‘Coisa boa não é notícia’. Foi precisamente isso que ouvi de um jornalista que me havia procurado para que manifestasse minha opinião sobre mais um caso de violência, sem nenhuma característica de excepcional relevância, que tinha sido registrado pela imprensa.
Por coincidência eu acabava de retornar a São Paulo depois de participar de um grande evento com estudantes de Direito, professores, juízes, membros do Ministério Público e advogados, no qual tinham ficado evidentes a grande preocupação com a necessidade de modernizar e tornar mais rápido e eficiente o sistema judiciário e a disposição de trabalhar, por todos os meios possíveis, para superar os obstáculos e colocar a melhoria do Judiciário entre as prioridades do Executivo e do Legislativo. E durante o evento foram feitas várias referências à falta de apoio da imprensa para iniciativas dessa natureza, para a divulgação de propostas e o seu debate público, franco, sereno e objetivo, que, entre outros efeitos, certamente daria ao Judiciário e às suas reivindicações a força necessária para a concretização das inovações propostas.
Relatando o que acabava de acontecer, que me parecia muito positivo, ou seja, uma boa coisa que deveria ser amplamente noticiada, obtive aquela resposta, que me pareceu refletir uma convicção generalizada nos meios jornalísticos.
Novos inquisidores
Neste momento, justamente em relação ao Judiciário, está ocorrendo um fato que parece confirmar que, a não ser que haja a influência de outros fatores que não são claros, ainda tem grande peso a convicção de que ‘coisa boa não é notícia’.
Com efeito, alguns órgãos da imprensa têm dedicado maior atenção ao Judiciário nos últimos tempos, mas a constante tem sido a avaliação negativa, pondo em evidência falhas de organização e deficiências do funcionamento, a par da denúncia de vícios tradicionais, que acarretam desperdício de recursos e tornam mais lenta e ineficiente a prestação jurisdicional.
Muitas vezes o desejo de escândalo e a pressa na utilização de informações têm levado a erros no noticiário. Assim, por exemplo, há poucos dias foi publicada uma informação apontando um número altíssimo de processos judiciais à espera apenas do julgamento. E poucos dias depois foi publicada, muito discretamente, a informação de que um número muito elevado daqueles casos estava erroneamente incluído entre os pendentes de julgamento, pois já tinham sido julgados e o que estava falho era o registro dos casos pendentes.
No afã de apontar aspectos negativos tem havido um apoio exagerado a quem acusa o Judiciário, inclusive a algumas autoridades superiores do próprio Judiciário que, em busca de notoriedade ou por outros motivos reprováveis, agem como verdadeiros inquisidores.
Contribuição valiosa
Uma coisa boa que está acontecendo agora, e que deixa evidente o esforço de muitos membros do Judiciário visando aperfeiçoar a organização e o funcionamento do sistema, é uma campanha, organizada e desenvolvida pela Associação Brasileira dos Magistrados (ABM), tendo por objetivo fundamental a gestão democrática do Judiciário. E isso não é notícia. Entretanto, não é preciso esforço, apenas boa vontade, para reconhecer que essa campanha dos magistrados é uma coisa muito boa, é um acontecimento positivo, que deveria merecer muita atenção da imprensa, inclusive para informar e estimular os que podem dar alguma contribuição para que a campanha dos magistrados leve a resultados positivos.
Apoiar essa iniciativa não significa que a imprensa não deva informar sobre pontos negativos e providências que eventualmente sejam tomadas visando a eliminação dos vícios e a punição dos responsáveis por prejuízos ao interesse público. Mas o que é positivo, o que é coisa boa, não deve ser omitido.
O único registro dessa campanha na imprensa apareceu no jornal Estado de S.Paulo (30/10), perdido no meio de matéria que tem por título ‘Justiça desigual funciona como há 100 anos’, transcrevendo observação feita por uma pesquisadora da Universidade de São Paulo que, segundo o jornal, vem dando sustentação à campanha, inaugurada na véspera pela AMB. A iniciativa dos magistrados é referida em menos de dez linhas, sufocada pela ênfase na persistência de imperfeições do Judiciário.
É tempo de mudar essa atitude e reconhecer que uma coisa boa, noticiada com inteligência e boa vontade, visando utilizar a força da imprensa para apoiar e estimular aperfeiçoamentos num setor fundamental da sociedade democrática, é notícia. Além de ser o registro de um fato socialmente relevante, o bom noticiário, no caso presente, terá o efeito positivo de envolver mais pessoas e instituições na busca de melhoria das instituições judiciárias e, assim, será uma contribuição valiosa para o aperfeiçoamento da democracia brasileira.
A imprensa pode e deve exercer esse papel.
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Jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo