Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A justiça do Pará ataca novamente

 

A 3ª Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará me impôs uma nova derrota na semana passada: rejeitou recurso através do qual eu reivindicava o direito à ampla defesa na produção de provas num dos processos que tramitam contra mim. A Constituição me assegura esse direito. O tribunal quer me privar de exercê-lo.

O motivo seria novamente uma falha formal. Ao preparar um recurso anterior (agravo de instrumento), eu deixara de juntar a procuração dada pelos agravados ao seu advogado, peça considerada indispensável para dar validade ao recurso.

Os agravados são os irmãos Romulo Maiorana Jr. e Ronaldo Maiorana, que cobram nada menos do que 400 mil reais de indenização por supostos danos materiais e morais que eu lhes teria causado (e à sua empresa, Delta Publicidade, que edita O Liberal) com artigos publicados no meu Jornal Pessoal.

De fato, não há cópia da procuração, a mesma falha apontada na ação do grileiro Cecílio do Rego Almeida, que me obrigaria a indenizá-lo. Mas desta vez há um documento nos autos: é a certidão fornecida pelo diretor de secretaria da vara por onde o feito tramita. O nome dos procuradores das partes é citado no documento, fornecido por um serventuário da justiça que tem fé pública, responsável pelo cartório do ofício.

O primeiro agravo, de instrumento, foi proposto por mim em 2008. A então relatora, desembargadora Maria Rita Xavier (já aposentada), não me concedeu a liminar que solicitei, para a suspensão temporária do processo até o julgamento de mérito do agravo. Mas recebeu o recurso, intimou a parte agravada, determinou as providências de praxe e se preparou para sentenciar.

Dois anos depois, a magistrada descobriu que faltava a procuração. Sem se dar ao trabalho de citar a certidão ou opor-lhe suas razões para exercer, pela segunda vez, passados dois anos, o juízo da admissibilidade, rejeitou meu recurso. Sustentou ainda que meu pedido perdera o objeto.

Essa decisão (assim como a retratação) foi repetida pelo novo relator, desembargador Roberto Gonçalves de Moura, e acolhida por seus pares na câmara, ao apreciar o segundo agravo (regimental).

O desembargador, o último a ser promovido ao TJE por merecimento, recebeu o processo no dia 15 de março e o sentenciou um mês depois, introduzindo-o extrapauta para julgamento, como se houvesse pressa ou razão superior para decidir um processo que permaneceu sem movimentação durante um ano e meio.

Por enquanto faço este registro. Embora resumido, é suficientemente longo para exigir um pouco de paciência e boa vontade do leitor desta nota, enquanto me preparo para a reação devida e a nova batalha que se avizinha. Com o ânimo decidido a enfrentá-la, sem me deixar intimidar, como das outras vezes em que houve essa intenção mal disfarçada de decisão judicial. Em nome da qual, quantas iniquidades se comete no Estado do Pará.

A nova decisão

A 3ª Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em sessão realizada no dia 26, publicada na edição eletrônica do Diário da Justiça do dia seguinte, conheceu, mas negou provimento ao agravo interno que interpus. A decisão foi unânime: os dois outros desembargadores que integram a câmara acompanharam o voto do relator, Roberto Gonçalves de Moura, recentemente promovido ao topo da carreira da magistratura estadual, e que presidiu a sessão.

Meu recurso foi incluído para julgamento na sessão como matéria extrapauta. Ou seja, não estava originalmente pautado para essa sessão. A precipitação do julgamento costuma ser feita quando se trata de matéria de urgência. Acompanharam o voto do relator os desembargadores José Maria Teixeira do Rosário e Helena Percila de Azevedo Dornelles.

No mesmo dia 27 o Diário da Justiça publicou o acórdão (que tomou o número 107.217) do julgamento, mas com a data de 2 de maio, o primeiro dia útil depois do fim de semana e do feriado. Embora considerado publicado, não constava da edição eletrônica o inteiro teor do acórdão, apenas a sua ementa (uma espécie de resumo), que diz:

“Agravo regimental. Fungibilidade recursal. Agravo interno. Ausência de pressuposto de admissibilidade. Falta procuração dos agravados. Retratação da decisão pelo juízo a quo. Ausência de qualquer inovação. Agravo interno conhecido, porém à unanimidade, improvido.”

