Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A importância do ceticismo

Ceticismo (mais especificamente a sua falta) foi o tema central da coluna de domingo [7/6/09] do ombudsman do The New York Times, Clark Hoyt. Quando o ex-vice-presidente Dick Cheney atacou os planos do presidente Barack Obama de fechar a prisão de Guantánamo, em Cuba, no mês passado, ele usou argumentos tirados do jornal NYTimes. No dia 21/5, a manchete do diário revelava que um em cada sete detidos libertados de Guantánamo voltou a integrar grupos terroristas contra o Ocidente. O primeiro parágrafo explicava que a fonte era um estudo do Pentágono não divulgado, que havia concluído que pelo menos 74 dos 534 prisioneiros já transferidos de Guantánamo havia ‘retornado ao terrorismo ou à atividade militante’.


A manchete chamou a atenção, justo no dia em que Obama e Cheney dariam seus pontos de vista sobre a segurança nacional e o presidente iria fazer um importante discurso na luta contra o terrorismo. Foi um prato cheio para o ex-vice-presidente. ‘Um em cada sete voltam para sua linha de ação e já conduziram ataques no Oriente Médio’, disse Cheney em discurso.


No entanto, o artigo no qual Cheney baseou sua fala continha algumas falhas e serviu como exemplo dos perigos de se publicar material em circunstâncias políticas sem olhar para as informações de modo cético. Na realidade, a matéria adotou a alegação do Pentágono de que prisioneiros que foram soltos ‘voltaram’ ao terrorismo, sem ter uma apuração independente do NYTimes. Porém, faltou distinguir entre ex-prisioneiros suspeitos de novos atos de terrorismo, ou seja, que passaram a ingressar em atividades militantes após serem presos – mais da metade dos casos – e aqueles que supostamente confirmaram terem voltado a grupos terroristas contra o Iraque. Se forem considerados apenas os casos confirmados, a proporção de um em sete mudaria para um em 20. O relatório ainda dizia que um prisioneiro poderia ser listado como suspeito de atividade militante baseado em uma ‘fonte única, porém plausível’ – o que não segue os padrões jornalísticos do NYTimes.


A matéria – em destaque na capa – gerou repercussão imediata. Hoyt recebeu diversas críticas de leitores, principalmente após o grupo liberal FAIR ter postado um artigo crítico à reportagem. Editores do NYTimes reconheceram alguns dos problemas rapidamente. Bill Keller, editor-executivo, disse que encontrou logo no dia seguinte uma mensagem de um colega criticando o uso do verbo ‘voltar’. Por isso, a manchete e o primeiro parágrafo foram mudados no sítio.


Mea culpa


A repórter que escreveu a material, Elisabeth Bumiller, justificou-se, alegando que estava apenas divulgando o estudo, sem adotar o ponto de vista do Pentágono. Dean Baquet, chefe do escritório de Washington, afirmou que Elisabeth questionou se o estudo tinha valor jornalístico – e, segundo ele, sim. Douglas Jehl, que supervisiona a cobertura de segurança nacional e editou a matéria, disse que só ficou sabendo que havia uma distinção entre casos suspeitos e casos confirmados apenas depois de o artigo ter sido publicado. ‘Se eu soubesse, teria tratado a matéria de outra maneira’, confessou, informando que teria usado apenas casos confirmados no primeiro parágrafo.


Para Hoyt, a diferença de dizer um em sete para um em 20 talvez não rendesse primeira página. No dia seguinte à publicação da matéria, foi publicada uma nota do editor explicando que o artigo não deveria ter aceitado a premissa de que todos os prisioneiros estavam envolvidos no terrorismo antes de serem presos e que deveria ter dado a informação de um em cada 20.


Elisabeth, desapontada com a alegação que alguém lhe entregou o estudo por motivações políticas, disse que batalhou por semanas para obtê-lo. Com pouco tempo, ela focou na análise dos nomes de 29 prisioneiros listados como suspeitos ou que tiveram seu envolvimento confirmado em terrorismo ou atividade militante. ‘Foi um erro eu não ter focado no fato de ser confirmado ou suspeito. O maior problema para mim foi que 45 pessoas foram acusadas de terrorismo, sem ter sido identificadas’, revelou.