Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A imprensa e o mensalão, dois anos depois

O Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (4/4) analisou a atuação dos meios de comunicação na cobertura do esquema de compra de votos conhecido como ‘mensalão’. Pouco mais de dois anos após o então deputado federal Roberto Jefferson ter relatado, em entrevista à repórter Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo, o uso de recursos públicos para o pagamento de suborno a parlamentares e partidos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 28/8, acolher a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra os 40 réus envolvidos no processo.


Participaram do programa o relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, e Luiz Weis, editor do blog Verbo Solto, deste Observatório, e colaborador do Estado de S.Paulo.


No editorial que abre o programa, Alberto Dines observou que a imprensa deu destaque ao julgamento do Supremo, mas pouco comentou a importância das investigações da comissão para a base das denúncias apresentadas pela procuradoria. ‘Fascinados pelos rituais solenes da Corte Suprema esquecemos o intenso trabalho realizado por deputados e senadores ao longo de onze meses. Delcídio Amaral, senador do PT pelo Mato Grosso do Sul e Osmar Serraglio, deputado pelo PMDB do Paraná, foram os responsáveis por uma extraordinária façanha política e investigativa consagrada em grande parte pelas decisões do STF’, disse [ver abaixo a íntegra do editorial].


Julgamento histórico


O professor de Teoria Política Renato Lessa comentou, em entrevista gravada, a importância do julgamento do SFT para o fortalecimento da democracia: ‘Trata-se de uma decisão – pela primeira vez na história do Supremo, num processo dessa magnitude – de ativamente assumir o papel de controle da política. É uma espécie de corregedoria da política que está presente no Supremo’. Para o professor, o julgamento não foi determinado pela pressão da imprensa, ao contrário: fez parte de um processo de amadurecimento das instituições do país. Lessa acredita que os meios de comunicação, apesar de falhas na cobertura, contribuíram para chamar a atenção para a ‘relação estragada entre o Executivo e o Legislativo’.


Dines perguntou a Osmar Serraglio se, ao aceitar o cargo de relator da CPMI, ele tinha consciência da dimensão que o trabalho da comissão poderia alcançar. Serraglio explicou que a comissão fora criada inicialmente para investigar as denúncias de corrupção nos Correios e, dias depois, foi surpreendida pelos indícios do esquema do mensalão.


Ao ser questionado por Maurício Azêdo sobre as principais dificuldades que enfrentou ao longo do processo, o deputado lembrou que, além de pressões e de ameaças que não poderia revelar, a comissão enfrentou obstáculos para obter as provas necessárias para o incriminar os operadores do esquema, uma vez que havia sido criada para investigar as denúncias de irregularidade ‘apenas’ nos Correios. Além disso, o material entregue pelas instituições financeiras para servir de prova (como extratos bancários, por exemplo) era difícil de transcrever e, muitas vezes, havia sido codificado.


Interesses contrariados


‘Não foi a imprensa quem deflagrou o escândalo que veio a ser conhecido como mensalão. Como sempre acontece no Brasil, o que detona a publicidade em torno daquilo que é escondido, o que desvenda, são os interesses contrariados’, afirmou Luiz Weis. Para o jornalista, a imprensa deve seguir o ‘caminho dos prejudicados’ para descobrir escândalos de malversação de recursos públicos.


Osmar Serraglio afirmou que o papel da imprensa nas investigações do escândalo da compra de votos foi fundamental. O deputado comentou que, enquanto a CPMI enfrentava inúmeras dificuldades burocráticas, os meios de comunicação avançavam com denúncias. O relator da CPMI citou como exemplo a entrevista de Roberto Jefferson à Folha de S.Paulo e a publicação da entrevista com Fernanda Karina Somaggio, então secretária do publicitário Marcos Valério, pela IstoÉ Dinheiro, na qual afirmava que o empresário tinha contatos com os petistas José Dirceu, Delúbio Soares e Silvio Pereira. ‘A rigor, o nosso começo foi todo a partir das informações da imprensa – que nós vínhamos, evidentemente, confrontando e verificando até onde coincidiam com aquilo de que dispúnhamos de provas.’


Serraglio atribui a credibilidade da CPMI dos Correios ao fato de a população ter acompanhado o trabalho da comissão através da mídia eletrônica. Tanto a produção de provas quanto os depoimentos dos acusados de envolvimento foram observados pela sociedade. O deputado destacou o papel pedagógico que a imprensa desenvolveu junto à população durante as investigações: ‘Eu tenho convicção de que, hoje, a população é politicamente mais vigilante, ela acompanha mais a atuação dos parlamentares’.