O processo, que estava com a juíza Elena Farag, convocada para atuar até o dia 3 de março como desembargadora, por falta de quorum na 3ª Vara Cível Isolada do TJE, foi distribuído para Roberto Moura, no dia 6 de março e lhe foi concluso no dia 15. No dia 26 ele apresentou seu voto em sessão.

Roberto Moura foi nomeado para o cargo de desembargador em fevereiro. O ato da designação foi publicado na véspera de ele receber o processo por redistribuição. Os autos ficaram com a juíza Elena Farag por quase quatro meses, desde 11 de novembro do ano passado.

O processo foi sorteado inicialmente para o desembargador Leonam Gondim Cruz Júnior, mas imediatamente ele se declarou suspeito por motivo de foro íntimo. Com base no regime do TJE, pedi que ele revelasse os motivos de foro íntimo em sessão secreta do Conselho da Magistratura. Nunca recebi uma resposta ao meu requerimento.

A velha história

Esse capítulo da perseguição judicial que sofro começouquando os irmãos Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana propuseram ação de indenização contra mim, em 2005. Isso foi logo depois que Ronaldo me agrediu diante de dezenas de pessoas, no Parque da Residência, com a cobertura de dois policiais militares, que atuam como seus seguranças particulares. Processado, Ronaldo fez acordo com o Ministério Público do Estado, pagou multa (em cestas básicas para instituições de caridade) e ficou livre. Eu passei a responder a 14 processos que ele e o irmão ajuizaram contra mim.

Os Maiorana queriam não só a reparação de danos morais, que alegaram haver sofrido em decorrência de artigo do meu Jornal Pessoal, como danos materiais. Mas não provaram tais danos materiais, nem sequer sugeriram quais fossem. Prová-los passou a ser não só necessidade da defesa, como também etapa essencial do julgamento da lide.

Como provar? Simples. A empresa, também autora da ação junto com seus donos, disse que seus prejuízos materiais exigem ressarcimento equivalente a 300 salários mínimos (130 mil reais na época. R$ 200 mil hoje), apenas pelos prejuízos materiais (mais valor igual por supostos danos morais). Esse dano – concreto e objetivo – teria ocorrido entre 2004 e 2005, quando meu artigo jornalístico foi publicado.

Logo, a produção da prova só podia ser obtida nas demonstrações financeiras da empresa. Por ser uma sociedade anônima, a Delta teria que registrar os danos alegados nos seus balanços dos dois exercícios financeiros e provisioná-los (ou ao menos indicá-los). Por isso, pedi a juntada dos documentos.

Os Maiorana, como sempre, se recusaram a fornecê-los. A recusa foi declarada de forma direta e cabal diante do juiz Mairton Carneiro, em plena audiência de instrução, pelo advogado do grupo Liberal, indiferente às penas do artigo 359 do Código de Processo Civil, por desobediência.

Em relação à prova requerida do balanço de 2005, os Maiorana ainda tinham a possibilidade de atuar em juízo, mas em relação ao balanço de 2004 seus direitos de se opor à divulgação já haviam decaído por completo. Tinham simplesmente que ser obrigados a juntar as peças aos autos.

Se realmente houve perda material causada pelo meu artigo, e se esse prejuízo foi tão expressivo que exigiu reparação no valor de 200 mil reais, por que os Maiorana se entrincheiraram na recusa à apresentação dos documentos nos quais estaria a materialização da perda?

Óbvio: porque perda não houve.Não só porque o texto não caracteriza qualquer forma de ilícito, como porque a alegação de dano material foi mera elucubração de Romulo e Ronaldo, para atender sua sanha de perseguição a mim.

Provar: para quê?

Ambos se dispõem a tudo, inclusive ao crime de desobediência à justiça, que foi caracterizado e reconhecido pelo julgador, mas não se apresentam para a limpa e honesta produção de provas, segundo o amplo processo contraditório, que é o núcleo da tutela jurisdicional enquanto pilar do estado democrático de direito.

