Uma decisão recente da Corte Constitucional da Itália deixa evidente que o sistema judiciário italiano é fortemente manipulado por fatores políticos, a ponto de se criarem obstáculos legais para impedir, escancaradamente, que havendo altos interesses políticos envolvidos se obtenha uma decisão judicial justa. Jogando-se com formalidades legais e mantendo-se uma aparência de normalidade democrática fabricam-se inocentes, como também, se houver interesse, serão fabricados culpados.
A comprovação dessa degradação da Justiça acaba de ocorrer num caso envolvendo o presidente do Conselho de Ministros, chefe do governo italiano, Silvio Berlusconi, tendo sido objeto de uma decisão da Corte Constitucional proferida no dia 13 de janeiro.
Como tem sido muitas vezes noticiado pela imprensa de vários países, inclusive por alguns órgãos da imprensa brasileira, o ministro Berlusconi, empresário muito rico do setor de comunicações da Itália, vem sendo frequentemente acusado de utilizar meios fraudulentos para ampliar seus ganhos e fugir à responsabilidade fiscal.
Valendo-se de sua força política, concretizada pelo controle da maioria do Parlamento italiano, ele conseguiu a aprovação de uma lei que lhe dava imunidade jurídica, impedindo que ele fosse levados aos tribunais para responder por acusações de práticas criminosas, em razão de sua condição de presidente do Conselho de Ministros.
‘Motivos justos’
Iniciado um processo em que figurasse como acusado, ele, simplesmente, não atendia às intimações dos juízes e não comparecia às audiências e seus advogados alegavam a ocorrência de um ‘impedimento legítimo’, por sua condição de chefe do governo, aceitando-se que ficasse suspenso o andamento do processo enquanto ele permanecesse na chefia do governo.
Essa imunidade foi declarada inconstitucional pela Corte Constitucional italiana, em sessão de quinta-feira (13/1). Entretanto, pela mesma decisão ficou estabelecido que em cada caso concreto caberá ao juiz do processo avaliar a desculpa apresentada por Berlusconi para não se submeter às determinações judiciais e fugir, assim, a uma imposição constitucional, pois a Constituição italiana estabelece, no artigo 25, que ninguém pode ficar fora do alcance do juiz natural designado pela lei, não abrindo qualquer exceção. Mas já se estabeleceu, de antemão, que são motivos justos, não havendo afronta à Constituição, as ausências que tiverem por fundamento: a participação em reuniões do Conselho de Ministros, o comparecimento às reuniões entre o Estado italiano e alguma de suas regiões, a participação em encontros de caráter internacional, assim como todo tipo de reunião preparatória ou essencial para o exercício das funções de chefe do governo.
Formalidades convenientes
Comentando com ironia essa decisão, o jornal francês Le Monde, em sua edição de sábado (15/1, pág.9), observa que, na melhor da hipóteses, cada alegação de motivo justo para não comparecer perante o juiz abrirá a possibilidade de intermináveis debates, para se avaliar se ‘a necessidade de comparecer a uma reunião nos confins da Puglia’ constitui ou não um ‘impedimento legítimo’ para não comparecer à audiência que daria início ao processo. E assim, observa o jornal, os processos ficarão parados até que ocorra a prescrição, estando garantida a impunidade. Tudo isso de acordo com as formalidades legais do processo democrático.
Essa é a realidade do sistema judiciário italiano hoje, sendo mais do que óbvio que os amigos do rei serão protegidos por formalidades legais e não sofrerão condenações, continuando a posar de inocentes, ao mesmo tempo em que, em sentido contrário, quando houver interesse político serão adotadas as formalidades convenientes para a fabricação de culpados.