais robusto do ponto de vista fiscal e monetário. O sigilo de informações é uma boa maneira de atrasar um país”.
Dos dezenove países da América Latina, doze já conseguiram aprovar uma lei que garante o amplo acesso do cidadão a documentos públicos (México, Chile, República Dominicana, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá, Colômbia, Equador, Peru e Uruguai).
Argentina, Brasil e Bolívia já possuem projetos de lei em tramitação. O Paraguai chegou a discutir um projeto de lei regulamentando o direito de acesso à informação garantido pela Constituição Federal, mas a iniciativa foi postergada. Já na Venezuela, não existe qualquer projeto que trate do assunto, apesar de a Constituição garantir o direito à informação e à obtenção de “resposta oportuna e adequada” às solicitações de dados públicos. Em Cuba a Constituição não reconhece o direito de acesso a informações públicas.
Michener, que fez um levantamento sobre o assunto na região, explica que falta um engajamento da população para pressionar o governo.
“Principalmente, a imprensa brasileira deixa a desejar. Nos outros países latino-americanos, ela foi o motor que conduziu a aprovação das leis”.
Auxílio no combate à corrupção
Atualmente tramitam no Congresso mais de uma centena de projetos de lei considerados importantes para coibir casos de corrupção – não é possível precisar o número de acordo com informações da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Em declarações recentes, o senador Walter Pinheiro (PT-BA) afirmou que a formação da frente suprapartidária de apoio ao combate à corrupção trará mais luz ao debate sobre o tema. A esperança do senador, é que o projeto “saia do colo” do senador Fernando Collor e volte ao plenário para votação.
Desde que o PL chegou ao plenário da Casa, o senador baiano fez inúmeros pedidos públicos para que o presidente da Mesa, senador José Sarney colocasse o projeto em votação.
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[Mariana Haubert é da Redação do Congresso em Foco]