Embora autores de 14 ações sucessivas contra mim, paradoxalmente, mesmo como autores, sempre obstruíram a instrução dos processos, não comparecendo sequer às audiências marcadas pelos julgadores para produzir suas provas ou contraditar as da sua vítima.

Como o mesmo quadro já se ia configurando, para provocar a obstrução da instrução processual, dispensei as minhas três testemunhas. Mas mantive o pedido de produção da prova documental (“a rainha das provas”, como dizem os advogados), porque essencial ao deslinde da controvérsia.

Sem essa prova, a ação seria tudo, menos o reconhecimento da verdade e do direito. Seria, pelo contrário, a violação à proteção constitucional conferida ao cidadão, à ampla defesa e ao contraditório, no devido processo legal.

Suscitei a exceção de suspeição da juíza, por não exigir a juntada dos documentos referidos, dispensando dessa forma os Maiorana de provar a alegada materialidade do dano, que poderá passar a ser presumido e vir a ser reconhecido em sentença.

Tive então que recorrer à instância superior para que a prova indicativa e deferida fosse produzida.O recurso foi distribuído em setembro de 2008 e recebido dois meses depois pela desembargadora Maria Rita Lima Xavier, da 3ª Câmara Cível Isolada. Mas ela não concedeu o efeito suspensivo que eu pedi. Intimou o outro lado a apresentar suas contrarrazões. Em setembro de 2010 ela negou seguimento ao recurso. Tive que recorrer a outro tipo de agravo, o regimental.

Magistrados suspeitos

Para poder instruir o primeiro recurso, a desembargadora pediu informações ao juiz de origem do processo, que primeiro o apreciou. O ofício foi endereçado primeiro ao então presidente do feito no 1º grau, juiz Mairton Marques Carneiro. Mas ele não o pode despachar porque acatou a exceção de suspeição que suscitei contra ele.

É que uma fotografia do juiz tinha aparecido em O Liberal, registrando festivamente seu aniversário e o elogiando. O material atestava a existência de relação mais íntima entre o juiz e os autores da ação, donos do jornal. Colocar personagens de interesse da “casa” em suas colunas sociais é uma das táticas da empresa para cativar – digamos assim – amigos e influenciar pessoas.

Com a redistribuição, o processo foi encaminhado à juíza Terezinha Nunes Moura, titular da 3ª vara. Na sua ausência, João Batista Lopes do Nascimento, que a substituía, ao invés de prestar as informações, se limitou a encaminhar cópia xerox da decisão que a titular tomara. Terezinha deferiu as testemunhas por mim indicadas, e que o juiz Mairton Carneiro rejeitara, de forma arbitrária e sem fundamento legal.

Assim, entendeu a relatora, o pedido fora atendido e a minha causa perdeu seu objeto. Mas não era bem assim: o atendimento foi parcial – e não substantivamente.

Justiça desrespeitada

No primeiro agravo, requeri que o recurso fosse provido para, reformando-se a decisão agravada, as testemunhas por mim indicadas fossem ouvidas e também fossem juntados os documentos apontados.

Esses documentos eram as demonstrações contábeis de Delta Publicidade, que edita o jornal O Liberal, referentes aos exercícios de 2004 e 2005, com todos os documentos que as acompanham. Elas eram indispensáveis para que eu pudesse me defender das acusações que me foram feitas, “evitando-se o flagrante cerceamento ao direito de defesa, em afronta à tutela constitucional que lhe é assegurada”, conforme dito no recurso.

Quando a juíza da 3ª vara cível deferiu apenas as testemunhas, mas não os documentos apontados, de imediato me insurgi. Escaldado por tantos episódios semelhantes, argui a suspeição da nova julgadora e insisti pelo atendimento pleno do que já me fora concedido em fase anterior da instrução processual em 1º grau.

Pequenos erros?

Sem atentar para a essência da questão, a desembargadora-relatora se ateve a detalhes da formalidade processual, o que se tornou uma regra de ouro nos procedimentos dos magistrados nas ações em que os Maiorana e eu somos partes. Também nas de outros meus perseguidores, como ocorreu com a ação de indenização de Cecílio do Rego Almeida. Os julgadores apontam a falta de um documento qualquer para me prejudicar ou punir, sem apreciar o conteúdo da questão (o seu mérito, no jargão jurídico).

