Pense num absurdo, na Bahia tem precedente. Essa frase do ex-governador Octávio Mangabeira é tão real e triste que ainda assusta alguns baianos que não perderam o poder da indignação. Os absurdos na ‘boa-terra’ são tão comuns quanto o acarajé da esquina. Em geral, são produzidos pela política e a imprensa.
Os meios de comunicação baianos sempre foram marcados pela fortíssima influência política. Em geral, numa polarização entre carlistas e seus opositores. Mas, política à parte, falemos da grande usina de absurdos locais. A imprensa.
Temos em nosso quadro de jornalistas figuras inusitadas, que não dificilmente fariam o sucesso em qualquer outro lugar do mundo, mas aqui disputam picos de audiência. O carismático Zé Bin é um dos exemplos clássicos. Em seu programa Que venha o povo descobre figuras engraçadas no meio da rua, visita favelas, dança de forma desajeitada e usa chavões ridículos para definir a situação de detentos entrevistados por ele nas delegacias. Como exemplo, a célebre frase ‘acabou o milho’, à qual os presos respondem ‘acabou a pipoca’.
Subindo um canal no controle remoto, saímos da Aratu-SBT e entramos na Record Bahia, onde Zé Eduardo comanda o Se liga, Bocão. Uma cópia do programa anterior, idealizado pelo próprio Bocão antes de mudar de emissora, com ênfase nas discussões de vizinhos, confusões, baixarias e as mesmas entrevistas com bandidos presos. Nesse ponto, ele supera o seu ex-parceiro. A pergunta ao detento é ainda mais ridícula: o fumo entrou?
Apoio aos perdedores
Mas passemos ao grande campeão de audiência da Bahia, Raimundo Varela, mais conhecido como ‘Seu Valera’. Usando o formato de programa que consagrou o antigo apresentador Fernando José, que virou prefeito de Salvador, Seu Valera usa e abusa do populismo, ainda mais que todos os outros. Seu programa, Balanço Geral, virou padrão nacional na Rede Record por influência do presidente da emissora, Alexandre Raposo, ex-parceiro de Varela na TV Itapoan, quando Raposo era o diretor da emissora baiana. Homem de muita visão, Raposo viu a força do formato do programa e o distribuiu por todo o país. Deu certo.
Varela na Bahia é o novo pai dos pobres. Denuncia os descasos administrativos, a corrupção, o abandono das periferias locais e se diz não-político. Essas características criaram sobre esse personagem ímpar uma imagem quase santificada junto ao povo carente. Infelizmente, isso não se reverteu em votos e Varelão apoiou dois candidatos perdedores nas eleições municipais de Salvador esse ano. No 1º turno apoiou ACM Neto, do Democratas, e perdeu. Pulou fora dessa coligação e passou a apoiar, pasmem, Walter Pinheiro, do PT. Mas o pior ainda está por vir.
O filho da ditadura
Como se não bastassem esses exemplos vamos agora ao maior de todos os absurdos: o senhor Mário Kertész, ex-prefeito nomeado pela ditadura e afilhado político do finado senador Antonio Carlos Magalhães. Carreira política a parte, o senhor Kertész comprou uma estação de rádio em Salvador onde apresenta três programas diariamente. Pois bem, no dia 28/10, ao ser questionado por um ouvinte sobre o porquê de só abrir espaço para os comentários políticos do democrata Paulo Souto e não colocar outros políticos de outras tendências no ar, o comunicador chamou o ouvinte de asno – literalmente e enfatizando sua expressão. Defendeu-se dizendo ser democrático e afirmando que o seu programa entrevista pessoas de diversas correntes.
Mas entre entrevistar e colocar no ar semanalmente a opinião política de um único partido existe uma grande diferença. Segundo Kertész, atitudes como a desse ouvinte, tentam ‘censurar o seu programa, é uma completa burrice, uma asneira sem tamanho, coisa de asno mesmo’. Essas doces palavras do radialista destinadas a um ouvinte são um exemplo clássico dos absurdos a que são submetidos os baianos.
Mas, cá entre nós, ser chamado de burro não é o pior. O pior é continuar ouvindo as zurradas desse ‘senhor da verdade’. Esse exemplo de democracia e tolerância política foi apenas uma das demonstrações da postura ética desse comunicador baiano. Porém se vivemos alimentando essas figuras que se alimentam da miséria e da ignorância do povo, como questionar o argumento do filho da ditadura?
A ‘boa terra’
Será que devemos ser como os três macaquinhos? Não ouvir rádio, não ver TV e muito menos nos pronunciar? Será essa a regra na Bahia dos absurdos?
Certo mesmo estava o meu ilustríssimo conterrâneo Gregório de Matos quando, muitos anos atrás, em uma profética poesia, definiu a ‘Boa Terra’ com uma profunda verdade que se arrasta a dezenas de anos:
‘Triste Bahia! Oh quão dessemelhante
Estás, e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vejo eu já, tu a mi abundante.’
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Estudante de Marketing da Faculdade 2 de Julho, Salvador, BA