Examinada atentamente à luz dos princípios e valores constitucionais que buscou concretizar, a Lei nº 10.741, de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, fornece provas irrefutáveis do vínculo de absoluta subordinação que a mídia deve manter em relação aos direitos humanos.
A análise de alguns de seus artigos mais importantes dá a exata dimensão de sua abrangência. Os mandamentos do Estatuto devem ser cumpridos por toda a sociedade brasileira (na qual estão inseridos os meios de comunicação) e pelos poderes públicos (é útil lembrar que, operadas em regime de concessão estatal, as empresas de rádio e televisão possuem inequívoco compromisso com o interesse público, que deve presidir as suas atividades).
A mídia não goza, pois, de qualquer tipo de distinção, condição especial ou privilégio que a exima de cumprir rigorosamente todos os preceitos enunciados pelo documento legal ora abordado. Esta é uma afirmativa que deve acompanhar a leitura de todos os trechos do Estatuto. A conduta editorial e os produtos ofertados pelos meios de comunicação devem seguir, pois, estritamente, toda a orientação emitida pela Lei nº 10.741.
Liberdade, respeito e dignidade
O artigo segundo do referido diploma legal, por exemplo, reafirma, em relação aos maiores de sessenta anos, o que já havia sido instituído pela Constituição Federal, promulgada em 1988, para qualquer cidadão brasileiro: o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, devendo a legislação assegurar todas as oportunidades e facilidades para a preservação de sua saúde física e mental, e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
No mesmo sentido, o artigo terceiro do Estatuto reza que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
O artigo quarto define que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e diz que todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
O parágrafo primeiro do mencionado artigo estabelece que é dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.
Já o artigo 10 do Estatuto do Idoso enumera, em seu parágrafo primeiro, alguns aspectos dos direitos à liberdade, ao respeito e à dignidade garantidos a esse grupo etário. Em seu inciso primeiro, menciona a liberdade de opinião e expressão. No inciso terceiro, a liberdade de crença e culto religioso. No inciso quinto, a participação na vida familiar e comunitária.
Pena para quem humilhar ou discriminar
Merece comentário especial o disposto no parágrafo segundo do artigo 10, que atribui conteúdo preciso ao direito ao respeito: ele consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral do idoso, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
O parágrafo terceiro do mesmo dispositivo da lei é ainda mais importante, já que situa como dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
O capítulo quinto do Estatuto do Idoso, intitulado ‘Da Educação, cultura, esporte e lazer’, estatui, logo no artigo 20, que o idoso tem direito à educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade.
Central, seguramente, é o artigo 24, que merece transcrição literal:
‘Os meios de comunicação manterão espaços ou horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural, e ao público sobre o processo de envelhecimento.’
O parágrafo primeiro do artigo 96 do Estatuto do Idoso prevê pena de reclusão de seis meses a um ano e multa a quem desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo.
Frágeis polêmicas
O artigo 105 atribui pena de detenção de um a três anos e multa a quem exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do idoso.
Vale lembrar, também, que, por meio de seu artigo 110, o Estatuto do Idoso ampliou o alcance do parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal brasileiro, sobre o tipo penal da injúria. De acordo com a mudança, se o comportamento criminoso de que trata o artigo houver sido realizado com a utilização de elementos referentes à condição de pessoa idosa, a conseqüência cabível é uma pena mais elevada que a convencional: deverá impor-se a reclusão de um a três anos e multa, e não a detenção de um a seis meses ou multa.
O Estatuto também alterou o artigo 141 do Código Penal e impôs, em seu inciso quarto, que as penas cabíveis em casos de crimes contra a honra aumentam-se de um terço, se qualquer deles é cometido contra pessoa maior de sessenta anos (exceto no caso de injúria, já regulamentado pelo parágrafo terceiro do artigo 140).
Finalmente, cabe dizer que o Estatuto, naturalmente, não é o único exemplo de legislação infra-constitucional que honra a prevalência dos direitos humanos sobre a atuação dos meios de comunicação social, hierarquia gerada pela correta interpretação da Constituição Federal. Famosa norma instituída contra o racismo, a Lei n. 7716, de 5 de janeiro de 1989, é outro. O Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecido pela Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, é um terceiro. E ainda há mais… Os documentos legais aqui mencionados são filhos legítimos da Carta Magna promulgada em 88. Constituem frutos preciosos nascidos do ventre da ‘Constituição cidadã’, que os ampara integralmente.
Resta concluir, daí, que é ao estudo do Direito que deve ser dedicado o tempo atualmente gasto, inutilmente, em frágeis polêmicas, quase todas movidas por ignorância ou por má-fé, sobre as relações entre os meios de comunicação e os direitos da pessoa humana.
******
Advogado, jornalista, mestre em Direito Internacional (UFMG) e doutorando em Direito Internacional (Universidade Autônoma de Madri)