Disse a desembargadora (já aposentada) Maria Rita: “Não bastasse a perda do objeto anunciada, o presente recurso também não estaria apto a ser conhecido. É que após um novo juízo de admissibilidade, constatei que o agravante não cumpriu com o que determina o artigo 525, I, do CPC, isto é, não juntou cópia das procurações dos agravantes” (o grifo é meu).

No entanto, o primeiro documento anexo ao agravo de instrumento é uma certidão de intimação expedida pelo diretor de secretaria do cartório do 6º ofício cível, Edmilton Sampaio, datado da antevéspera da apresentação do recurso, com todos os dados dos advogados, tanto os meus quanto os dos Maiorana. A certidão atestava existência nos autos do instrumento de mandato outorgado pelos agravados e agravantes, conforme as folhas citadas pelo dito diretor de secretaria.

Logo, estava atendido o que pretende o artigo citado pela relatora, que é “a necessidade de ficar comprovado documentalmente que o advogado que subscreve a peça é de fato o procurador do agravante – aquele que supre a incapacidade postulatória deste – e que o causídico que será intimado para responder ao recurso (arts. 524, III, e 527, V) é, de fato, o procurador do agravado” (citação de Antônio Cláudio da Costa Machado, no livro Código de Processo Civil Interpretado, 4ª edição, São Paulo, 2004, págs. 740/741).

É certo, como também observa o mencionado tratadista, que a ausência de qualquer dos três documentos “fará com que o relator indefira o processamento do recurso”. No entanto, a certidão do diretor de secretaria do 6º ofício cível, fornecida a meu pedido, era completa e atendia à exigência legal.

Ela atestava a existência dos dois instrumentos de mandato das partes, não deixando qualquer dúvida sobre a identidade dos seus procuradores e garantindo assim a segurança processual, que é o objetivo da lei. Com as informações que contém, a certidão viabiliza a intimação da parte contrária para a resposta. Já a procuração outorgada por mim era garantia de que quem assina a petição era, de fato, meu representante legal.

A apresentação da procuração no instrumento objetiva que se garanta à parte agravada o direito de contra-arrazoar o recurso. Essa finalidade foi cumprida. Assim, não se podia falar em prejuízo, sendo certo mesmo que em nome do princípio da instrumentalidade das formas – de acordo com o qual uma forma só existe e deve ser posta como estorvo à prática de um direito caso sua violação (da forma) implique a violação de um direito de outrem –, a exigência da procuração como peça obrigatória deve ter seu rigorismo abrandado, quando as circunstâncias do caso demonstrem que a inobservância da forma não prejudica o direito daquele em nome de quem se institui a forma (neste caso, da parte agravada).

Assim julgou o Superior Tribunal de Justiça, em ementa que apresentei no meu recurso:

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO OUTORGADA AO ADVOGADO SUBSCRITOR DAS CONTRARRAZÕES AO RECURSO ESPECIAL. ART. 544, § 1º, DO CPC. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE. CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. SÚMULA N. 7/STJ. APLICABILIDADE DO CDC. SÚMULA N. 284/STF. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. PACTUAÇÃO EXPRESSA. NECESSIDADE.

“1. Desnecessária a juntada de cópia de todas as procurações outorgadas pela parte agravada se regularmente intimada para contraminutar.

“2. É inviável a aplicação da taxa de juros remuneratórios pactuada no contrato na hipótese em que a Corte a quo tenha considerado cabalmente demonstrada sua abusividade em relação à taxa média do mercado. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.

“3. É insuscetível o exame, na via do recurso especial, de questão relacionada à possibilidade de incidência de capitalização de juros em contrato bancário se, para tanto, faz-se necessário o reexame do respectivo instrumento contratual. Inteligência das Súmulas 5 e 7/STJ.

“4. Agravo regimental desprovido.

“(AgRg no Ag 1304045/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 31/08/2010).”

