Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A internet nas campanhas políticas

Um livro publicado recentemente nos EUA (Millennial Makeover: MySpace, YouTube & the Future of American Politics, de M. Winograd e M. Hais) analisa o papel das novas tecnologias da informação na cena política americana.


Seus autores, dirigentes do Partido Democrata, mostram como a internet tem tido um papel central na reformulação das campanhas políticas, criando novas formas de atrair e envolver os eleitores, principalmente a nova geração, tão acostumada aos computadores, celulares e games.


O crescimento da web, a popularização da internet e a quase ubiquidade dos celulares têm reordenado várias facetas da vida contemporânea, alterando também a política, que se transforma para fazer uso das novas tecnologias digitais.


Não são apenas as urnas eletrônicas ou a possibilidade de identificação biométrica dos eleitores que criam a face digital da política. Há algo mais no ar. Algo menos aparente, tecido por estrategistas e marqueteiros, que planejam e operam o jogo político. Algo que se materializa na internet, alterando as relações entre os eleitores, os políticos e suas campanhas. Algo cujos traços podem ser identificados nas recentes campanhas políticas para a Presidência dos EUA e nas eleições municipais no Brasil.


Questão sensível


Nos anos 1960, o uso da televisão marcou a campanha presidencial de John F. Kennedy e alterou definitivamente a natureza das disputas políticas, com os debates entre os candidatos na TV. Agora, há novas estrelas no show business: a internet, a web e as redes sociais passaram dos bastidores para o foco dos holofotes da cena política. Novas tecnologias, que apareceram entre as eleições de 2004 e 2008, foram capazes de movimentar milhões de pessoas em torno de opiniões, ideias, imagens e candidatos. Nos EUA, a internet teve um papel central na eleição de Barack Obama.


As tecnologias das redes permitiram uma arrecadação recorde de dólares, por meio de pequenas doações de milhões de eleitores, contrapondo-se às campanhas tradicionais, com pouco doadores de grandes somas financeiras, em geral empresas e lobistas.
A ação multiplicadora das redes sociais, formadas pelas ligações entre pessoas, entre amigos, foi inteligentemente usada para conectar eleitores e recursos na campanha de Obama.


No penúltimo mês de campanha, Obama arrecadou 150 milhões de dólares, a uma média de 86 dólares por doação. Foram 1,7 milhão de doadores apenas em setembro, dos quais 630 mil eram novos doadores.


Uma forma nova de comunicação, marcada pela interatividade, pela participação dos eleitores, tornou-se viável através das novas tecnologias da internet, como YouTube, Facebook, MySpace, blogs e outras redes sociais.


O discurso de Obama sobre a questão racial foi um marco na campanha. Mas não foi a TV a mídia usada para difundir a opinião do candidato numa questão tão sensível para a sociedade americana. O discurso de 37 minutos foi visto e revisto no YouTube mais de 6 milhões de vezes em computadores e celulares.


Estudo e compreensão


No Brasil, os sinais do poder da internet apareceram claramente em várias cidades durante a última campanha para eleição de prefeitos.


Na campanha em Belo Horizonte, o boca-a-boca eletrônico ficou evidente com um vídeo do humorista Tom Cavalcante satirizando o candidato do PMDB, que acabou derrotado. Esse vídeo, colocado no YouTube na semana anterior ao segundo turno, virou uma sensação na internet e foi um dos vídeos mais populares naquela semana. O vídeo de 2 minutos e 44 segundos foi visto 521 mil vezes nos cinco dias que antecederam a votação.


O uso de humor e sátiras tem sido largamente usado na internet para atrair popularidade. A cena da atriz e comediante Tina Fey satirizando na TV a candidata Sarah Palin virou um dos grandes hits do YouTube na campanha presidencial, exibido mais de 8 milhões de vezes.


A combinação de mídias, como TV, celulares e internet, desponta como uma estratégia nova nas campanhas políticas, principalmente na definição da imagem dos candidatos no imaginário coletivo.


Por causa da grande parcela de população jovem no Brasil, da completa popularização dos celulares e do crescimento acentuado do número de usuários da internet em todas as classes sociais, pode-se antever o papel-chave das novas tecnologias nas próximas eleições, em particular na eleição presidencial de 2010.


Muitos são os novos termos: blogs, wikis, Orkut, Flickr, Twitter e vários outros. Nada disso existia dez anos atrás! Vários não serão lembrados daqui a alguns poucos anos! Porém, essas palavras expressam questões mais fundamentais e duradouras, que precisamos entender.


Primeiro, dizem respeito às relações entre seres humanos e tecnologias digitais, que ainda precisam ser mais bem estudadas e compreendidas. Segundo, mostram que a maior parcela da moderna estrutura de informação das redes é construída e desenvolvida fora do país, aumentando sobremaneira a influência de serviços globais em áreas tão estratégicas para o Brasil.

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Professor titular do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da Academia Brasileira de Ciências