Perguntar não paga imposto, nem foi pecado um dia. Então, pergunto: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, milhares de anos distante da Inquisição e dos seus atos perpetrados na escuridão, moverá agora aquele caminhão de palhas que estacionou no ‘cone sul’ de Rondônia, pós-chacina de Corumbiara?
O emérito jornalista Paulo Queiroz chama atenção, na sua coluna ‘Política em três tempos’, multiplicada em diversos sites daquele estado, para o 12º Congresso Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), previsto para o período de 21 a 25 de julho deste ano. Lamenta que a mídia local, especialmente a de Porto Velho, ‘pelo visto, ainda não se tocou’ para tal evento.
Lembra que tal congresso de centenas de porta-vozes de famílias sem terra teria enorme poder de fogo. Corrijo: poder de mobilização de cobrança, de exigir vergonha na cara de parte dos governantes. É que elas são organizadas em bases mais que conhecidas porque, ao longo desses 30 anos de colonização da Amazônia ocidental, essas bases já foram vítimas de despejos violentos, de engambelação com cestas básicas do Incra e até de chacinas – quase todas impunes e desconhecidas pela mídia. Quase, porque em algumas regiões a Lei do Talião veio a galope e o exército do jaguncismo sofreu algumas baixas por conta da reação de grupos à esquerda do agora combalido MST.
Ziguezague de acampamentos
Com o semblante daqueles chefes de reportagem que há tempos não se fabricam mais nas redações amazônicas, Paulo Queiroz diz que o 12º Congresso Intereclesial está sendo ‘concebido bem debaixo das suas [da imprensa rondoniense] barbas, sem que tenha, até agora, merecido a atenção que lhe é devida’. O evento tem tudo para ser o maior acontecimento político, social e religioso de 2009, alerta Queiroz.
O tema ‘Ecologia e Missão’ e o lema ‘Do Ventre da Terra, o Grito que Vem da Amazônia’ devem aliar outros rigores à básica preocupação com os sucessivos saques à madeira de lei de Ji-Paraná, Rolim de Moura, Corumbiara, Cacoal, Nova Mamoré e Jacinópolis. Dos territórios indígenas vergonhosamente usurpados também. Por outros rigores se entende a cobrança definitiva de soluções morais, éticas e indenizatórias à Secretaria Especial de Direitos Humanos, ao Incra, à Ouvidoria Agrária Nacional, ao Ministério da Justiça.
‘Ecologia e Missão’ também pressupõe nominar todos os ladrões de madeira das tribos indígenas; os donos e os ‘laranjas’ de serrarias irregulares; narcotraficantes ou seus aliados que adquirem terras ao lado de reservas extrativistas, para em seguida abocanhá-las. Uma consulta ao Ministério Público Federal e a uma série de reportagens em alguns órgãos de imprensa facilitaria a honrosa tarefa desses congressistas das CEBs que hoje, mais do que nunca, precisam transpor algumas porteiras.
Em tempos de ‘Bolsa-vaselina’, nunca é demais lembrar que sem-terra e camponeses de Rondônia e da Amazônia ocidental têm direito a dormir sossegados, alimentando a expectativa de serem assentados em paz, cessando desta maneira o ziguezague por acampamentos de beira de estrada. Não é isso o que ocorre, por exemplo, com parentes das vítimas da chacina de Corumbiara, ocorrida na madrugada de 9 de agosto de 1995, quando tombaram, na Fazenda Santa Elina, 11 sem-terra e dois policiais militares. Eles não foram ainda indenizados.
Separar o joio do trigo
É bonita e corajosa a declaração do arcebispo de Porto Velho, dom Moacir Grechi, na antevéspera do 12º Intereclesial das CEBs:
‘Queremos ser igreja provocadora e profética, forte e articulada que contribua para tornar mais eficazes os gritos do povo: grito dos excluídos, grito dos povos da Amazônia, grito da terra, deixando claro de qual lado estão os seguidores de Jesus e qual é o mundo que desejam construir.’
Acredito que os pobres de Corumbiara, de Jacinópolis, de Nova Mamoré, de União Bandeirantes, de Joana D´Arc, de Jaru e de outras localidades de Rondônia também sejam seguidores de Jesus, aspirando a esse mundo proclamado por Sua Excelência Reverendíssima, cuja larga história em defesa dos povos da floresta e dos posseiros outrora sem títulos no Acre e na Amazônia ocidental o credencia a falar em nome deles.
Só tenho dúvidas a respeito de outros aspirantes a seguidores de Jesus que surrupiam terras públicas, mandam prender líderes camponeses e eliminam alguns deles, imputando-lhes a culpa pelas mazelas gerais da insegurança no campo. Teria chegado a hora dessa ‘igreja provocadora’ proclamada pelo arcebispo separar o joio do trigo e revelar, com todas as letras, quem está e quem não está ao lado dos oprimidos.
Da mesma forma como se fazia durante o regime militar, quando a perseguição aos que defendiam a reforma agrária em Rondônia resultava em processos, cadeia e Lei de Segurança Nacional.
Ah!, esqueceram disso? Alguns deputados federais, senadores e militantes partidários têm amnésia? Pois eu não esqueci.
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Repórter e editor na Agência Amazônia em Brasília, DF