O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, sediado em Nova York, lançou em março seu balanço 2004 sobre a liberdade de imprensa no Brasil. Um projeto de lei com o propósito de regular a imprensa, assim como a tentativa de expulsar o correspondente do New York Times, sublinhou a crescente tensão entre os meios de comunicação brasileiros e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em agosto, o governo apresentou um polêmico projeto de lei ao Congresso, que buscava regular o exercício do jornalismo no Brasil. O projeto de lei estabelecia um Conselho Federal de Jornalismo e Conselhos Regionais de Jornalismo, integrados por jornalistas e com a atribuição de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade do jornalismo’.
Segundo este projeto de lei, os jornalistas estariam sujeitos a advertências, multas, censuras e suspensões de até 30 dias, ou a cassação do registro por violar os princípios éticos e disciplinares dos conselhos de jornalistas. Os conselhos teriam a faculdade de impor sanções por exercer a profissão quando impedido de fazê-lo; por não cumprir as decisões dos conselhos; e por não pagar as contribuições profissionais aos órgãos. De acordo com a proposta, para poder exercer a profissão os jornalistas teriam que se inscrever em seus conselhos regionais.
O projeto foi inicialmente redigido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) – associação que engloba os sindicatos regionais e que, normalmente, respalda o Partido dos Trabalhadores, do presidente Lula – e foi revisado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Ainda que funcionários do governo e membros da Fenaj dissessem que era necessária regulamentação mais firme para garantir a qualidade e a precisão da informação, muitos jornais e destacados jornalistas denunciaram o projeto de lei e destacaram que alguns de seus partidários eram jornalistas filiados ao PT. Alguns indicaram que as sanções propostas eram excessivas, outros tantos argumentaram que o jornalismo não é uma profissão técnica que exija regulamentação.
Em meados de dezembro, a Câmara dos Deputados rechaçou a proposta. Segundo a Associação Brasileira de Imprensa, uma das mais importantes organizações de jornalismo do país, a proposta era ‘uma ameaça ao princípio constitucional da liberdade de expressão’.
Em 8 de dezembro, o Congresso brasileiro sancionou uma emenda constitucional para reformar o Poder Judiciário. Para garantir o cumprimento de tratados internacionais de direitos humanos pelo Brasil, o artigo 109 outorga à Procuradoria Geral da República o poder de solicitar ao Tribunal Superior de Justiça, o segundo tribunal do país, o deslocamento de competência para a Justiça Federal se há suspeita de graves violações de direitos humanos. Embora o Congresso ainda não tenha aprovado a lei que implementa a emenda, os procuradores federais poderiam usar esta nova atribuição para investigar os assassinatos de jornalistas em que se presume a participação de autoridades.
Em 11 de maio, o Ministério da Justiça revogou o visto do correspondente do New York Times, Larry Rohter, que estava fora do país na época, depois que Rohter escreveu artigo sobre o hábito de beber do presidente Lula, matéria que funcionários do governo consideraram ‘ofensiva’ a Lula e à imagem do Brasil. Em 15 de maio, depois de receber carta dos advogados brasileiros de Rohter onde afirmavam que o jornalista não teve a intenção de ofender Lula, o governo lhe restituiu o visto. O incidente causou rebuliço, e até mesmo jornalistas que questionaram o artigo de Rohter criticaram o governo por sua intolerância.
A imprensa tem reclamado de Lula, ex-líder sindical, por não fazer coletivas de imprensa periodicamente e, em vez disso, manter reuniões individuais informais com jornalistas. Funcionários do governo acusam a imprensa de ter preconceito contra Lula e o Partido dos Trabalhadores, de esquerda.
O Brasil continua sendo um lugar perigoso para os jornalistas, que freqüentemente são alvo de políticos corruptos, criminosos e narcotraficantes. Em 24 de abril, o radialista José Carlos Araújo foi morto a tiros na cidade de Timbaúba, no estado de Pernambuco, na Região Nordeste. Em 28 de abril, a polícia capturou um dos supostos assassinos, que confessou ter matado Araújo porque o comunicador o havia acusado, pela rádio, de ser um delinqüente.
Durante os últimos cinco anos, quatro jornalistas brasileiros morreram por causa de seu trabalho jornalístico. Na maioria dos casos ninguém foi processado. O CPJ continua investigando os assassinatos de Samuel Romã e Jorge Lourenço dos Santos, dois radialistas que, freqüentemente, criticavam os políticos locais. Ambos também estavam envolvidos na política local, o que pode ter motivado suas mortes.
Os jornalistas e os meios de comunicação também são objeto de demandas penais por difamação interpostas por empresários, políticos e funcionários públicos que comumente buscam substanciais somas financeiras a título de perdas e danos. Em tais casos, freqüentemente os juízes sentenciam contra a imprensa.
Ainda que os meios de comunicação brasileiros recebam, freqüentemente, elogios por sua incisiva cobertura jornalística e sua disposição para enfrentar o governo, a concentração da propriedade dos meios de comunicação é uma questão preocupante, especialmente nos meios audiovisuais, dominados pelo grupo Organizações Globo. Em alguns dos maiores mercados, o mesmo grupo midiático controla jornais, canais de televisão aberta e a cabo, emissoras de rádio e portais de internet. Regras insuficientes, arcaicas e frouxas que regem a concentração dos meios resultam na carência de diversidade de uma parte substancial das notícias e opiniões difundidas. Muitos políticos regionais são donos de meios de comunicação.
Em 2004, a Anatel, órgão regulador das telecomunicações, fechou dezenas de emissoras de rádio comunitárias que operavam sem permissão para transmissão e confiscou-lhes o equipamento. Milhares de emissoras de rádio atualmente no ar solicitaram permissão formalmente, mas o processo de aprovação demora vários anos. Os grupos de rádios comunitárias se queixam de que o governo não colocou em prática as recomendações emitidas por um grupo de trabalho que criou em 2003 para encontrar meios de acelerar a entrega das autorizações. Durante o fechamento de várias emissoras de rádio, policiais fortemente armados acompanhados de funcionários da Anatel acossaram o pessoal das emissoras, segundo organizações de meios de comunicação comunitários.
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O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) é uma organização independente, sem fins lucrativos, radicada em Nova York, que se dedica a defender a liberdade de imprensa em todas as partes do mundo