Em que interessa aos leitores de jornal o fato de uma jornalista receber uma indenização de 260 mil reais porque (ofendida pela chefe) acabou tendo que pedir demissão do emprego? O que vão pensar os leitores ao ver uma notícia que não divulga o nome dos envolvidos, se o fato não implica em nenhum prejuízo moral, como acontece em investigações policiais, nas quais ficamos sabendo, pelo menos, as iniciais dos envolvidos?
A notícia foi a seguinte:
‘Após comprovar os maus tratos e agressões sofridas por parte de sua superiora hierárquica, uma jornalista receberá da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil) indenização de R$ 260 mil por dano moral. A decisão da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve indenização fixada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO), correspondente a cem vezes o salário da empregada. O relator, ministro Ives Gandra Martins Filho, esclareceu na decisão que ‘o Regional consignou que a empregadora permitiu que sua funcionária mantivesse um comportamento ofensivo em relação aos empregados colocados sob sua orientação, agredindo-os verbalmente e de forma contínua’.’ (Folha de S. Paulo, 7/07/2007).
Situações humilhantes
O fato de uma colega jornalista vencer um processo por danos morais deveria ser noticiado, desde que a notícia merecesse um bom tratamento. Se desse, aos leitores, informações úteis para os empregados de outras atividades. Faltou explicar aos leitores – médicos, professores, bancários, vendedores etc. – como eles podem se defender de chefes que abusam do poder, transformando sua rotina de trabalho num sofrimento diário. Faltou perceber que a maioria dos leitores não faz parte do mundo supostamente bem informado dos jornalistas e que, portanto, gostariam de saber mais sobre como se defender – ou compensar – dos maus tratos por parte dos chefes.
A notícia é importante pela novidade? Então por que a imprensa não explicou aos leitores o que é assédio moral?
A resposta pode ser obtida na internet, no site do TST:
‘`Violência psicológica, constrangimento, humilhação.´ Os ingredientes básicos para a definição do quadro de assédio moral são inerentes às relações humanas, sobretudo no mundo do trabalho. O problema não é exclusividade brasileira. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em pesquisa realizada em 1996, detectou que 12 milhões de trabalhadores na União Européia já viveram situações humilhantes no trabalho que acarretaram distúrbios de saúde mental. No Brasil, pesquisa realizada por Margarida Barreto, em sua tese de mestrado, constatou que 42% dos trabalhadores entrevistados foram vítimas de assédio moral nas empresas’ (de um artigo de Carmen Feijó, divulgado pela ACS/TST).
Recado aos chefes
Foi o valor da indenização que deu destaque à sentença? Se for isso, os jornais poderiam ter falado de outros casos e dos valores estabelecidos, como mostra o mesmo artigo de Carmen Feijó:
‘A fixação de valores para dano moral, conforme vem sendo adotada pelo TS, tem dupla finalidade: compensar a vítima pelo dano sofrido e, também, punir o infrator, a fim de coibir a reincidência nesse tipo de prática. Os valores das condenações, em processos individuais, variam entre 10 mil reais e 30 mil reais. Há um caso de 3,5 mil reais para uma relação que durou 25 dias e outro de 70 mil reais para um contrato de oito anos.’
Seria muito fácil encontrar histórias de pessoas que sofreram abusos e que sofrem por isso. A própria jornalista que venceu o processo poderia escrever sua história e contar casos de pessoas de outras áreas de atividade que passaram pelo mesmo problema, mostrar como iniciar um processo, como escolher um bom advogado para levar o processo adiante e, principalmente, como ficou sua vida profissional – e a da chefe que a ofendeu – agora que o processo está concluído.
Noticiar simplesmente que uma jornalista ganhou indenização, fica parecendo revanchismo de colegas querendo mandar um recado aos chefes. Sem qualquer preocupação com o interesse dos leitores, os reais empregadores de todos nós, jornalistas.
******
Jornalista