Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A educação que não está no mapa

A repercussão foi grande. No país e no exterior. Os jornais divulgaram à saciedade. Um mapa de geografia da 6ª série em material didático distribuído na rede estadual de ensino de São Paulo traz dois Paraguais (nenhum deles no lugar certo), solucionando assim a polêmica em torno da Itaipu. O Uruguai perdeu o acesso ao mar. O Equador não aparece… talvez como punição por não querer pagar o que nos deve. Haja ‘fronteiras permeáveis’, como no título da apostila:



Não foi a primeira falha. Houve e há, em outras apostilas, erros de ortografia, datas erradas (Colombo chegou à América em 1942, fugindo da guerra na Europa…), expressões em inglês incorretas. Mas fiquemos somente com o mapa. A Secretaria da Educação de São Paulo buscou o bode expiatório. E encontrou – a Fundação Vanzolini é mencionada como a responsável pelo projeto gráfico da apostila.


Um erro grosseiro


A prestigiosa Fundação, que trabalha com a certificação ISO 9000, se defendeu no começo, dizendo que o material fora produzido por professores indicados pela própria Secretaria. Depois afirmou que os erros foram causados involuntariamente pelo processo de diagramação. Ora, quem falou em erros voluntários? Voluntária, no entanto, foi a falta de rigor na revisão.


O governador José Serra atuou de maneira correta. Declarou na primeira oportunidade que a Secretaria também tinha culpa no cartório. Nada como admitir a culpa de maneira direta para abafar o caso… sem colocar o dedo na ferida. O mapa equivocado é apenas um detalhe no equivocado contexto educacional de São Paulo. O descuido cartográfico reflete outros problemas. Onde fica o professor nessa geografia? E os alunos? E quanto se gastou para, afinal, obtermos um mapa desses? Gastou-se pouco – e por isso não se contrataram melhores mapeadores?


A professora Sonia Castellar, do curso de Pedagogia da USP (curso que, se dependesse da secretária da Educação Maria Helena Guimarães de Castro, já teria sido eliminado) foi taxativa: ‘Um horror e um erro gravíssimo.’ O senador Cristovam Buarque não deixou por menos: ‘Não é um erro menor colocar o Paraguai no lugar do Uruguai. É uma vergonha que repercute internacionalmente de forma negativa para nossa educação, nosso país.’ O ministro da Educação, Fernando Haddad, também se pronunciou: ‘Um erro grosseiro que poderia ter sido evitado. Podemos oferecer apoio técnico e financeiro para que erros como esses não ocorram novamente.’


Descrição surrealista


José Simão, na Folha de S.Paulo soltou as piadas prontas:




‘Livros didáticos de São Paulo têm mapa com dois Paraguais’. Dois Paraguais? Um serve de estacionamento de carro roubado no Brasil! E os Irmãos Bacalhau dizem que é coerente ter dois Paraguais. Um deles é falso! Mas podia ser pior. Já pensou se fossem duas Argentinas? Rarará! […] A educação em São Paulo tá incrível, hein!


A repercussão na mídia de outros países da América do Sul foi expressiva.


No dia 18 de março, La Nación, do Paraguai, produziu manchete em que se nota a ponta de mágoa: ‘Libro brasileño confunde en el mapa a Paraguay con Uruguay’.


O jornal argentino Clarín, no mesmo dia 18, descreveu o mapa surrealista – o Paraguai, que está agora sob o Rio Grande do Sul, conquistou boa parte do território da Bolívia; a Colômbia viu sua fronteira amazônica invadida pelo Brasil; o Uruguai tornou-se país mediterrâneo.


Motivo maior


No La Nación do Chile, mais motivos para nos envergonharmos:




‘Los autores del libro – destinado a alumnos de 12 y 13 años – decidieron rehacer la labor de Simón Bolivar y, simplemente, renovar los actuales límites de Sudamérica. Así, decidieron realizar un enroque entre Uruguay y Paraguay quedando este último con salida al Atlántico. Además, crearon un segundo Paraguay y lo instalaron en la parte sur de Bolivia, país que se redujo notoriamente y que, lamentablemente, ni siquiera en este entuerto le tocó alguna playita. Peor le fue a Ecuador que de un plumazo fue eliminado del mapa al igual que una parte de Colombia.’


O jornal chileno teve o cuidado de tornar as falhas mais evidentes:



E depois de tudo acrescentou, com ironia: ‘A caipirinha devia estar boa!’

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br