Uma pequena história que, com certeza, acontece aos montes em todo o Brasil; algo inato, que floresce com os indivíduos ao longo de suas vidas e desemboca numa escolha não por uma profissão exatamente, mas sim, por uma postura de ética e crítica perante o mundo.
Condicionar a presença de valores morais e éticos nos indivíduos à sua passagem por um determinado curso universitário é exterminar a importância da família e do ambiente na formação das pessoas – assim como monopolizar as palavras a favor de determinados profissionais é encoleirar uma nação ao pensamento de alguns grupos econômicos.
Imaginem um certo Fulano, cuja família sempre o estimulou de forma bastante enfática a participar de todas as decisões e a entender as questões do mundo, a exemplo da pobreza, da criminalidade, das vertentes religiosas, dentre outros assuntos. Desde cedo, esse certo Fulano teve contato com outras realidades por meio de visitas a comunidades carentes promovidas pela escola e também pelo intercâmbio com a África do Sul. Diferentemente da maioria dos adolescentes, esse certo Fulano já demonstrava aos 15/16 anos de idade posições firmes perante as demandas da atualidade e discorria com desembaraço sobre todos estes tópicos. Aos 17 anos, já no último ano do secundário ou antigo colegial, Fulano decide prestar vestibular para Sociologia.
Monopólio da palavra
Aprovado com louvor, Fulano ingressa na Universidade mais renomada do seu país e já no primeiro ano desperta a atenção dos professores pela defesa firme de suas opiniões e pelo interesse em participar de atividades extra-classes em comunidades carentes de sua cidade, desenvolvendo pesquisas acadêmicas sobre pobreza e criminalidade. Com o investimento de uma fundação ligada à sua faculdade, Fulano teve oportunidade de ampliar seus trabalhos para outros países por meio de viagens periódicas para participar de debates e palestras. Com uma bagagem de vida e experiência profissional bastante robustas, Fulano decide aprender a montar um site de notícias para exposição de suas idéias e troca de informações com os internautas. Após um curso rápido de web design, Fulano disponibiliza na web as informações contidas em suas pesquisas – sem nada entender de jornalismo online.
Em poucos meses, Fulano ganha destaque na internet por seu conteúdo diferenciado. São centenas de e-mails diários e milhares de visitas. Além disso, centenas de comentários são deixados diariamente sobre os artigos e pesquisas. Da exposição de suas experiências surgem grupos de pesquisa por todo o Brasil sobre pobreza e criminalidade e palestras e mesas-redondas são agendadas em várias universidades brasileiras. Vários jornais impressos locais e emissoras de TV e rádio abrem espaço para os textos de Fulano, além de entrevistas ao vivo no horário nobre. O talento somado às oportunidades de expor idéias na internet trouxe a possibilidade de enriquecer o papel da imprensa, que é discutir a realidade na qual vivemos.
Agora imaginem se Fulano fosse proibido por um decreto que nos remete aos tempos da ditadura de expor suas opiniões na internet por não ter um pedaço de papel que certifique sua competência de exercer a profissão. Com certeza, muito poucas pessoas teriam acesso aos seus trabalhos, o que inclui tanto a sociedade como a comunidade acadêmica. Tantas experiências deixariam de ser compartilhadas e dezenas, talvez centenas, de palestras e mesas-redondas deixariam de ocorrer em todo o Brasil como resultado de uma política de monopólio da palavra a favor de um segmento profissional que, em tese, detém melhores condições técnicas de utilizá-las.
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Jornalista, Salvador, BA