Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

A intifada e as gafes

Um conflito antigo, complexo e aparentemente sem fim. Essa é a relação entre palestinos e israelenses; turbulência que se acentuou nas últimas semanas coincidindo com a visita de Lula, primeiro chefe de Estado brasileiro a estar no Oriente Médio em 100 anos, e também com a inesperada perda de paciência dos yankees da Casa Branca que falaram grosso com seu principal aliado bélico na região.

Visivelmente incomodada com a passagem do presidente por Israel e pelos territórios palestinos, a imprensa hegemônica promoveu um levante, uma ‘intifada midiática’, questionando suas motivações e tentando a todo custo deixar a impressão que o brasileiro teria cometido gafes diplomáticas, especialmente em território israelense.

A aversão doentia ao petista, fez com que alguns barões e figurões da mídia desnudassem seus preconceitos ao classificar como gafe a recusa da visita ao túmulo de Theodor Herzl, o pai do sionismo, movimento que criou o Estado de Israel. A decisão foi encarada como afronta pela horda de moralizadores de ocasião, que aproveitaram para descerem a ‘ripa no presida’.

Questionamento público

Nessa ‘intifada’ particular, a grande imprensa preferiu descontextualizar o sionismo, movimento que tentou estabelecer a força o Estado judeu na Palestina. O sonho de Herzl, o cara da gafe do Lula, era fazer valer um intitulado ‘direito ancestral’ de seu povo por meio de colonização de terras, que se transformou na chamada ‘limpeza étnica’. Esse processo de ‘limpeza’ dos judeus começou ainda 1882, data do primeiro assentamento sionista em território palestino.

Extremamente inteligentes, os sionistas desde então usam alguns aspectos históricos de seu passado mais recente para justificar atitudes tomadas pelo Estado de Israel no Oriente, sempre amparado pelos seus lobistas ocidentais. Desde então cresce a passos largos a desigualdade entre cidadãos árabes e judeus nas áreas de saúde, moradia, trabalho e bem-estar social. Segundo recente estudo de uma ONG de Israel, em todos os parâmetros sociais, exceto na área da educação, existe uma tendência clara de aumento da desigualdade.

Filhos de árabes crescem em casas mais pobres, suas escolas têm orçamentos menores e eles têm menos chances de estudar em uma universidade, não conseguem bons empregos e assim a pobreza vai se eternizando. A discriminação é gritante e o cenário se torna mais explosivo, ao ponto que o Estado israelense ignora as necessidades da população árabe.

Enfim, nesse contexto, a gafe maior foi mais uma tentativa de manipulação da opinião pública. Enquanto alguns consideram gafe o questionamento público ao intocável Estado de Israel, vai se alimentando a ideia que nosso país deve ser subserviente ao status quo internacional.

Livre e soberano

Os que adoram enaltecer o nosso complexo de ‘vira-latas’ podem até questionar se o Lula realmente é ‘o cara’ para ser o mediador de um conflito no Oriente Médio. Também acho que talvez não seja, nem mesmo se ele fosse ‘Abraão’.

Porém não se pode tapar os olhos e compactuar com uma ‘intifada midiática’ que cria ‘gafes’ e entoa o coro de fanáticos sionistas do partido Likud, que não conseguem condenar com o mesmo peso; o Holocausto e o terrorismo do apartheid praticado contra os palestinos em Gaza. Alguns – quem sabe pelo ranço partidário-eleitoral – parecem não ter entendido que o presidente apenas defendeu que não apenas Israel, mas também a Palestina, seja território livre e soberano.

Por fim, Shalom a todos!

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Jornalista