Para o deputado, a sociedade está mais consciente, mesmo tendo votado em alguns dos envolvidos nas denúncias, pois estes não têm a mesma expressão política de antes da investigação. Maurício Azêdo concordou que a transmissão eletrônica dos trabalhos da CPMI foi vital para atingir a grande massa da população que não tem acesso a jornais impressos e determinar a mobilização contra a impunidade dos ‘meliantes encobertos por mandatos parlamentares’.


Denuncismo e memória


A cobertura política em geral também foi examinada no programa. Para Luiz Weis, o modo pelo qual o jornalismo é produzido hoje levou a imprensa a perder qualidade. A cobertura do Congresso Nacional, para ele, seria ‘uma sombra do que era antes da ditadura’. Neste período, a mídia não se restringia a acompanhar as sessões oficiais, mas também investigava o trabalho das comissões e os parlamentares.


Um telespectador questionou Maurício Azêdo se a imprensa viveria de ‘campanhas moralizadoras’ do país, como nos casos do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello e do mensalão, e depois deixaria os assuntos de lado. O jornalista discordou e afirmou que a imprensa vive da necessidade da população ser informada dos assuntos de interesse público e que não há um esquecimento por parte dos meios de comunicação. De modo geral, a imprensa permaneceria atenta aos desenvolvimentos das investigações enquanto elas ocorressem.


O papel da CPMI


O relator da CPMI frisou que o papel de uma comissão não é de punir – ela não tem o poder de obrigar a devolução de dinheiro que teria sido apropriado indevidamente por parlamentares. ‘Uma comissão parlamentar de inquérito investiga os atos e os passa às autoridades que responsabilizarão criminalmente ou civilmente aqueles que se envolveram em denúncias’, explicou.


Ao final do debate, o deputado Osmar Serraglio voltou a analisar a importância do trabalho dos meios de comunicação para o relacionamento entre a sociedade e o Poder Legislativo. O parlamentar citou como exemplo a atual experiência à frente da primeira secretaria da mesa diretora da Câmara dos Deputados. Nesta função, o deputado afirma procurar oferecer aos órgãos de imprensa todos os recursos para uma análise transparente da Câmara, sem levar em conta a orientação política do veículo. ‘É através da imprensa que nós tomamos ciência daquilo o que o povo deseja. Ao mesmo tempo, aquilo que nós produzimos é levado ao conhecimento da população’, afirmou Serraglio.


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Clique aqui para ler o relatório final da CPMI dos Correios.


 


As repercussões de um escândalo


Alberto Dines # editoral do programa Observatório da Imprensa na TV nº 432, no ar em 4/9/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa. Boas-vindas especiais aos que nos assistem através da TV Cultura e suas afiliadas, porque, a partir de hoje, este programa volta a ser exibido ao vivo para o país inteiro. Fica restabelecida a minirrede pública criada há quase dez anos para acompanhar o desempenho da imprensa e permitir que o cidadão leia jornais de um jeito diferente.


A semana passada foi dominada pelo Supremo Tribunal Federal, o Judiciário foi a estrela. Pouco se falou no trabalho precursor realizado pelo Legislativo através da CPMI, Comissão Mista Parlamentar de Inquérito, instalada um mês depois da divulgação das primeiras denúncias sobre corrupção nos Correios. Mas foram os documentos produzidos pela CPMI e, sobretudo, o seu relatório final que serviram de base à denúncia da Procuradoria Geral da República.


Fascinados pelos rituais solenes da Corte Suprema esquecemos o intenso trabalho realizado por deputados e senadores ao longo de onze meses. Delcídio Amaral, senador do PT pelo Mato Grosso do Sul e Osmar Serraglio, deputado do PMDB pelo Paraná, foram os responsáveis por uma extraordinária façanha política e investigativa consagrada em grande parte pelas decisões do STF.


Convém não esquecer que o escândalo que passou a ser conhecido como mensalão (mas na realidade relacionava-se à compra de votos no Legislativo federal) foi revelado pela imprensa. Primeiro pela Veja, depois pela Folha de S.Paulo, mas a sua enorme repercussão deveu-se principalmente à transmissão ao vivo das suas sessões através da TV Senado, TV Câmara e TVs noticiosas.


Esta edição, o Observatório da Imprensa pretende reviver o início de um episódio que está longe de terminar. Ao rever o seu início, pode-se perceber a sua dimensão.


 


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