Além de reproduzir essa ementa, fiz referência à jurisprudência do STJ, no mesmo sentido. Mas reproduzi por inteiro um julgado contendo a ideia que guia o esvanecimento do rigorismo da regra processual atinente à procuração como peça obrigatória:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRASLADO DE PEÇAS OBRIGATÓRIAS. ART. 544, § 1º, DO CPC. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO DO SIGNATÁRIO DAS CONTRA-RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. EXCESSO DE FORMALISMO DESNECESSÁRIO NO PRESENTE CASO.

“1. A jurisprudência do STJ afasta o conhecimento do Agravo de Instrumento caso não se junte comprovação dos poderes outorgados ao signatário das contra-razões do Recurso Especial.

“2. Esse antigo entendimento busca resguardar o contraditório, ao garantir que a parte agravada será regularmente cientificada dos atos processuais posteriores.

“3. Ocorre que essa jurisprudência pode causar graves injustiças à agravante por conta de erro ou má-fé da parte contrária, que acaba por se beneficiar do excesso de formalismo do Tribunal. É o caso presente (grifei).

“4. As procurações que instruem o Agravo de Instrumento referem-se ao advogado que acompanhou todo o processo e assinou as contrarrazões do presente recurso. Peculiarmente, no caso das contrarrazões do Recurso Especial, embora esteja registrado o nome desse mesmo advogado (cuja procuração consta do instrumento), foi aposta apenas a assinatura de um segundo advogado.

“5. Nem mesmo o agravado cogitou de nulidade do instrumento de Agravo por conta desse vício. Suas contrarrazões no Agravo de Instrumento, assinadas pelo advogado com procuração nos autos, ratificam suas contrarrazões no Recurso Especial.

“6. Ademais, o advogado sem procuração nos autos (que assinou as contrarrazões do Recurso Especial) tem seu nome também na petição de contrarrazões do Agravo de Instrumento, apesar de não assinar essa peça, o que demonstra serem profissionais que atuam em conjunto.

“7. Tudo isso demonstra a injustiça, nem sequer suscitada pelo agravado, de não se conhecer do Recurso Especial por erro da parte adversa.

“8. A jurisprudência do STJ deve ser mantida apenas nos casos em que há, efetivamente, prejuízo, ainda que potencial, para a parte contrária, o que não ocorre, in casu.

“9. Agravo Regimental provido para que o Recurso Especial seja conhecido, desde que preenchidos os demais requisitos.

“(AgRg no Ag 1250545/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 21/06/2010).”

O entendimento deJosé Roberto dos Santos Bedaque (no livro Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 425) é exatamente este: “(…) a não-observância daquelas exigências formais plenamente justificáveis pode tornar-se irrelevante se não houver prejuízo ao fim visado pelo legislador”. Anota de rodapé nº 37, na mesma obra, referente aPedro J. Bertolino, confirma essa doutrina:“En efecto, el ‘exceso ritual’ implica un uso iregular de las formas, en el sentido de no adecuación a la finalidad para la que se han estabelecido. Esa iregularidad, lo há destacado reiteradamente la jurisprudência, importa um daño para la Justicia. Ejercicio antifuncional u daño configuran pues, a la par, el fenômeno ritualista. La adscripción conceptual al abuso del derecho surge así, y a nuestro juicio, como basicamente apropriada” (in:El Exceso Ritual Manifesto).

Tanto procedia minha argumentação, que a desembargadora, em data 7 de novembro de 2008, recebeu o recurso, sem suscitar a ausência do instrumento de procuração, porquanto a certidão atendia em plenitude o dispositivo legal regulador do juízo de admissibilidade.

Seu despacho não deixava dúvida:

“Recebo o presente recurso e reservo-me para apreciar o pedido de efeito suspensivo ativo posteriormente, determinando ainda o seu processamento na forma da Legislação Processual Civil em vigor”.

Como efeito de seu entendimento, a relatora determinou três providências.

A primeira foi a intimação, “na forma da lei”, do agravado, “para que, querendo, apresente as contrarrazões ao recurso interposto no prazo legal (CPC, art. 527,V)”.

A segunda providência foi o pedido de informações ao Juízo de origem, no prazo de 10 dias.

E, finalmente, cumpridas as diligências, o retorno dos autos conclusos “para ulteriores de direito”.

Logo em seguida, em 10 de dezembro do mesmo ano, a relatora deu andamento à instrução do feito, solicitando informações do juízo. Uma semana depois, a resposta do juiz Mairton Marques Carneiro foi recebida.

Em 14 de outubro de 2009 juntei procuração da minha nova defensora, em substituição ao meu advogado anterior, que falecera. Eram filha e pai, funcionando no mesmo escritório de advocacia. Tal procuração era desnecessária, já que o instrumento legal fora juntado originalmente como anexo ao agravo, datado de 16 de setembro de 2007. A duplicidade se explica pelas circunstâncias da morte do pai da advogada do agravante, que dele era sobrinho, profissional que funcionava em várias outras ações cíveis e penais do mesmo agravante.

Lembrança demorada

Só em 13 de setembro de 2010, quase dois anos depois de haver recebido e instruído o processo, a relatora acrescentou, à perda de objeto da ação, a inexistência das procurações dos agravados, que não apresentaram contrarrazões ao recurso. Logo, a matéria estava vencida.

Em primeiro lugar porque a certidão do diretor de secretaria do 3º ofício cível atendeu a todas as exigências da lei. Mas também porque a matéria estava superada. O momento processual da perquirição e contestação devidas quanto à falha formal já passara.

A regra do art. 527, I, c/c o art. 557, caput, do CPC, é no sentido de que, distribuído o agravo de instrumento no tribunal de apelo, o relator sorteado verificará a existência dos pressupostos genéricos e específicos de admissibilidade do recurso e, não havendo qualquer desses pressupostos, deverá negar-lhe seguimento liminarmente.

De posse dos autos do processo, a desembargadora-relatora não só os achou em condições de serem recebidos como iniciou a instrução processual. Dentre as providências que adotou, estava a citação do agravado, que considerou identificado e em condições de ser informado da interposição do recurso para, querendo, respondê-lo. A única deliberação que transferiu para depois do cumprimento das diligências por ela determinadas foi “apreciar o pedido de efeito suspensivo ativo”.

A doutrina dos processualistas Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Neto (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 7ª edição revista e ampliada), ao comentarem justamente o inciso I do art. 527 do CPC, abona esse entendimento. Dizem os tratadistas:

“Conforme autoriza o CPC 557, o relator pode indeferir liminarmente o agravo, bem como qualquer outro recurso, proferindo juízo diferido de admissibilidade. Como o juízo definitivo de admissibilidade é do órgão colegiado ad quem, da decisão do relator que indefere liminarmente o recurso cabe outro agravo, em cinco dias, para o órgão colegiado competente, para julgar o primeiro agravo (CPC 557 §1º). Somente se admitir o recurso, proferindo juízo prévio e positivo de admissibilidade, é que o relator tomará as providências previstas nos demais incisos da norma sob comentário”(grifo meu).

Ora, se a relatora procedeu a todos os atos listados no artigo 527 era porque proferiu juízo prévio e positivo de admissibilidade. Seu procedimento se enquadra perfeitamente na Teoria da Vedação de Comportamento Contraditório, conhecida mais por seu nome latino, venire contra factum proprium.

A norma se baseia na velha regra de direito privado traduzida por outra expressão latina, o pacta sunt servanda. Há no venire contra factum proprium dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.

O venire contra factum proprium caracteriza-se por situações em que uma pessoa, por um determinado período de tempo, comporta-se de determinada maneira, gerando expectativas em outra de que seu comportamento permanecerá inalterado.

Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adotada anteriormente, mas, depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objetiva (confiança).

Há, portanto, quatro elementos para a caracterização do venire: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório. Todos esses elementos estavam presentes na ação dos Maiorana contra mim. Logo, era totalmente incabível o argumento da relatora de que não recebeu o recurso pela ausência de cópia das procurações dos agravados.

Mas esse argumento renasceu agora. Para me atormentar a vida e, se possível, me impor nova condenação.

Como das outras vezes, porém, reagirei. [Belém (PA), 1º de maio de 2012]